Piedade,
na maior parte dos modos com que nos acostumamos a cultivá-la,
exige revisão.
Usamo-la,
muitas vezes, como se desenrolássemos a frase
em forma de chibata, vergastando a quem nos aguarda
o consolo ou qual se entregássemos a moeda beneficente
aquecida em ponto de brasa, queimando as mãos
que a recebem.
"Graças
a Deus, nunca sofri penúria", dizemos, de
escantilhão, a companheiros que esmolam socorro
material, dando a entender que Deus lhes seria perseguidor
e não Pai.
"Dou
sempre o que posso, embora saiba que há malandros
em toda parte", proclamamos com altivez diante
do irmão que nos solicita o concurso, esquecidos
de que assim falando estamos a situá-lo nos meandros
da vadiagem.
Visitamos
uma viúva e perguntamos de chofre se o marido
desencarnado lhe deixou montepio,indiferentes à
dor da mulher que se vê solitária, aspirando
a recolher palavras de fé ao invés de
comentários sobre dinheiro.
Em
algumas ocasiões, ingressamos num hospital a
título de fazer assistência e levamos lenço
ao nariz ou recuamos perante o doente que a enfermidade
carcome, sem considerar a posição vexatória
com que lhe rebaixamos os sentimentos.
Piedade
não é alguém supor reconfortar
a outro alguém, ilhando- se em virtude hipotética.
Em
muitos casos, a compaixão que deitamos assemelha-se
à soda cáustica:
branca na aplicação e corrosiva no efeito.
A
golpes de orgulho presumimos animar e desencorajamos,
cremos suprimir dificuldades e agravamos problemas,
por ausência de tato e delicadeza.
Piedade
é caridade e caridade é amor.
O
amor coloca-se na condição dos que sofrem
para servir.
Imaginemo-nos
na luta dos outros e reflitamos na maneira ideal com
que estimaríamos recolher-lhes o auxílio.
Não
raro, os que se encontram nas sombras da provação
não mais precisam de nossas dádivas, nem
de nossas meras palavras; esperam tão-somente
por nosso coração com a ansiedade e o
enternecimento de quem aguarda uma luz...
(Sol
nas Almas - Andre Luiz - Waldo Vieira)