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Dias de solidão
Wanderlino
Arruda
De
repente, vem a vontade de escrever sobre coisas e
acontecimentos que, distantes no tempo, ou não
dizendo nada pessoalmente que nos toque, não
nos deixam, porém, livres e descomprometidos.
São idéias que permanecem nas fronteiras
do consciente e ficam ali como lixas a polir nossa
vontade, parece, marcando data para a eclosão
natural e definitiva. Muitas personagens vivem e convivem
assim conosco, companheiras do dia e da noite, principalmente
das horas de meditação ou quando, distraídos,
perdemos a medida do real e do pragmático.
São os sonhos, as elaborações
de pensamentos, o preparo para transferir ao papel
da crônica o que passa dentro de nós.
É talvez a forma que temos de compartilhar
com o leitor o que temos em nosso íntimo.
Assim,
nunca me saiu da cabeça a necessidade de escrever
sobre o obstinado Amyr Klink, aquele rapaz paulista
que atravessou sozinho o Atlântico, partindo
do Sul da África e vindo de barco até
a Bahia. Nunca pude esquecer-me dos cento e um dias
de solidão de um homem tão jovem e tão
corajoso, a ponto de realizar uma das mais difíceis
aventuras do nosso século. No fundo, parece
que, nunca tendo sido um solitário, nunca pude
deixar de render minha solidariedade a alguém
capaz de se isolar fisicamente dos seus semelhantes
e ligar-se tão firmemente à natureza
e aos seus perigos por tão longo tempo. Um
grande herói o Amyr Klink, agora autor do livro
"Cem Dias Entre Céu e Mar".
Dizem
que não há tristeza maior do que a da
solidão. Não sei se isso é verdade,
porque um pouco de afastamento às vezes é
até muito importante para todas as pessoas.
Aliás, nada melhor do que um pequeno isolamento
pessoal, quando podemos deixar nosso pensamento vago
e etéreo, pairando sobre o nada, num descanso
sem peias ou amarras do trabalho ou dos compromissos.
Mas a tristeza ou a solidão de Amyr Klink foi
bem diferente. Havia a tristeza do dia, da imensidão
do céu, da claridade dos ventos salpicados
de água marítima, e havia a solidão
das noites, mas com a povoação de estrelas,
o negro da escuridão ou os revérberos
da lua, quando esta lutava de brincadeira com as ondas
do mar. A solidão de Amyr Klink não
foi uma solidão fantasma, pois os radioamadores
de todo o mundo podiam, levar-lhe sempre palavras
de carinho e de coragem, envoltas com o magnetismo
de muitas e diferentes línguas.
Amyr
foi um apaixonado por seu barco "Paraty",
especialmente construído para a viagem, que
seguiu naturalmente os destinos das correntes marítimas
que, passando pelo sul africano, trariam inevitavelmente
o nosso marinheiro até as costas da velha Bahia.
Com ele, trocando sentimentos, também viajaram,
cada qual a seu tempo, golfinhos exibicionistas, gaivotas
curiosas e mágicas baleias fosforescentes,
numa inédita travessia de sete mil quilômetros,
das desertas costas da Namíbia às alegres
praias de Salvador, a terra de todos os santos. Claro,
que, neste caso, a solidão não foi tão
grande, porque, embora golfinhos, gaivotas e baleias
não falem, pelo menos sabem dar um bom sinal
de ida e de acompanhamento. Existiu também
um solitário navio com acenos da tripulação,
o ar preocupado com a aventura, o oferecimento de
ajuda que, de boa vontade, foi dispensada. Ou houve
muitos navios?
Claro
que houve também um bom número de tempestades,
muita água vindo das ruas ,bom número
de relâmpagos, o estrondo dos trovões,
as ventanias, as ondas maiores do que todas as medidas
do barco. Mas nada disso desanimou ou poderia desanimar
o mais solitário dos brasileiros e o mais destemido
de todos os nossos marujos. E a viagem foi tão
boa, tão rica de ensinamentos, tão confortável
para a alma que, ao chegar a poucos metros das terras
brasileiras, Amyr suspendeu o percurso do barco, descansou,
e não teve a menor vontade de descer e andar.
Afinal estava vivendo, no seu mundo, o mundo do céu
e das águas!
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