No dia seguinte
à primeira vez que fui ao Beirute, a maioria dos
colegas da minha sala me cobrava, sem parar, a narrativa
de uma das três versões que criei para contar
a estória de nossa aventura que durou até
o início da madrugada. Até parecia uma notícia
de sucesso, tal era o sofreguidão e o interesse que
eles demonstravam pelos acontecimentos e, principalmente,
pela descrição das personagens, todas, parecem,
tiradas de uma ficção surrealista. é
que o Beirute, à primeira vista, é um lugar
diferente de qualquer outro lugar do mundo, uma espécie
de cenário de filme de Pasolini, tal a diversidade
de tipos físicos e psicológicos, uma fauna
humana de deixar boquiaberto qualquer cristão, mesmo
os menos curiosos.
Cristina havia avisado que eu iria gostar muito, como pintor
ou caçador de coloridos, ou mesmo como pesquisador
de caracteres para futuras composições literárias.
Além disso, por que não estudar a nossa própria
mesa, que também não seria diferente das demais
e talvez até alvo de maiores observações
por parte dos outros? Não é todo dia que estarão,
lado a lado, o Jorge Fensterseifer, o Kalunga, o Lasbek,
o Ludgero, ela, Cristina e eu, individual e conjuntamente
até mesmo estranhos. Jorjão, cento e cinqüenta
quilos, Kakunga e Lugero, barbudos, lasbek nunca teve um
pente na vida... Cristina um metro e oitenta de beleza e
graça, e eu já passando de careca, todos nós
formando um grupo prá lá de gozado. Acho que
é por isso que andavam olhando tanto para nós!
Mas por que o Beirute é um lugar diferente? Pelo
ambiente que poderia ser, pesado não é, pois
as coisas andam até em ordem e um tanto para o familiar,
com as presenças de mães e filhos das mães,
jovens donzelas loiras e vaporosas em flor, intelectuais
de gravata de borboleta e camisa de mangas compridas, senhores
respeitáveis até onde o respeito pode ser
visto ou ouvido de perto. O Beirute, acredito, deve ser
o lugar mais democrático do mundo, um território
livre na 109 Sul, de Brasília, onde cada qual vive
momentos de alegria e descontração, uma ternura
que só um papo amigo pode oferecer. A comida árabe,
os quibes, as lâminas de pão, os patês,
o chope bem geladinho, tudo formando uma atmosfera bem agradável.
Um mundo à parte do resto do mundo!
Já voltei lá várias vezes e nunca perdi
o interesse pelas novidades. Como foi agradável quando
lá estivemos o Nivaldo Voigt, gerente do BB de Manaus,
a Vera, de S. Miguel do Iguaçu, a Ivone, da Freguesia
do Ó, e eu! Como foi bom, quando depois de muita
propaganda, levei lá a Olímpia e a Ana Irlanda
e escolhendo um prato de complicado nome libanês,
recebemos espetinhos de filé bem brasileiro!
Nunca me cansarei de ir ao Beirute, e, se possível,
sempre depois das dez da noite. É depois dessa hora
que a galeria se movimenta e as cabeças ficam mais
soltas. Tudo será novidade!