Ana Luisa Peluso

 

Compreender

Pensamentos livres;
livros.

 

Em abrigos livres;
estantes.

 

Em tempos presos;
instantes.

 

Do que vejo e não vejo;
ausência.

 

Do cheiro que sinto;
papel.

 

Em lugares proibidos;
prisões.

 

De matéria esfumaçada;
pensamento.

 

De pessoas que tentaram;
poetas.

 

Nos momentos impróprios;
marginais.

 

Com o calor da alma;
imortais.

 

Com as palmas do estatuto;
normais.

 

Na frieza da platéia;
imorais.

 

Aceitar o devoluto;
gaveta.

 


Temores

 

Nada mais temo.
Nem chuva, nem tufão,
nem morte por exposição.

 

Nem porte de general
em extinção.
Nem polícia, nem avião.

 

Não temo mais tremores,
sequer quaisquer abalos
terrenos.
Já não temo
o mais e o menos.

 

Nem a fome, nem o frio.

 

Nem o olhar-enigma
dos seres de má vontade.

 

Já não temo nem a censura,
descompasso da liberdade.

 

Apenas temo...
Ainda que temo!
Pequenas coisas sutis:

 

Que alguém me roube você,
ou,
Que alguém me roube a mim...

 


 

E queria tanto falar...

 

 Queria falar da terra

Do pedaço de chão de gente

Que não tem onde morar

 

Queria falar da guerra

Pelo pedaço de terra

Onde homem vira fera,

Onde terra vira isso,

Lugar de chão

Pra enterrar.

 

Queria falar do lixo

Que vira comida

Em boca de homem bicho

Em línguas com papilas podres

Da anestesia da fome.

 

Queria falar de criança

Que chamamos de esperança

Mas não tencionamos olhar

Para o que vem ocorrendo

E raspamos pra bem longe

Onde de alguma forma,

Elas nunca nos encontrem

Para que não nos estrague o dia

Ao pedir o que comer.

E matamos a esperança de fome.

 

Queria falar de verde,

De alimento, de reforma,

Humana e social

E até agrária

Pois que se aceita fosse,

Nossas esperanças já não

Morreriam em tão larga escala,

Onde o censo registra-lhes

O sumiço,

Na morte pela fome de verde.

De água, de gado leiteiro,

Por intentos neocapitalistas.

De falsos nacionalistas

 

"É gente de alma vendida".

É gente que não se quer bem "".

 

Queria que fosse real

Um velho sonho que acalento


Uma espécie de paz mundial.

 

Pode ser o findar da fome...

Ou livros por baixo de braços,

Que hoje carregam
cacos de vidro,

Arma cortante.

Ou talvez algum respeito

De mim para você.

E de você para mim.

Um silêncio por sobre

A Paulista, ao meio-dia,

Como mãe,

Quando esta certa de que o filho

Está bem.


Despejo

 

Só saio despejada,
ultrajada,
esmagada.
Só saio quando
já não houver
mais jeito
de ficar.

 

Fico por que gosto,
agarro-me aos meus
papéis virtuais,
e minhas canetas
espaciais,
e grito, grito, grito
pelo sofrimento de ir.

 

Mas sou despejada!
Não há como mudar isso.
Mas vou berrando!

 

Vou berrando de saudades...

 


 

Domiciliar

 

Sei que de ti
Nada sai
Sem que antes
Passe por teu crivo
Da exposição da tua alma.

E penso que
A calma absoluta
Em que se guardas,
Nada mais é
Do que luta armada.
Posta em guarda
A espera
Que algo o arrebente
E conheça teu íntimo,
De repente.