Rosy Beltrão

Solstício de Verão

Sinto-me assim,
como em dia de colheita.
Livre a voar.
Não preciso de asas , fico só na espreita
Pois meu sonho o faz por mim.
E ele vem bem assim...
Dançar ao redor da fogueira,
Noites de música, cheiro do mar
Perto dali,
Na selva densa, escura e tensa
Na noite, a lua a cintilar
No centro, o fogo a trepidar
Caldeirão de ervas, incensos e chás
Bebidas etílicas, o vinho a derramar
Mulheres vestidas com brilhos
Pele macia, o profundo do olhar
De felina selvagem, de animal no cio,
lábios molhados, decotes ousados
Cobrem-lhes as espáduas
Negros cabelos ondulados
Caminham em seus passos sensuais
Trazendo consigo, a alma dos imortais
Insinuando que suas entranhas são fecundas
Esgueiram-se entre os homens
Em danças provocantes
Mexendo sutilmente os maliciosos quadris
Fazendo-os, de dóceis cordeiros, imbecis
Seguem-nas apenas com a vista,
Nunca as perdem de vista.
Querem agarrá-las com suas mãos grosseiras
Comê-las com os olhos
Aspiração incontrolável de montá-las.
Mostrar-lhes toda a sua capacidade
O poder de sua impetuosidade;
A noite cai reluzente sob o luar do solstício,
Em meio à música e o movimento.
A bebida e a dança,
Elas disseminam seus ares,
Exalando seus cheiros de luxúrias.
Lambuzando-lhes com suas umidades.
Anseiam pela colheita do sémem,
Para no próximo verão desabrochar.
Eles encostam-lhes as mãos,
Agarram-nas com voluptuosidade
E elas em luta, anseiam ser domadas
De querer ser o que se quer ser.
Só animal, só instinto .
Entre brumas e névoas
Em um canto, na relva
Molhada do orvalho
Nuas, em total devassidão,
Entre orgasmos exultantes e
Gritos alucinantes de prazer.
O tempo se escoa
Entre a música, vinho e movimentos
Ora simétricos,
balançando sob o mesmo compasso
Ora cavalgadas selvagens
Montados como perfeitos animais
A brisa chega de mansinho,
A música não tem mais cor
O vinho acabou. Perdeu o sabor.
A fogueira jaz encoberta de cinzas
Gemidos, pequenos sons vindos do espaço
Trepidar de galhos a cair,
Um aqui outro ali.
Leves como a bruma a lhes cobrir
Corpos suados, homens cansados,
Inteiramente esgotados
Mulheres nuas, deitadas na relva
Entre cabelos emaranhados e olhos fechados.
No solstício de verão,
Éramos chamadas de bruxas.
Que encanto, que sortilégio.
Da magia, ouvir novamente
O meu nome a soar.



Lembrando Lobato - Infantil

Era uma vez uma menina...
Não, não era não...
Agora me lembro!
Era uma boneca,
chamava-se Emília.
Terrivelmente sapeca,
inteligente e xereta
adorava fazer careta
e se meter com o Visconde
aquele que era amigo do Marquês
Onde o saci pererê passeava
Lá estava ela... metendo o dedinho
Era a boneca de Narizinho,
prima do Pedrinho
gostavam de comer bolinhos
aqueles de chuva,
que Tia Anastácia
fazia, mesmo que estivesse sol,
Era só ameaçar os pés doerem...
Ah! lá ia ela para cozinha
fazer bolinho de chuva
Só para depois sentar
todo mundo na sala
ao pé da cadeira
aquela de balanço da vovó
a dona Benta...
para ouvir as estórias da Cuca
e do Sapo Cururu.
E assim era a vida no sítio...
Aquele, lembra?
O Sítio do Pica-pau Amarelo.


Mar aberto

Em mar aberto
de águas calmas
ou revoltas,
nado contra e a favor
das marés que a vida traz.
Entre uma onda e outra,
respiro.
Quando o frio
de gélidas águas
me alcançam
me aqueço
no coração do homem que eu amo.
No sol escaldante
me refresco sob o prisma
de meus sonhos
na busca de meus,
mais que reais, ideais.
Assim, ora solitária
ora acompanhada,
navego.
Assim como,
de transparentes e límpidas águas,
tenho tentado fazer
desse imenso e incomensurável mar aberto,
que é a minha vida.



Uma oração para mim

Que eu:
tenha a força de ser eu mesma, sempre...
possa fazer o bem, sem saber o porquê...
nunca pense, que esse alguém irá me retribuir...
possa ver a luz do dia numa montanha cheia de flores...
possa ouvir passarinhos cantando...
possa ver a imensidão azul do céu...
descubra, brincando, o formato das nuvens...
possa valorizar a alma da criança que existe em mim
possa brincar como uma...

Que ao me levantar, enxergue a "Luz" através do sol
Que diga com amor, o bom dia de cada dia
Que a minha presença seja sentida, amiga

Que eu:
fale sempre o que sinto, como o aroma de absinto,que é leve e encantador
Que quando estiver no campo...a luz do luar caia sobre meus cabelos
Que meu pranto só seja de alegria...

Que eu:
sinta o perfume do orvalho sobre a relva das noites frias de inverno
possa me agasalhar no coração do meu amor quando sentir frio,
esteja ao seu lado nos dias alegres de verão.
possa andar na praia e pegar conchinhas.

Que a grandeza do mar seja a energia que recarrega minh´alma
Que a minha existência faça diferença.
Que minhas palavras sejam amáveis e doces e lembrem os brancos cafezais.
Que sejam ouvidas de forma leve, suave, sublime, como anjos cantando.

Que eu:
possa fazer da minha luz o candeeiro de outros.
saiba ser sozinha, mesmo na multidão.
possa andar descalça, de pés no chão.
sinta o calor e frescor da terra molhada com cheiro de chuva.
possa entender o amor dos que não sabem demonstrar o amor que sentem.
saiba ser desapegada do amor dos que não sabem amar.
possa entender que nem todos podem me amar.

Mas que eu ame a todos, sem distinção, com toda a força e luz do amor que
existe em mim.


Ausência

Se tiver de ir... então, vá!
Mas, não se demore,
Porque fico sem ar.
Me faltam as cores, as luzes
e todos os sabores.
Ausentam-se todos os odores.
Somem os meus "calores".
Então, volta logo,
Porque meus sentidos,
Estão todos desvalidos.