Na
venda de meu pai
Wanderlino
Arruda
Por amor à Literatura e à mineiridade, sempre
tive medo de que esta noite nunca acontecesse. Durou muito
esta minha preocupação, pois desde que Luiz
completou 65 anos (...de idade...) - ao meu jeito insistia
com ele para que esculpisse em livro os matizes de sua inteligência,
suas experiências ivenciais, sua visão de mundo
e da gente do mundo. Não sei quantos anos de expectativa,
porque ninguém sabe quantos anos Luiz tem, mas sei
do tempão que este livro levou para ser dado à
luz.
Eu só sabia que nenhum de nós poderia ficar
sem um livro seu e que Luiz não tinha o direito de
nos privar dessas lições de sabedoria, dessa
visão poética do gostosíssimo Norte de
Minas.
Com este lançamento de NA VENDA DE MEU PAI, a cultura
brasileira já não é mais a mesma: fica
bem mais aquinhoada de lances inteligentes e de muita beleza.
E o mais interessante é que tenho certeza o doutor
Luiz de Paula como o chama a maioria da humanidade - concorda
com tudo que estou dizendo... Desta multidão de gente
ilustre que está aqui, sei que sem dúvida -
um compenetrado interiorano, Conselheiro Silo Costa, de Salinas,
também está de acordo. Nem é preciso
perguntar a ele...
LUIZ DE PAULA FERREIRA é desde a meninice e a juventude
-
um livro de muitas páginas, com encadernação
sempre renovada e variação de títulos.
Sempre o mesmo Luiz, artista de muitos papéis, encarnando
e reencarnando personagens nestes séculos XX e XXI.
Luiz balconista de venda de cachaça e fumo de rolo,
Luiz engraxate, Luiz seleiro, Luiz fabricante de bainha de
faca e facão, tipógrafo, telegrafista, estudante,
estudante a vida inteira. Até hoje!
Conheci Luiz de Paula perito-contador e já administrador
da algodoeira, que mais tarde veio a ser sua. Lembro-me de
Luiz viajando de quinze em quinze dias para estudar direito
em Niterói. Luiz candidato a vice-prefeito, candidato
a deputado federal, sempre mais organizado e metódico
que um relógio suíço, sempre sabendo
que seria eleito. Expert em Luiz, desde 1955, quando iniciei
no jornalismo, tenho seguido a sua trajetória e registrado
os seus sucessos. Por exemplo: residente em 55, presidente
em 96, foi indiscutivelmente o melhor
que o Rotary de Montes Claros já teve. Toda a comunidade
rotária vibrou com a governadoria de Luiz, quando o
distrito 452 era ainda todo o estado de Minas, estradas poeirentas
de chão. Luiz tinha duas Chevrolet Amazonas cheias
de seresteiros e animadores de auditório. Nivaldo Maciel
e Francisco Alencar não me deixem mentir...
Dentro da importância de toda uma vida, de um detalhe
não posso esquecer: do dia em que Isabel deu a Luiz
de Paula o primeiro filho e ele Luiz saiu para a rua da com
um sorriso de orelha a orelha, dizendo que Luizinho havia
nascido. Com a cara mais gozada do mundo, piscando um olho
de treita, contava que juntos - escolheram um nome de parceria,
metade do nome do pai e metade do nome da mãe: LU de
Luiz, IS de Isabel; LU-IZ. Verdade... Luizinho foi o primeiro
prêmio
do casamento do solteirão... e não podia passar
sem festa e notícia nas ruas... Lembro-me - quando
do início da Sudene - de Luiz de Paula formando sociedade
com outro empresário de sorte, JOSÉ ALENCAR,
passaram meses voando e percorrendo estradas para o Nordeste,
para apresentar e discutir projetos da Coteminas. Autênticos
sonhadores e realizadores, que jamais poderiam sonhar com
tanto sucesso, tão merecido sucesso. Hoje, o grupo
Coteminas/Cotenor está entre as dez maiores, mais atualizadas
e melhores empresas do mundo, no setor têxtil. Luiz,
papo agradabilíssimo, político no melhor dos
sentidos, negociador, conselheiro, patrocinador de escolas,
cantador de coco, contador de causos, ritmista de lundu, pandeirista
de caixa-de-fósforo, poeta, compositor, cronista, antigo
e moderado bebedor de uma cachacinha gostosa, bom filho, bom
irmão, bom marido, bom pai, excelente ompanheiro, modelo
de elegância (João Xavier, seu alfaiate, dizia
que Luiz sempre teve, no guarda-roupa, 95 ternos e 54 pares
de sapato). Iniciei o prefácio de NA VENDA DE MEU PAI,
dizendo que Luiz de Paula Ferreira sempre foi um milagre,
porque tudo na sua vida deu certo: sonhos e realidade, jeito
de
ser e de viver, comportamentos, atitudes, hábitos,
como numa sábia receita aviada desde os tempos de Roma
antiga, quando não bastava ser, era preciso parecer.
