Wanderlino
Arruda
Dentro
do possível, tenho procurado
escrever sobre pessoas e fatos ligados
à recente história de
Montes Claros, com os acontecimentos
e os lugares de alguma forma jungidos
à minha própria experiência.
Isso, nos últimos quase cinqüenta
e nove anos, desde a noite em que
cheguei de Taiobeiras numa carroceria
do caminhão de Dudu Cunha e
fiquei hospedado na Pensão
de Dona Ismênia, ali pertinho
de onde ficava o posto de Antônio
Barreto, na Praça de Esportes.
A primeira aventura foi exatamente
no dia da chegada, quando, para marcar
o terreno, percorri cautelosamente
alguns pedaços de ruas, indo
e voltando atrás para não
correr o perigo de me perder e ficar,
depois, envergonhado. Nesse vai-e-vem,
o mais longe que fui foi até
o Restaurante Valério, na Simeão
Ribeiro, quase Praça da Matriz,
onde paguei vinte e cinco cruzeiros
por um jantar, um preço tão
caro para mim naquela época,
que me expulsou por muito tempo de
qualquer cada de pasto mais grã
fina.
À
Rua Quinze não consegui chegar,
naturalmente intimidado pela clareza
das luzes, pelo pessoal desinibido,
bem vestido, muito à vontade,
demasiadamente alegre, com risos e
sorrisos, pelo que eu podia reparar
de longe. Passear por lá, no
primeiro dia de Montes Claros, seria
uma façanha fora de pretensão
para quem chegava com roupas feitas
por alfaiate de província pobre
e sapatos com excesso de meias-solas.
Não dava, não dava mesmo!
Por isso, deixei para o dia seguinte,
no horário de trabalho, que
aí a cidade é de todo
mundo e a beleza das pessoas causa
menos impacto, sem os perfumes, sem
a performance dos momentos de ócio,
sem o burburinho das horas de passeio
de luxo. A Rua Quinze que eu vi, na
manhã seguinte, era uma rua
bem diferente, bem mais vazia, embora
já tivesse muita gente despreocupada
a discutir política e futebol,
a seguir, com olhos cobiçosos,
uniformizadas donzelas de longas saias
azuis e cabelos de tranças,
que iam ou vinha do Colégio.
Foi depois de contar estórias
da vida na Rua Quinze, que tive a
grata alegria de receber uma carta
do meu colega e amigo Nicomedes Almeida
Teixeira, ministro-chefe da Secretaria
da Fadec, companheiro de muitas lutas
na Fafil, em quatro longos anos do
Curso de Letras, quando freqüentou
minhas aulas de português e
de lingüística. Se a lembrança
dos meus dias de Rua Quinze era um
gostoso desfiar de saudades, a carta
do Nicó me veio trazer uma
suave afirmação de compromisso
com o passado, uma certeza de que
nenhum ato de nossa vida, simples
ou sem importância, passa esquecido
ou desfigurado de valor, sem o mérito
do ter acontecido. Afinal, cada pessoa
tem a sua história. Não
vou interpretar a correspondência
do meu intérprete. Passo-a
ao leitor assim como chegou às
minhas mãos. Tem o gosto de
um grande amor a Montes Claros e ao
tempo de nossa mocidade.
“Amigo Wanderlino, ao ler o
seu artigo publicado, no domingo último,
intitulado “Rua Quinze”,
não pude deixar de me envolver
em uma onde nostálgica, pois
ali passei boa parte de minha infância.
Em fins de 1951, meu pai comprou,
em sociedade com mais dois irmãos,
o Big-Bar, ponto de encontro obrigatório
para os boêmios da época.
Ali passei momentos marcantes em minha
vida, discutindo futebol, convivendo
com os artistas de rádio trazidos
à cidade pelo Airton Serpa,
vendo os cartazes de cinema colocados
na calçada da loja de “seu”
Ramos. Embora criança, vivia
o movimento noturno da Rua Quinze,
auxiliando meu pai no bar, ou freqüentando
o salão de sinuca do Tio Hélio
(não havia ainda rigor no policiamento
a menores).
Tempo bom que me voltou à memória
graças a você. Você
se lembra do Bolo Esportivo, do Serpa?
Dos bailes de carnaval do “Clube
dos Bancários?” Quando
o footing da Rua Quinze acabou, foi
com se apagassem as luzes de uma parte
da cidade. Os outros footings nunca
foram os mesmos (ou será que
foram as luzes de minha infância
que se apagaram, em parte?). De toda
forma, o seu artigo me fez reviver
esse tempo, tempo bom! Obrigado”.
E você, leitor do meu tempo
ou do tempo do Nicó, está
com saudades também? Pelo menos
para nós, acho que nunca houve
uma fase de vida tão cheia
de encantos!