Juca
de Melo
Invocação
O
ser se afoga no silêncio. Agora
a
vida mais se afasta e embestada
vem
a noite, a triste, a desolada
treva
já vinda, mas ainda fora...
O
por que desse ocaso imperfeito,
o
escuro na alma e o desengano,
não
sei: inda ouço o som de um piano
travando
o coração dentro do peito...
A
dor é surda:é carência triste
perfume
incompreendido, quase rosa
de
invocação, amor em rebeldia...
Mas
a aurora voltando, se ainda existe,
regresse
a flor vermelha, a esplendorosa
que
no sumo da noite acorda o dia...
Soneto
Branco
Volto
a colher-te, lua fecundada
caída
entre as flores do jardim.
Já
não posso voltar. E tu, menina,
perguntas
que será, será de mim...
Foi
na verde manhã, cinzentas tardes
que
contigo ouvi a voz do sino
misturada
a cantigas de menino
no
bosque que escondia a solidão...
Lua
inconstante, noiva angustiada
entre
alvuras de cantos e promessas
quanto
não sabes, procurei-te, amada
para
juntos seguirmos o caminho
onde
o inquieto aroma da campina
canta
e geme de amor em nosso ninho!...
1
Virtual
Silêncio
Façam
silêncio nesta sala morta
mas
deixem entrar a voz do seu perfume,
a
estrela sangrando, e esse lume
do
bêbado luar que bate à porta...
Deixem
entrar no sonho a madrugada
que
fosforescente vem da lua.
E
lá fora que fique a voz da rua,
tudo
que é, na terra castigada...
Esqueçam
aqui dentro meu cansaço,
a
procura incessante e sem motivo
do
amor que, contrastado, deu-me
vida;
deixem
que eu sinta o alento desse abraço
e
um ponto azul, no impulso obsessivo
de
chegar à montanha oferecida...
2
A
rosa
Deponho
no teu colo uma rosa
e
espero que não fique abandonada
porque
é frágil, de vida suspirosa
a
vida que colheu na madrugada...
Ponho
em teu corpo a rosa que floriu
na
ardência tua, musical, fremente;
rosa
pura que pode de repente
acabar-se
no mundo em que se abriu
para
o amor, para o sonho, para tudo
que
me falta, no tempo debruçado...
Eis!
É rosa de ausência e de saudade
sobre
teu seio, junto do teclado,
esperando
de um mundo escuro e mudo
a
música que a salve da orfandade...
3
Do
eterno
Volta
a bramir o eterno. Este momento
de
puro amor, intenso e inconsolado,
está
em corpo já desacordado
e
vai subindo à luz, levado ao vento...
Flores
violetas olham o céu cansado
e
a face de crianças ao relento;
Porque
o espírito verga, sofro e tento
trazer
meu sonho para o descampado...
Um
súbito tremor o corpo invade
quando
o viver esquece a realidade
e
a essência, que é tudo, quase morre...
O
amor quero colher enquanto chama
a
impossível luz que o agora escorre
na
eternidade, terra de quem ama!
4
Em
despedida
Em
despedida dou-te o azul intenso
e
a esperança do verde nas ramadas.
É
teu o branco em nuvens derramadas
porque
és sacral e pura como incenso...
Em
despedida deixarei meu sonho
que
se perdeu no tempo, e nada mais...
Da
realidade pulsam os sinais
do
amor que quis viver em mundo estranho...
É
teu o azul. O verde. É teu o branco.
Mas
de ninguém o sonho que morreu!
A
mim restou o gesto amigo e franco
de
dizer este adeus, serenamente,
sem
mágoa, por saber-me o sempre teu
verde
esperança, azul em tua mente!
Teus
olhos
Vou
escrever um poema
de
esperança inspirado
no verde dos teus olhos.
Já
não comovem as paisagens
cegas
de tinta e sangue,
nem
descreverei o sacrifício da inocência
coirmã
da dor!
Vou
pintar em outras telas,
azuis,
brancas
e
amarelas.
E
fazer um poema de esperança
Inspirado,
e
com cuidado
plagiado
dos
teus olhos...
Canto
A
lua me espera
boiando
no rio...
Da
margem distante
aceito
a saudade
adeus
dos casebres
no
lenço de areia.
Carrego
o conflito
o
eterno e o finito
do
homem no mundo!
Tempo
É
fácil sentir o efêmero
quando
os músculos desabam.
Pensamento
se debruça
colhe
inefável madrugada
tonta
de esperança!
Pulmões
abertos como velas,
somos
o lírio espontâneo
espuma
alvoroçada
de
claridade florada!
Coração
feito ternura
rola
pelos caminhos,
primeira
rosa encontrada
tem
o perfume da carne.
O
tempo chega ferindo
e
compõe o perfil novo
dissolvido
no crepúsculo.
Andamos
e esquecemos!
Acalanto
A
noite acorda pássaros de bronze
e
convites diluídos na quietude!
Crescem
árvores desejos
e
devo permanecer
criança
para o reino
santo
reino da esperança!
Os
sonhos junto do berço
tudo
que cresce ante os olhos
ruir-se-á,
como abrolhos,
quando
os pássaros descerem
numa
só nesga de noite.
Mulheres
virão em pranto
e
multidões se escorrendo
se
derretendo nos montes
a
Mãe da Lua morrendo
e
as águas se retirando...
Deixem
que durma a criança.
Mas
fiquem as sentinelas
a
ver os anjos que venham...
Na
porta, uma vela acesa
seja
o sangue do cordeiro!
Apocalipse
Toque
de trombeta
chamará
bichos e homens.
Alguém
dirá, fazendo peta:
-
é o batalhão que passa...
Clamor
universal
acordará
os túmulos.
Dirá:
- um comício sem sal -
e
pensará no povo
de
novo!
Intensa
luz de aurora
cegará
o abismo.
Dirá,
talvez com cinismo:
-
vejam que incêndio!
E
chamará os bombeiros...
Porém
as crianças saltarão do berço
de
armas na mão,
e
de espanto.
Chamarei
os filhos
e
os justos
para
a luz do encontro,
e
de branco, brancos todos,
ouviremos
tudo
como
possuídos:
porque
os pensamentos serão claros
terríveis
irremissíveis
para
todos os homens!
Do
amor sublime
O
amor só carne não importa agora:
amo
como se fosse em despedida
a
derradeira e quase impressentida
vez
do sentimento. Pois nesta hora
zelo
sem coração se descolora
por
faltar-lhe, na busca prometida,
a
essência vital, desvanecida,
que
não voltou ao útero da aurora...
O
amor sublime, que procuro, queima.
Arde
dentro do peito e vai doendo
se
vêm com a noite o frio e as estrelas!
Não
só desejo. O sentir é que ama
qual
rosas que, mal nascem, vão morrendo
e
só a poesia pode revivê-las...