Nasceu
em Montes Claros(MG), em 26 de abril de 1922. Diplomado
em Medicina pela Faculdade de Medicina de Belo Horizonte
em 1946 com especialização em Cardiologia. Reitor da Fundação
Norte Mineira de Ensino Superior. Secretário de Estado da
Saúde de Minas Gerais. Membro da Academia Municipalista
de Minas Gerais, da Academia Mineira de Letras e ex-presidente
da Academia Montesclarense de Letras. Diversos livros publicados
"GROTÃÒ, TAIPOCA, PÁSSARO NA TEMPESTADE, entre muitos
outros.
Noturno
No
teclado negro dos dormentes, a locomotiva executa a sinfonia
monótona do bater de rodas. O farol vai desvirginando caminhos
dentro da noite. Qual enorme lagarta de fogo, avança o trem
rastejando pela sertão, largando, de quando em quando, em
mistura com a fumaça, longos apitos em suspiros de lamento,
acordando moradores das casas plantadas nos ermos.
Cai uma chuva fina e constante que a luz do farol transforma
em confetes de prata enfeitando a noite. Pela janela, meus
olhos cansados vêm as árvores molhadas balançarem, em cumprimento,
à nossa passagem. Respingos de chuva orvalha meu rosto em
agradável carícia. Como é enorme a beleza das coisas simples
! Como é imenso um momento de vida !
Os fios do telégrafo nos seguem. São muitos e paralelos,
faiscantes, graças à luz que nos leva pelo teclado dos trilhos.
O vagão está cheio de gente. Os fios também estão cheios
de notícias. Certamente neste momento dedos experimentados,
indiferentes, manipulam notícias importantes. As notícias
varam a noite, caminham ao nosso
lado, pelos fios frios na chuva que cai Que notícias levam
eles ? Preocupações, tristeza, angústias, morte, alegria
e esperança? Mas os fios não sentem, não sabem o que fazem,
boas e más notícias levam permanente, indiferentemente....
Os passageiros dormem ao som da sinfonia de ninar que as
rodas insistem em tocar no negro teclado dos trilhos. Vejo
a máquina engolindo os trilhos, vejo as horas engolindo
a noite. Quantos problemas levam as cabeças dormindo ? Um
relâmpago risca o céu, as nuvens adquirem forma e grandeza
no palco negro do espetáculo da
noite. Quantas vezes já fiz esta viagem ? Quantas farei
ainda.
A vida é também uma viagem, mas é viagem que só se faz uma
vez. Longe, piscam luzes de uma cidade pequena, cada luz
uma casa, cada casa uma família, cada família uma vida.
Passamos pela cidade. As ruas estão vazias, as portas cerradas
guardam criaturas dormindo. Tudo indica paz. É uma cidade
pequena mas, certamente, neste
momento, existe gente gemendo, gente chorando, sorrindo,
amando, traindo, nascendo e morrendo...
A locomotiva solta um longo suspiro de lástima pela quietude
da cidade. A sinfonia continua, silvam as rodas nas curvas
da estrada, os carros balançam rudemente, o comboio prossegue
dentro da noite. Uma indiferença de cansaço me invade, indiferença
pelo companheiros de viagem, pela magnitude da noite e pelo
ronco surdo da locomotiva.
A sinfonia me envolve cada vez mais, sinto uma serenidade
ma abraçando, uma sensação de paz que alcanço, cerrando
os olhos lentamente e deixando a viagem seguir.
Conversa de Consultório
-
Esta mulher que o senhor está vendo aí, só está viva é por
milagre. Ela vem vivendo na força da teimosia. Tem todo
tipo de padecimento que o senhor desejar. Ela é que nem
um sobejo da morte. A daninha, que carrega a foice, já lambeu
ela de todo jeito, e jogou prá lá. Tamos aqui para o senhor
botar nela uma meia sola. Às zes as
vitaminas podem ter serventia e ela adurar mais uns dias.
- É uma dor caminhadeira, ela dói nas costas, caminha para
o fígado e depois vai encaixar bem em cima do peito esquerdo.
Aí é que a encravada me castiga.
- Olha, doutor, a minha tripa está parada. Largou de trabalhar.
Tou encalhado, um ressecamento mais impossível, meu estrume,
quando vem, é que nem bustica de cabrito, ou de mocó. Uma
bolotinhas duras e pretas. Merdinhas de nada. O senhor nem
pode dar nada por ela. É trem sem valia. Nem sei onde está
indo o que ando engolindo. Tô vendo a hora que a minha pança
vai estourar.