Maria
da Conceição Oliveira
(Frô)
Dueto
amoroso
Êxtase de beijos,
feito caniço, existo
pra ganhar carinho do vento.
Teu
sopro varre meus pêlos,
sou lânguidas folhas eriçadas.
Construímos geometria sem
retas,
pra mãos em conchas
descobrirem os caminhos da pele.
Nossa
orquestra afina ritmos
no pulsar de cada músculo.
Meu corpo tronco balança,
tranço minhas pernas,
meus braços tensos saltam
em tua nuca, danço, faço
música.
Em
dueto virtuoso
viro lacuna de mim,
repleta de tua melodia.
Tento não sucumbir
quando tocas meu corpo- platéia.
Vergo
às notas da paixão:
sou frágil corda sinuosa
ao compasso do tempo.
Bambu nascido pra compor
canção amorosa,
em parceria com o vento.
Mar
vermelho
Abro a minha bolsa,
procuro uma fivela,
prendo os cabelos emaranhados,
o vento fustiga os rostos,
gela os ossos
e o mar vermelho dos seus olhos
transborda.
A noite é clara como nunca
foi,
iluminada pelas velas da ilha.
Quinhentos anos de genocídio
se condensam
sobre mim.
Do mangue se erguem velhos edifícios
tortos,
uma vitória régia
brota salgada
lágrima escorre pela calçada.
Minhas mãos, minha pele,
meu desejo amam,
tocam seu corpo em dança
sinuosa, insinuante
brincadeira.
Velhos rocks me transportam, estátua
de cera
pela adolescência,
atravesso seus olhos, visto sua
pele,
envolvo seu corpo esquálido
e sofrido.
Meu amor louva-o três vezes.
Amo cinco mil vezes,
sem gozo, sem regozijo, sem luxúria.
Amo a lamúria acumulada dos
teus dias.
Noites claras como nunca, inusitada
condição:
através de seus olhos resta
o meu amor úmido,
inédito, transparente, único.
Arrumo a bolsa, junto o batom, seu
olhar e minha identidade.
Ah! daí (...)
ir pra onde?
Amor
aos pedaços
Amo
um cavalheiro de muitos amores,
sou apenas mais um entre seus desejos.
Talvez por isso eu seja só
fragmentos:
partes de seres repartidos em mim.
Meu amor guarda tanta intensidade,
que seria maldade ignorá-lo
assim.
Entretanto, ele nega e me despreza,
e o ciúme chega e me cega,
às vezes sinto até
pena de mim.
Corroída pela dor que me
maltrata,
deixo que a fúria me tome.
Clamo seu nome, lanço injúrias,
grito impropérios, desejo
a morte.
Mas as coisas do amor são
brumas
envolvidas em mistérios.
Eu continuo levando meu amor a sério,
chego a amar seus demais amores.
Meu amor é tão imenso,
que até cabe uma loucura
dessas:
amar fragmentada de amor
os fragmentos que o fragmentam de
mim.
Obituário
A
morte se deu por causas múltiplas:
a troca de um olhar atravessado
os telefonemas escassos
e a discrepância do tempo
de amar.
O cortejo saiu à tarde,
discreto, pela marginal.
Ao chegarmos na
tumba-rodoviária
teu corpo partiu fúnebre,
carregando a mala
com passagem de ida no bolso.
Sozinha rezei tua morte:
com a terra assoreada do rio
cobri teu cheiro, teu toque
e o gosto da tua boca.
O caminho foi longo
do estacionamento
até em casa.
Agora é tempo
de vazar as lágrimas
e guardar o coração
em luto.
Sentença:
culpada!
Chegou
de mansinho,
fazendo carinho.
Me fez princesa, musa,
senhora dos seus domínios.
Me fez confidências,
pediu clemência,
falou demências
me relatou muitas mazelas.
Eu, tal como donzela
me enchi de apego,
fui perdendo o medo e o pouco
sossego do coração
agoniado.
E quando me vi, dei por mim
Já estava cativa, perdida,
maldita
Enredada, prisioneira dessa armadilha.
O caçador era poeta, não!
era um cão!
Socorro! Ladrão de mim, fui
roubada!
Por que diabos não ouvi minha
avó, pergunto...
Por que não pedi guarda,
proteção?
ou pus no seguro e fiz caução?
Azar do meu coração,
foi vítima acidental
de reincidente amor vagabundo!