Page 122 - REVISTA24
P. 122
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros
O teclado estava desprezado há mais de 3 anos, pois faltava da. Que pena! Adiei também a viagem à Grécia, um sonho antigo,
tempo, mas agora, “quem canta, seus males espanta”. E lá vou eu re- passando pela Itália, esse ano impossível, e outras viagenzinhas por
cordar as músicas do passado: “A deusa da minha rua...” preferida da aqui mesmo, que já estavam agendadas.
minha mãe, quando juntas ficávamos atrás da janela da minha casa Aprendi numa pós-graduação que existe uma árvore dos me-
ouvindo as serenatas. Quanta poesia nessa música, coisa que as mais dos: há o “medinho” (medo de barata, por exemplo); o “medo” pro-
modernas não têm: só falam em “dor de cotovelo”, em traição e outras priamente dito (medo de assalto, do escuro, etc.) e o “medão”, um
coisas. E até mesmo palavrões, nada de poesia. “Na rua uma poça d´á- medo bem grande. Creio que agora nessa quarentena estamos tendo o
gua, espelho da minha mágoa, transporta o céu para o chão...” Pen- “medão”, que é o medo da doença e da morte. Mas lembro bem que a
sem bem: como o céu pode ser refletido no chão através de uma poça Bíblia nos conta que quando os discípulos de Jesus estavam num bar-
d´água? Só mesmo um poeta apaixonado. E o final: “Ela é tão rica, co e sobreveio uma tempestade, eles tiveram um grande medo, de se
e eu tão pobre, eu sou plebeu, ela é nobre, não vale a pena sonhar...”
afogar e de morrer. Mas Jesus estava no barco e acalmou a tempestade.
E os rapazes, de violão em punho, com lanternas para lerem as Creio firmemente que Ele agora irá também acalmar essa tempestade
músicas, pois que não tinha iluminação, embora fosse noite de luar. que estamos vivendo. É preciso ter fé.
Depois cantavam a minha: “Eu sonhei que tu estavas tão linda...” Li um texto do Rubem Alves que diz que otimismo é diferente
Hora de ir preparar o almoço e aproveito para fazer pão de de esperança. Segundo ele, otimismo é a gente acreditar que há pri-
queijo e pãezinhos, que há muito tempo não fazia. Não tinha tempo. mavera aqui dentro enquanto há primavera lá fora. Mas esperança é
Tenho ainda que cuidar da casa e fazer minhas tarefas a que me pro- acreditar que mesmo estando nublado lá fora, há primavera em nos-
pus no início da quarentena. Mas o tempo não está sobrando. Até fiz sos corações. É ainda ele quem diz:
uma lista e vou checando a cada dia. Não é a lista do Montenegro: “Mas é preciso escolher. Porque o tempo foge. Não há tempo
“Fiz uma lista de grandes amigos...” É uma lista de tarefas mesmo. O para tudo. Não poderei escutar todas as músicas que desejo, não po-
curso virtual está congelado. Tenho que verificar a cada instante as derei ler todos os livros que desejo, não poderei abraçar todas as pes-
mensagens e chamadas do celular, para ficar por dentro das notícias soas que desejo. É necessário aprender a arte de “abrir mão” – a fim de
da família e dos amigos, porque as notícias alarmantes, eu deleto sem nos dedicarmos àquilo que é essencial.”
ver. Nas poucas horas vagas e até chegar a hora de ir para a cama, vejo
filmes que não sejam de terror nem de guerras ou violência. Vi um Se tenho fé, tenho esperança. E é por isto que já estou fazen-
muito bom: “O milagre da cela 7” e recomendo. do planos para o pós-quarentena. Porque acredito no amor de Deus;
porque acredito que tudo vai passar; porque acredito que Jesus está
Mas não me esqueço também dos momentos de oração, como no nosso barco e brevemente estaremos todos juntos novamente, nos
o Terço da misericórdia todos os dias, pedindo a Deus que “Tenha reunindo e nos abraçando.
misericórdia de nós e do mundo inteiro...”
Tive que cancelar várias viagens, inclusive a do meu aniversário,
quando iríamos à Diamantina para a vesperata, a família toda reuni-
- 120 - - 121 -