O
grande Imperador
Wanderlino
Arruda
Há
muito tempo, eu estava querendo escrever sobre o Imperador
Pedro II, uma das mais admiráveis personalidades da
nossa tão esquecida história. Porque escrever
sobre ele, não sei. Sei apenas que o filho de Pedro
I e pai da Princesa Isabel sempre me fascinou pela sabedoria
e pelo caráter reto, uma grandeza de espírito
e simplicidade muito raras nos políticos de qualquer
época. Hoje, cumpro a promessa comigo mesmo, e sei
que isso é bom, servindo de uma espécie de catarse,
que é algo como um banho da própria alma, um
descanso de compromisso e de tensões que nos invadem
o saber e o querer. Cyro dos Anjos diz que tudo que a gente
quer escrever ou escreve constitui uma gravidez intelectual
e, quando não vem o parto, não virá o
descanso. Bem haja, como dizem os portugueses!
E o que sei eu de D. Pedro II? Não muita coisa, que
isso dependeria de muita leitura sobre o Segundo Reinado.
Mas sei um pouco, que posso passar, com prazer, para os que
têm a paciência de me ler. Como é a moda,
é bom começar dizendo que Pedro II foi um grande
democrata, amigo do povo, simples como devia ser um cristão.
Para não fugir à verdade, é bom também
dizer que seus maiores amigos eram mesmo os filósofos,
os poetas, os cientistas, os inventores, a gente da grande
inteligência e da cultura. O que ele não gostava
muito era da realeza cheia de pompas e de protocolos, o povo
metido da nobreza, cheio de luxo e de aparências. D.
Pedro II sentia-se bem mesmo era na companhia de homens como
Victor Hugo, Renan, Thomás Edison, Longfellow, Graham
Bell, Pasteur, Alexandre Herculano, Manzoni, Gonçalves
de Magalhães, Francisco Otaviano, Carlos Gomes, Pedro
Américo, intelectuais que ele admirava e protegia.
Dizem que ele nunca deixou de demonstrar constrangimento diante
das cortes de grande gala e muito ouro.
De vestir, D. Pedro II gostava mesmo era de uma sisuda sobrecasaca
preta, à moda dos professores da época, vivendo
longe das jóias, com um ar discreto de um bom burguês,
fino, educado, seduzido só pelas belas idéias
e pela sabedoria dos pensadores. Gostava imensamente de viajar,
mas viajava pouco. E, quando o fazia pelas cortes européias,
pagava as passagens e as contas, tirando dinheiro do próprio
bolso, nunca ofendendo os saldos do Tesouro Nacional tão
à moda nos dias de hoje. Educado para reinar, mediante
disciplina férrea, quase monástica, foi moldado
como um responsável funcionário público,
modesto e compenetrado. Tolerante ao máximo, bondoso,
era também de vontade inquebrantável, renitente,
intransigente em seus propósitos. Antes de tudo, a
prática, o trabalho, a obrigação. Madrugava
no cumprimento do dever. Decidia com tanta justiça
que mais parecia um juiz centralizador do bem e da paz.
Homem livre, estudioso, de uma curiosidade científica
de encantar, chegou muitas vezes a escandalizar as cortes
do velho continente, deixando para trás até
as idéias estapafúrdias dos conservadores. É
que mais do que os palácios, visitava os livres pensadores,
os rabinos, os artistas, os republicanos, ímpios como
Renan e Victor Hugo. Pouco lhe importava a antipatia quase
que natural do Papa Pio XI, um radical conservador, que nunca
lhe poupou censuras. Claro que não chegava a ser um
iconoclasta, isso nunca. Era um homem de paz, um bom sujeito
de ótimo coração!
Sério, compenetrado, virtuoso, respeitado e respeitador,
discreto como homem e como governante, não deixou,
porém, de ter uma boa seqüência de amores,
além do que teve para com sua mulher, princesa napolitana
D. Teresa Cristina Maria, modelo de bondade, D. Pedro II amou,
e muito, outras mulheres, com as quais mantinha volumosa correspondência
sentimental. Ocuparam seu coração nada menos
do que a Condessa de Villeneuve, Madame de La Tour, Eponina
Octaviano e a Condessa de Barral e Pedra Branca, sendo esta
última seu preferida, a quem se dedicou profundamente.
Ao contrário do famoso pai, nunca fez desses afetos
motivo de escândalo. O amor para ele foi sempre um sentimento
íntimo, de alma para alma.
Expulso do Brasil numa trágica e tempestuosa madrugada
de 17 de novembro de 1889, viajou chorando de tristeza e de
saudades, já muito alquebrado pelos longos anos de
trabalho e de estudos. Morreu num quarto simples do Hotel
Bedford, em Paris, dois anos depois. Seu maior sofrimento
eram as lembranças do Brasil. Quanto era doloroso a
dor do exílio! Ainda bem que o Governo francês
concedeu-lhe as honras de Chefe de Estado e seu enterro foi
dos maiores que a cidade de Paris já viu, tão
grande como o de Victor Hugo. Diante do sábio e do
homem, mais uma vez a Europa se curvava perante o Brasil!
Ainda bem, que o Brasil era (é) um país (quase)
sério!...
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