Page 64 - INSTITUTO HISTÓRICO VOL XI
P. 64

Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros

              cena uma identidade mineira fragmentada, diferente, e
              mais difusa que a unidade mineira forjada, em que se pri-
              vilegiava o consenso e se excluíam todos os conflitos. O
              mundo dos jagunços, com seu novo código de condutas,
              explicita as facetas da marginalidade, da exclusão e da
              rebeldia, que a história oficial não conta.
                    Nas descrições da paisagem, descobre-se uma incon-
              testável declaração de amor do autor pela natureza do
              sertão:


                       As terras da vazante, naquele ponto, como uma obra prima da
                       natureza, formavam um paraíso ainda não maculado pelas mãos
                       do homem, o mais pernicioso agente geológico. Somente o gado,
                       em pastoreio livre, por ali passava (...). O arrulho de uma juriti, o
                       voo rasteiro e curto de uma garça, provocado pela presença intru-
                       sa do cavaleiro, contemplavam a beleza natural da vazante vir-
                       gem. (BRAZ, 2011:234)

                    “O senhor tolere, isto é o sertão”. A fala do jagunço
              Riobaldo, no trecho introdutório de Grande sertão: vere-
              das, serve de epígrafe à obra de Petrônio Braz. Em seu
              romance, lê-se um sertão que é tudo, metáfora da onipre-
              sença e da ambiguidade, visto que nele tudo cabe e tudo
              falta, ao mesmo tempo. Essa forma de conceber o sertão
              resulta de uma percepção da condição humana e da sua
              fragilidade, que faz do jagunço Antônio Dó um homem
              da modernidade. Para ler esse autor, inspirado, como não
              poderia deixar de ser, nas lições de Guimarães Rosa, é pre-
              ciso tomar como ponto de partida a compreensão do ser-
              tão não como um recorte geográfico ou um lugar de fron-
              teira demarcada, mas como um espaço imaginário, onde
              cada homem projeta a sua individualidade. O sertão de
              Rosa, que se afirma como “o sertão dentro de mim”, en-
              contra respaldo no sertão recriado por Braz, que, entre
              outras coisas, dedica o seu livro aos


                       pássaros, que voam livres pelos céus do vale do rio São Francisco;
                       aos poucos animais silvestres, que ainda perambulam livres e so-
                       beranos pelas suas vazantes e pelos cerrados; aos peixes sobrevi-
                       ventes que povoam suas águas; às árvores, que até agora sobrevi-
                       vem à devastação do homem; às veredas do Grande Sertão, que
           64
   59   60   61   62   63   64   65   66   67   68   69