Luiz é tão feliz que parece até um depositante
num anúncio de caderneta de poupança: tranqüilo,
vivo, vivíssimo, sabido e limpo como um gato, no dizer
do saudoso João Valle Maurício. Prefaciador
de NA VENDA DE MEU PAI, acho que fiz o que pude para espelhar
bem a realidade do livro, no meu julgamento, o mais inteligente
entre os que retratam a esperteza, a sagacidade e a alegria
do viver interiorano desta Minas Gerais, esta Minas com sabor
regional de falar quase baiano. Quase nem posso dizer que
fui leitor de NA VENDA DO MEU PAI e talvez todos vocês
também não o poderão dizer. Na verdade,
Luiz não escreveu um livro para ser lido, mas para
ser experimentado, sentido, degustado, saboreado, lambido
com estalar de língua, bem calmamente numa rede, debaixo
de uma mangueira frondosa, fresquinha e carregada, com muito
cheiro de fruta madura.
A VENDA DE MEU PAI é uma receita de bem viver, doce
lembrança, sonhos de amor-menino, dose quase divina
de fruída saudade de quem sempre soube e sabe viver.
Este livro traz em todas as suas páginas - mesmo nas
ditas de ficção - um conteúdo de humanismo
dos melhores que a literatura já teve. Elucubrações
de um intelectual Retórica apaixonada para assinalar
nobreza ? Aconselhável registro com sentido biográfico?
Texto confessional para dourar o passado e vender o futuro?
Marketing ou exemplo de vida? Tenho em mim que nem tanto ou...
concretamente que sim, pois NA VENDA DE MEU PAI é tudo
isso e muito mais: é um hino de louvor à vida
simples das gentes de Várzea da Palma e de Montes Claros,
na primeira metade do século. É a radiografia
colorida e positiva dos mais encantadores sentimentos do menino
e do rapaz quase prodígio, mestre-doutor do visível
e invisível da vida.
NA VENDA DE MEU PAI, de Luiz de Paula, não é
o primeiro, nem será o último livro sobre pessoas
e paisagem de nossa região. Muitos outros escritores
se esforçaram com o mesmo propósito: Desembargador
Veloso, Urbino Viana, Milton e Newton Prates, Cyro dos Anjos,
Ari Oliveira, Darcy Ribeiro, Nelson Vianna, Olyntho e Yvonne
Silveira, Cândido Canela, Hermes de Paula, Milene e
João Valle Maurício, Manoel Hygino, Simeão
Ribeiro, Amelina Chaves, Dário Cotrim, Haroldo Lívio,
muitos e muitos outros, inclusive este quase modesto apresentador.
Sem precisar transferir a pergunta para os universitários
como no programa da TV... falo diretamente a cada um de vocês:
o que é mesmo difere
um poeta de outra pessoa que não faz poesia? Qual a
diferença entre um artista e outra pessoa que não
produz arte?
O modo de ser, o jeitão, é claro. A capacidade
de sonhar, a visão romântica, o real e o irreal
na forma de reparar nas pessoas, o sentir espiritualmente
a vida e os acontecimentos, o ir e o vir, o ensinar sem querer
ensinar, o aprender sem saber que está aprendendo...
Melhor: o artista é aquele que vendo, traduzindo ou
registrando com letras, traços, tintas e sons, ou com
o cinzel da escultura, materializa tudo que os contemporâneos
gostariam de materializar, de resumir como sentido de cultura.
Praxíteles, Michelangelo, Leonardo, Camões,
Cervantes, o Aleijadinho, Niemeyer - para citar apenas a cabeceira
- todos foram intérpretes das idéias, dos sonhos
e das realizações de cada época.
Quero terminar dizendo que Luiz de Paula Ferreira conseguiu
com seu livro NA VENDA DE MEU PAI uma síntese com tessitura
de ouro, grande feito de nosso tempo: retratou, pintou, esculpiu
e narrou feitos da maior pureza e do melhor tempero. Alguma
coisa do muito de mistério e de maravilha que Deus
permitiu e deixou a cargo desse povinho sabido de Várzea
e dos Montes Claros. Luiz é um exagero ! Em tudo isso,
a nós outros só nos resta dizer amém
e aplaudir. E pedir as graças divinas para conservar
o Luiz, o doutor Luiz. Principalmente para escrever outros
livros... ser o que é e fazer o que faz.
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