Não
creio que o Automóvel Clube tenha tido em toda sua história
uma noite como a do lançamento do livro Emboscada dos Bugres.
E difícil, pelo menos, na ótica do modesto escriba. Sei
que ali já foi palco de eventos históricos. Isto é uma verdade
imutável, contudo, o de ontem, à noite, suplantou aos demais,
quando foi lançado para o Brasil a obra maior de Milene
Coutinho Maurício. Emboscada dos Bugres - Tiburtina e a
Revolução de 1930, que lhe valeu um precioso passaporte
para a História do Brasil.
Não
estou, porém, aqui, rendendo minhas palavras, para comentar
o valioso trabalho de Milene Coutinho Maurício. Sua obra
não pode, em hipótese alguma, sob pena de erro, ser comentada
ao sabor do vento, da brisa passageira. Seria até veleidade
de minha parte, tentar um ligeiro comentário. Não faria
isso. Nutro um profundo respeito pela autora e sua obra.
Foi um trabalho de amor, de dedicação e de seriedade. 0
comentário será feito em tempo de brisa, de tranqüilidade,
de paz.
Não
estou aqui procurando falar sobre a noite de ontem, porque
tenha eu ouvido um monumental discurso do meu quase conterrâneo,
Padre Murta. Quanta cultura numa só pessoa! Deus ao criá-lo
foi muito injusto. Deveria dividi-la, para que outros desprovidos
tenham a felicidade de obter o gozo da cultura. Não porque
tenha ouvido o Dr. João Valle Maurício, no seu encantamento
de voz, um dos maiores oradores da história de Montes Claros,
fazer gemer corações em pranto de imensas saudades. Dr.
Maurício tem o dom de tocar no fundo do coração. Não por
ter ouvido o velho e querido, amigo João Leopoldo França,
neto de d. Tiburtina, na sua encantadora voz, trazer aos
presentes o poema de autoria de Dr. João Alves à sua querida
esposa, a saudosa Dona Tiburtina.
A
noite de ontem foi para Nina Alves, d. Nina, filha do dr.
João Alves e Dona Tiburtina, e mãe de João Leopoldo França.
Minhas palavras aqui são para ela. Sentei-me à sua frente.
Vi o seu semblante. Nunca em toda minha existência e andanças
por este Brasil, vi um rosto de saudades, como o de ontem
de d. Nina.
D.
Nina foi, por excelência, a própria saudade. Foi, no entanto,
de uma fortaleza a toda prova. Não demonstrava exteriormente
o que vinha do infinito do seu coração. Eu choraria. Quando
dr. Maurício falou, senti que o pranto desabrocharia às
suas primeiras palavras. Ele revolve a gente em paragens
que desapareceram nas brumas do passado. Eu sou honesto.
As suas palavras me fizeram tocar em plagas distantes, guardadas
a sete chaves, no fundo de meu coração. Meu semblante mudou.
Parecia até que ele falava só para mim, porque tudo que
ele dizia tocava-me, porque falava em coisas que se foram.
E eu que vivi o tempo, não pude ficar como a pedra.
D.
Nina, no entanto, pareceu-me impassível. Achei até que ela
não chorou, nem mesmo fez descer sequer uma lágrima, porque
simplesmente tivera vergonha de chorar em meio a tanta gente.
D.Nina, por que não choraste? Eu te viria assim e até te
acompanharia. Não, não, só eu, não. Todo mundo presente:
João Leopoldo, Milene, a estrela maior do evento, a própria
constelação, o padre Murta, o Wanderlino Arruda. Todo mundo
presente choraria. As lágrimas relevam no homem a presença
de Deus. Deus estaria conosco. E quem sabe, Nina, e isso
tenho plena convicção, que até Deus, ali presente conosco,
choraria, cairia em prantos, como um menino ao ver perdido
o seu brinquedo de estimação, nas tortuosas águas de um
grande rio.
D.
Nina, no entanto, não chorou. Deixou que o pranto despontasse,
quando, só estivesse em quarto escuro, sozinha - ela, Natércio,
Gera, Dr. João Alves, Dona Tiburtina. Aí, as lágrimas desceriam
sem dor, regadas apenas de saudades dos tempos de alegria,
de prazer, de emoção, ali onde outrora fora sua residência,
que mais tarde seria o Instituto Norte Mineiro de Educação,
e hoje o Automóvel Clube.
Como
poderia d. Nina não sentir ali nas palavras do orador da
emoção - Dr. Maurício, seu primo, as saudades da infância,
passada ali onde outrora fora sua morada primeira, saudades
da adolescência na Praça Dr. João Alves, aquela idade de
menina-moça, saudades dos tempos que ali passara ao lado
do seu falecido esposo, o nosso querido amigo Natércio!
.
Que
belas evocações não terá tido d. Nina ao volver em sua morada
presente, ali na avenida Francisco Sá! Que pensamentos de
saudades, de prazer, de felicidades, mesmo no amargor de
haver perdido Natércio, e Gêra, não teve d. Nina. Se Natércio
e Gêra foram para além do infinito, muito além do arco-íris,
é porque Deus sentia necessidade de suas presenças lá no
Alto.
Assim,
mesmo envolto em lágrimas, é bom voltar um pouco ao passado,
àqueles momentos vividos, porque quem fez tudo isso foi
Deus. E se foi Deus que fez o pranto, a dor, foi ele que
fez o riso. 0 riso é o passado. E feliz não só por três,
mas quatro mil vezes aquele que teve a fortuna de um dia
haver sorrido.
E
d. Nina sempre foi sorridente. Ela foi uma mulher feliz.
Deus foi muito bom para ela. E que continue assim
e aos seus descendentes.