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Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros
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                                                                                                   Monumentos tombados ao chão. Matando uma esperança. De que o
                                  Márcio Adriano Silva Moraes                                      tombamento fosse assinado por sóbria mão. Se finado for lágrimas de

                                  Cadeira N. 59                                                    uma história chorarão.
                                                                                                         E a modernidade da engenharia ali edificará um grande prédio.
                                  Patrono: João Valle Maurício                                     Ou como comum se tornou deixar o vazio. Limpar o terreno para

                                                                                                   estacionar motores e tédio.
                                                                                                         Os herdeiros não herdaram o seu legado. E uma placa anuncia
                                                                                                   sua venda. As mãos que ali deitarem o capital de seu valor possuirão
                                                                                                   uma lenda. Saberão disso? Uma arquitetura neocolonial do início da
                              O SOBRADO                                                            fundação da cidade. De cores várias foi pintado. E seu aspecto enve-
                                                                                                   lhecido se foi para os jovens. Somente na memória dos mais velhos
                                                                                                   seu antigo tom está gravado. Agora se apresenta em tom de rosa.

                                                                                                         Há muito tempo deixou o seu cheiro de Canela. Seu respiro é
                                                                                                   um mofo. Mas não um mofo bolor de fungos. Seu mofo é humano
                squina de praça. Do outro lado a Igreja Matriz. Coreto árvores                     que o deixou esquecido. Nunca mais abertas suas janelas. Nunca mais
                bancos chafariz. Rota do caminho centro para quem passa. De                        abertas suas portas velhas. Nunca mais pisado seu assoalho. Nunca
         Ehora em hora o sino toca. Não aquele badalo de outrora.                                  mais subidas suas escadas. Nunca mais ouvido da madeira o estalo.
               Sonoro bronze. Timbre agudo de uma gravação metálica de                             Nunca mais assistidas suas fachadas. O Sobrado está sobrando.
          agora. Lâmina que assassina a tradição. Seu som é ouvido pelos que                             E assim espera apenas. Como um ser cujas forças não lhe vêm.
          por ali se encontram. Mas somente as construções o escutam. Como                         A decisão não é sua. Permanecer ou esvair não lhe cabe decidir. Por
          aquele Sobrado da esquina da Praça da Matriz. A morada divina tes-                       enquanto ainda ali se encena. Como uma maquete de um filme que
          temunha de seu nascimento.                                                               se projeta na mente de poucos. Daqueles que ao passar por ele o ob-

               Em seu interior ninguém mais se habita. Fora abrigo de gera-                        servam. Ali apenas ali. Com uma placa de vende-se. E mais uma vez o
          ções. De um nome família notável da cidade. Um Sobrado que dei-                          medo futuro. De umas mãos que lhe derem o seu valor não souberem
          xou suas sobras no tempo. No peito passado de saudade. Pois o tempo                      o seu valor. E o medo de o Sobrado lhe restarem sequer sobrados.
          mata. A memória tem idade. E a lembrança como grão se cata. Mas o
          casarão sobrevive. Ainda assim sobrevive. Sua edificação sólida resiste.
          Até quando não se sabe. Quisera se eternizasse no porvir.
               E ali permanece majestoso em sua realeza histórica. Mas a cida-
          de em que se sustenta não acalenta o passado. E um medo futuro de

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