Page 63 - INSTITUTO HISTÓRICO VOL XI
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Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros

                    mantendo uma unidade em si; são separadas, mas apon-
                    tam para uma progressão necessária: unir as pontas da vida,
                    como diria o personagem Bentinho do memorável roman-
                    ce Dom Casmurro; para além da história conhecida e ofici-
                    alizada, desvendar os esconsos do homem, descobrir nele
                    os vestígios do menino, perscrutar os mistérios que rondam
                    todos os fatos. Desde o início do livro, o leitor se vê motiva-
                    do pela mesma inquietação que inspirou Petrônio Braz a
                    escrever o livro: quem foi, afinal, esse António Dó?
                         Sem cair na tentação de idealizar, Petrônio avança
                    na construção do personagem, dando-lhe constituição
                    humana. Antônio Dó, perseguido pela polícia e protegido
                    pelos fazendeiros locais, que lhe davam acolhida e guar-
                    da, transformar-se-á, com o tempo, na figura mais lendá-
                    ria dos Gerais. O jagunço feroz, que a historiografia ofici-
                    al e os fatos de jornal retratavam, é remontado, no ro-
                    mance, com seus defeitos e virtudes, seus impulsos de vin-
                    gança e seu senso de justiça, suas fraquezas de homem e
                    seus ideais de sertanejo. Petrônio Braz não cria um herói,
                    no sentido clássico do termo, mas desmitifica o bandido.
                    Das páginas de seu romance, emerge um homem premi-
                    do pelas circunstâncias, corajoso o suficiente para ir con-
                    tra tudo e todos; sendo um fora-da-lei, tinha um código
                    de condutas marcado por um curioso senso de ética e res-
                    peito aos oprimidos; há nele uma inquietante fúria e uma
                    enternecedora falibilidade.
                         Mas, para além da história do homem, conta-se a his-
                    tória de um sertão vasto, que emerge desde a Bahia, em Pilão
                    Arcado, até a cidade de São Francisco, princesa barranquei-
                    ra do norte de Minas Gerais e sobe até a Serra das Araras.
                         Serrano de Pilão Arcado trata, sobretudo, do sertão
                    dos Gerais, que foi, por muitos anos, relegado ao atraso
                    social e ao esquecimento político. Recriado literariamente
                    na ficção de Petrônio Braz, encontra acento na história
                    literária de uma terra e de uma gente. Por traz do drama
                    vivenciado pelo jagunço Antônio Dó, a obra coloca em

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