Page 120 - Instituto Histórico Vol.VIII
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Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros  Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros
          Cada dia era um novo esquema de novidades, de surpresas, uma
          sensação de estarmos construindo o mundo, preparando-o para a
          nossa geração e para todas as outras que poderiam vir depois de
          nós. Ninguém fugia da luta, tirar o corpo de banda, em qualquer
          tarefa, era um sacrilégio. Matar aulas era pecado capital. Duran-
          te a semana não valia nem cinema nem namoro. A ordem era
          estudar! Uma única transgressão era permitida e só ao Miranda,
          porque ele havia inovado o sistema, inventado uma saída, namo-
          rando com a professora Lourdes, inteligentão que era. O Dezinho
          Dias, já mais velho um pouco, falava de fazendas, de vez em
          quando ou toda hora. O Raimundo Santana era um importante,
          pois tinha bicicleta e tomava uísque antes das provas de mate-
          mática. Ivan impunha grande respeito, já era destaque: de vez
          em quando jantava em restaurante, depois do grêmio e até em
          dias de semana, pois ganhava boas gorjetas aplicando injeções. A
          maioria, como eu, não tinha dinheiro nem para picolé ou quebra-
          -queixo,  e  quando  muito,  bebíamos  caldo  de  cana.  Cafezinho
          era luxo para pouquíssimos! Professor bom mesmo era o Pedro
          Santana, vibrante, grã-fino, dominante nas cadeiras de História,
          Ciências e Inglês, um terror para quem não tivesse as matérias na
          ponta da língua, a capacidade de responder, falando ou escreven-
          do, sem gírias. Pedro era tão imponente, que não repetia ternos
          e gravatas durante um mês, cada dia uma nova cor, hoje um três-
          -botões,  amanhã  um  jaquetão,  tudo  dentro  do  melhor  figurino
          de Vavá ou Wilson Drumond. O cabelo, ah! O cabelo era que
          merecia o maior cuidado! A barba, de um barbear diário na bar-
          bearia de Antônio Guedes, com massagem facial, na mesma hora
          em que também estavam sentados os intelectuais Júlio de Melo
          Franco e Nelson Vianna, fregueses de manhã cedinho. Errar com
          Pedro ou com o Padre Agostinho - outro elegante - era imperdoá-
          vel. A nota menor que um bom aluno podia tirar era dez. O nove
          era um (de)feito vergonhoso! Havia outros professores famosos e
          entre eles o Tabajara, a Terezinha Pimenta, Doutor Carlyle, Ma-
          ria Inês Versiane, D. Rosita Aquino. O professor Belizário, falava
          latim, declamava admiravelmente, e tinha o cabelo à Castro Al-
          ves. Em certas ocasiões, o bispo D. Antônio, simples e simpático,


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