Vinicius
de Moraes
Ânsia
NA
TREVA que se fez em torno de mim
Eu via a carne.
Eu senti a carne que me afogava
o peito
E me trazia à boca o beijo maldito
Eu
gritei.
De horror eu gritei que a perdição
me possuía a alma
E ninguém me atendeu.
Eu me debati em ânsias impuras
A treva ficou rubra em torno a mim
E eu caí!
As
horas longas passaram.
O pavor da noite me possuiu.
No vazio interior ouvi gritos lúgubres
Mas a boca beijada não respondeu
aos gritos.
Tudo
quedou na prostração.
O
movimento da treva cessou ante mim.
A
carne fugiu
Desapareceu devagar, sombria, indistinta
Mas na boca ficou o beijo morto.
A
carne desapareceu na treva
E eu senti que desaparecia na dor
Que eu tinha a dor em mim como tivera
a carne
Na violência da posse.
Olhos
que olharam a carne
Por que chorais?
Chorais talvez a carne que foi
Ou chorais a carne que jamais voltará?
Lábios que beijaram a carne
Por que tremeis?
Não vos bastou o afago de outros
lábios
Tremeis pelo prazer que eles trouxeram
Ou tremeis no balbucio da oração?
Carne que possuiu a carne
Onde o frio?
Lá fora a noite é quente e o vento
é tépido
Gritam luxúria nesse vento
Onde o frio?
Pela
noite quente eu caminhei ...
Caminhei sem rumo, para o ruído
longínquo
Que eu ouvia, do mar.
Caminhei talvez para a carne
Que vira fugir de mim.
No
desespero das árvores paradas busquei
consolação
E no silêncio das folhas que caíam
senti o ódio
Nos ruídos do mar ouvi o grito de
revolta
E de pivor fugi.
Nada
mais existe para mim
Só talvez tu, Senhor.
Mas eu sinto em mim o aniquilamento...
Dá-me
apenas a aurora, Senhor
Já que eu não poderei jamais ver
a luz do dia.