Page 154 - INSTITUTO HISTÓRICO VOL XI
P. 154
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros
sacrilégio. Matar aulas era pecado capital. Durante a se-
mana não valia nem cinema nem namoro. A ordem era
estudar! Uma única transgressão era permitida e só ao
Miranda, porque ele havia inovado o sistema, inventado
uma saída, namorando com a professora Lourdes, inteli-
gentão que era. O Dezinho Dias, já mais velho um pouco,
falava de fazendas, de vez em quando. O Raimundo San-
tana era um importante, pois tinha bicicleta e tomava uís-
que antes das provas de matemática. Ivan impunha gran-
de respeito: de vem em quando jantava em restaurante,
sábado à noite depois do grêmio. A maioria, como eu, não
tinha dinheiro nem para picolé ou quebra-queixo, e quan-
do muito, bebíamos caldo de cana. Cafezinho era luxo!
Professor bom mesmo era o Pedro Santana, vibran-
te, grã-fino, dominante nas cadeiras de História, Ciências
e Inglês, um terror par quem não tivesse as matérias na
ponta da língua, a capacidade de responder, falando ou
escrevendo, sem gírias. Pedro era tão imponente, que não
repetia ternos e gravatas durante um mês, cada dia uma
nova cor, hoje um três-botões, amanhã um jaquetão, tudo
dentro do melhor figurino de Vavá ou Wilson Drumond.
O cabelo, ah! O cabelo era que merecia o maior cuidado!
A barba, de um barbear diário na barbearia de Antônio
Guedes, com massagem facial, na mesma hora em que tam-
bém estavam sentados os grã-finos Júlio de Melo Franco e
Nelson Vianna, fregueses de manhã cedinho. Errar com
Pedro ou com o Padre Agostinho – outro elegante – era
imperdoável. A nota menor que um bom aluno podia ti-
rar era dez. O nove era um feito vergonhoso!
Havia outros professores famosos e entre eles o Ta-
bajara, a Terezinha Pimenta, Doutor Carlyle, a Maria
Inês, D. Rosita Aquino e o Belizário, que falava latim e
tinha o cabelo parecido com o de Castro Alves. Em cer-
tas ocasiões, o bispo D. Antônio chegava a assistir a al-
gumas aulas, sentado conosco, perguntando e partici-
pando, como se não soubesse de tudo! Foi a maior inteli-
154