Primeiros
Passos
Wanderlino
Arruda
Não sei bem porque, mas ser jornalista era um sonho
que eu acalentava há muito tempo, bem antes de ter-me
mudado para Montes Claros, nos meus adolescentes dias de Taiobeiras,
tempos de convívio com tudo que um ainda quase menino
poderia sonhar. Escrever para jornais e revistas, naquela
época já não me parecia uma coisa totalmente
impossível, tinha cheiro de realidade, com boa marca
de prazo por acontecer. Na verdade, foi de lá o bom
começo, nos meus primeiros exercícios de charadismo
e de palavras cruzadas, quando não me limitava à
passividade das decifrações, mas indo com determinação
a bem mais do que isso: passei a compor charadas e a construir
os primeiros desenhos e armar as primeiras batalhas de vocábulos
e siglas, encaminhando-os à Revista "Libertas",
que a Polícia Militar publicava em Belo Horizonte e
à "Revista da Marinha", que o Ministério
da Marinha editava no Rio de Janeiro. Era uma experiência
e tanto, uma grande alegria ao ver textos e nome publicados
em letras de imprensa. Aníbal Rego, amigo e companheiros
de estudos, um dos melhores professores que já tive,
muito me incentivou, procurando valorizar meus primeiros passos
nesse tipo de atividade na imprensa. Desenhar a nanquim eu
sabia de alguma forma, o que eu não sabia era datilografar,
que era coisa difícil em cidade de interior. Foi aí
que Ageu Almeida, outro amigo, nas horas de folga da farmácia,
me deu grande ajuda, ensinando-me, corrigindo e, mesmo, passando
a limpo minhas primeiras produções. Foi uma
boa escola, coisa de jamais me esquecer.
Depois, vendo meu esforço, meu interesse, meu pai comprou
uma máquina de escrever e um método simplificado
de datilografia. Foi para mim, não tenho dúvida,
uma fase de encantamento e alegria. Ainda me lembro de tudo
como se fosse hoje: coloquei máquina e livro em cima
da canastra de madeira e couro, que havia no meu quarto, bem
em frente à janela para aproveitar a claridade, e passei
a gastar nos exercícios resmas inteiras de papel almaço,
batendo e rebatendo as quatro carreiras de teclas - dedos
das duas mãos - até adquirir razoável
destreza para escrever bilhetes, cartas e pequenos relatos
de acontecimentos de cada dia.
Foi assim que – quase datilógrafo - cheguei a
Montes Claros, em janeiro de 1951, já com meio caminho
andado para trabalhar em jornal. Quando o prefeito Enéas
Mineiro e médico Luiz Pires fundaram “O Jornal
de Montes Claros”, alvoroçado, vi abrirem para
mim as portas de uma nova profissão, sentindo mesmo
que o grande sonho poderia transformar-se em realidade. Nada,
porém, aconteceu, porque o excesso de trabalho no comércio,
as tarefas no Colégio Diocesano, a leitura de pelo
menos um livro por semana, as cartas para a namorada, tudo,
tudo não deixava tempo para o futuro jornalista. Na
faixa dos sonhos quase reais, num querer muito, acompanhei,
mais do que interessado, a primeira fase do jornal, principalmente
as polêmicas entre professor Pedro Sant”Ana e
o jovem médico João Valle Maurício.
Depois veio a política estudantil no grêmio do
Instituto Norte Mineiro, com eleições perdidas
e eleições ganhas, liderança construída
quase a ferro e fogo. Foi também nesse tempo que recebi
de Waldir Senna a presidência do Diretório dos
Estudantes, numa velha sala da rua Doutor Santos, em frente
ao Hotel São José. E daí, para quem vinha
de tão longe na vida estudar de favor, o novo cargo
era um brilho súbito, uma quase consagração,
nome diariamente no rádio e pelo menos duas vezes por
semana nos jornais. Deve ter sido por isso que o professor
José Márcio de Aguiar, que não era tão
meu amigo como o era de Haroldo Lívio, resolveu atender
o pedido de Oswaldo Antunes e me mandar para o JMC. Antes,
recomendou-me o máximo de respeito à gramática,
cuidados no contato com o público, e mais do que isso:
nunca esperar do jornalismo a riqueza de saldos bancários,
porque jornalismo teria que ser sempre um sacerdócio,
ou mais do que isso.
Trabalhei três meses sem ver cor de dinheiro, tudo completamente
de graça e até com alguma despesa saída
do meu próprio bolso. Depois, Oswaldo destinou ao jovem
e apressado repórter o diminuto salário de mil
cruzeiros, sominha que nem dava para pagar um mês inteiro
à pensão de D. Duca.
Um bom começo. Claro, um bom começo!
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