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Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros
Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire (1779- conteve o seu entusiasmo com a magnitude artística que presenciou,
1853), sem sobra de dúvidas o mais destacado desses naturalistas, em registrado em sua obra posterior:
suas viagens de estudos e coleta entre 1817 e 1818, esteve em Coração “Esses marceneiros eram, no entanto, dignos de melhor sorte;
de Jesus, povoado que na ausência do vigário para os ofícios religiosos, pois que seu trabalho merecia os maiores elogios. O madeiramento
ficava com suas casas fechadas, exceto cerca de sete habitadas geral- da igreja, o altar e o tabernáculo não teriam sido mais bem lavrados
mente por operários e prostitutas.
em uma cidade da França de dez a doze mil almas, o que confirma
Registrou o botânico francês: “Coração de Jesus parece dever a o que já disse, por várias vezes, a respeito da habilidade dos artesãos
origem a um sentimento religioso. Os lavradores da redondeza, muito mineiros.”
afastados de lugares onde existem sacerdotes para poderem cumprir Porém, o materialismo nefasto que sempre pairou, invencível,
seus deveres de cristãos, fundaram esse povoado. Tiveram a princí- nas sociedades capitalistas um dia chegou à cidade de Coração de
pio apenas uma igreja coberta de palha (sapé), mas, pouco a pouco, Jesus, fazendo com que a imponente igreja virasse pó, acabando com
alguns legados e esmolas dos fiéis permitiram levantar um templo seus símbolos reportando ao pretérito.
que melhor conviesse à dignidade do culto, e começou-se, em 1792,
aquele cujo interior se estava acabando em 1817. Quando não se en- O poder econômico de banqueiros, já na segunda metade do
contra na povoação sacerdote para celebrar a missa, quase todas as século XX, veio sobrepujar - pelo que se viu do resultado da negociata
casas ficam fechadas; não se contam mais de sete que são habitadas criminosa - o então inexistente sentimento preservacionista de certos
durante toda a semana, e ocupam-nas operários e mulheres de má membros da Igreja Católica. A alienação do terreno, do qual o templo
vida. Disso resulta que Coração de Jesus não oferece absolutamente era acessório, foi o marco inicial a aviltar a memória histórica de toda
o menor recurso, mesmo para as mais urgentes necessidades da vida. a humanidade.
Não se vê aí uma única casa de negócio; não se pode comprar arroz, A decretação do triste e irreversível fim da igreja que encantou
feijão, aguardente ou carne, e os operários vivem fazendo-se pagar e acolheu a fé de tantas gerações, a respeito da qual Saint-Hilaire deu
por em gêneros pelos lavradores, para os quais trabalham. Como não ciência de sua existência ao mundo, começou quando o então respon-
havia no sertão marceneiros bastante peritos para fazer as guarnições sável pelos trabalhos religiosos em Coração de Jesus, Padre Gustavo
de madeira da igreja, fizeram-nos vir dos arredores de Vila do Fana- Ferreira de Souza (Monsenhor Gustavo, baseado em Montes Claros,
do, e fui testemunha das amargas queixas que dirigiam um a um dos já falecido), acreditando que a torre estava prestes a cair, mandou re-
administradores da obra, porque não encontravam o que comprar, os movê-la, descaracterizando assim o templo.
colonos dos arredores nada lhes enviavam, e estavam reduzidos a co-
mer milho simplesmente cozido na água. Queria-se, certamente, fazer Posteriormente, substituiu-o o Padre Colatino Sitário Mesquita
algo por eles, mas estava-se realmente desprovido de tudo, porque os (falecido em 1979), que foi quem concretizou a venda do imóvel para
fazendeiros cultivam apenas para suas necessidades e de suas famílias.” a então Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais, para constru-
ção de sua agência local, isto em 1972, com a autorização da Diocese
Apesar da pobreza que registrou no lugar, isto em 1817, o sábio de Montes Claros.
deparando-se com os trabalhos finais no interior da nova igreja, não
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