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Ângelo Soares Neto 

Natural de Taiobeiras, onde nasceu em 19-2-36. Em 1944 passou a residir em Montes Claros, com os pais, onde se formou em Contabilidade. Residiu em Salvador, tendo-se formado em Direito. É poeta, cronista e romancista, tendo publicado, em 1980, o livro Hotel Cachoeira de São Félix; em 1984, A Magia de um Corpo Cristalino; em 1885, Coletânea; e em 1985, Meio Grão de Doçura e Pânico. Passando a residir, novamente, em Montes Claros, exerce a profissão de advogado e colabora nos jornais locais: Jornal de Noticias e Jornal do Norte.


UMA NOITE PARA NINA

Não creio que o Automóvel Clube tenha tido em toda sua história uma noite como a do lançamento do livro Emboscada dos Bugres. E difícil, pelo menos, na ótica do modesto escriba. Sei que ali já foi palco de eventos históricos. Isto é uma verdade imutável, contudo, o de ontem, à noite, suplantou aos demais, quando foi lançado para o Brasil a obra maior de Milene Coutinho Maurício. Emboscada dos Bugres - Tiburtina e a Revolução de 1930, que lhe valeu um precioso passaporte para a História do Brasil.

Não estou, porém, aqui, rendendo minhas palavras, para comentar o valioso trabalho de Milene Coutinho Maurício. Sua obra não pode, em hipótese alguma, sob pena de erro, ser comentada ao sabor do vento, da brisa passageira. Seria até veleidade de minha parte, tentar um ligeiro comentário. Não faria isso. Nutro um profundo respeito pela autora e sua obra. Foi um trabalho de amor, de dedicação e de seriedade. 0 comentário será feito em tempo de brisa, de tranqüilidade, de paz.

Não estou aqui procurando falar sobre a noite de ontem, porque tenha eu ouvido um monumental discurso do meu quase conterrâneo, Padre Murta. Quanta cultura numa só pessoa! Deus ao criá-lo foi muito injusto. Deveria dividi-la, para que outros desprovidos tenham a felicidade de obter o gozo da cultura. Não porque tenha ouvido o Dr. João Valle Maurício, no seu encantamento de voz, um dos maiores oradores da história de Montes Claros, fazer gemer corações em pranto de imensas saudades. Dr. Maurício tem o dom de tocar no fundo do coração. Não por ter ouvido o velho e querido, amigo João Leopoldo França, neto de d. Tiburtina, na sua encantadora voz, trazer aos presentes o poema de autoria de Dr. João Alves à sua querida esposa, a saudosa Dona Tiburtina.

A noite de ontem foi para Nina Alves, d. Nina, filha do dr. João Alves e Dona Tiburtina, e mãe de João Leopoldo França. Minhas palavras aqui são para ela. Sentei-me à sua frente. Vi o seu semblante. Nunca em toda minha existência e andanças por este Brasil, vi um rosto de saudades, como o de ontem de d. Nina.

D. Nina foi, por excelência, a própria saudade. Foi, no entanto, de uma fortaleza a toda prova. Não demonstrava exteriormente o que vinha do infinito do seu coração. Eu choraria. Quando dr. Maurício falou, senti que o pranto desabrocharia às suas primeiras palavras. Ele revolve a gente em paragens que desapareceram nas brumas do passado. Eu sou honesto. As suas palavras me fizeram tocar em plagas distantes, guardadas a sete chaves, no fundo de meu coração. Meu semblante mudou. Parecia até que ele falava só para mim, porque tudo que ele dizia tocava-me, porque falava em coisas que se foram. E eu que vivi o tempo, não pude ficar como a pedra.

D. Nina, no entanto, pareceu-me impassível. Achei até que ela não chorou, nem mesmo fez descer sequer uma lágrima, porque simplesmente tivera vergonha de chorar em meio a tanta gente. D.Nina, por que não choraste? Eu te viria assim e até te acompanharia. Não, não, só eu, não. Todo mundo presente: João Leopoldo, Milene, a estrela maior do evento, a própria constelação, o padre Murta, o Wanderlino Arruda. Todo mundo presente choraria. As lágrimas relevam no homem a presença de Deus. Deus estaria conosco. E quem sabe, Nina, e isso tenho plena convicção, que até Deus, ali presente conosco, choraria, cairia em prantos, como um menino ao ver perdido o seu brinquedo de estimação, nas tortuosas águas de um grande rio.

D. Nina, no entanto, não chorou. Deixou que o pranto despontasse, quando, só estivesse em quarto escuro, sozinha - ela, Natércio, Gera, Dr. João Alves, Dona Tiburtina. Aí, as lágrimas desceriam sem dor, regadas apenas de saudades dos tempos de alegria, de prazer, de emoção, ali onde outrora fora sua residência, que mais tarde seria o Instituto Norte Mineiro de Educação, e hoje o Automóvel Clube.

Como poderia d. Nina não sentir ali nas palavras do orador da emoção - Dr. Maurício, seu primo, as saudades da infância, passada ali onde outrora fora sua morada primeira, saudades da adolescência na Praça Dr. João Alves, aquela idade de menina-moça, saudades dos tempos que ali passara ao lado do seu falecido esposo, o nosso querido amigo Natércio! .

Que belas evocações não terá tido d. Nina ao volver em sua morada presente, ali na avenida Francisco Sá! Que pensamentos de saudades, de prazer, de felicidades, mesmo no amargor de haver perdido Natércio, e Gêra, não teve d. Nina. Se Natércio e Gêra foram para além do infinito, muito além do arco-íris, é porque Deus sentia necessidade de suas presenças lá no Alto.

Assim, mesmo envolto em lágrimas, é bom voltar um pouco ao passado, àqueles momentos vividos, porque quem fez tudo isso foi Deus. E se foi Deus que fez o pranto, a dor, foi ele que fez o riso. 0 riso é o passado. E feliz não só por três, mas quatro mil vezes aquele que teve a fortuna de um dia haver sorrido.

E d. Nina sempre foi sorridente. Ela foi uma mulher feliz. Deus foi muito bom para  ela. E que continue assim e aos seus descendentes.