Reinilson Câmara

Volta à Pátria

A todos os brasileiros expatriados pelo regime que se implantou em nosso país em 1964.
Olham fotografias,
relembram amigos,
lugares de reuniões, relembram os encontros,
os desencontros,
as paixões juvenis,
as serenatas,
as lutas universitárias,
as greves...
Abraçam-se com uma alegria incontida.
Observam os rostos cansados
marcados por longos anos de batalha
por um ideal político,
social, cultural...
a luta pela sobrevivência.
Não acreditam.
Choram.
Riem.
Falam da vida
de cada um.
Lembram-se de situações,
decepções,
perseguições,
agradecem a Deus
por estarem vivos
e gritam liberdade!... liberdade!...
Retornam as reminiscências.
Lembram-se das prisões,
do A.I.5,
do 477,
do exílio,
da vida na clandestinidade,
do adeus à criatividade,
da arte,
da música,
do cinema,
da pintura...
Têm a pesada sensação
de que tudo foi um sonho,
ou melhor,
um pesadelo.
O grito na garganta,
a revolta por não poder fazer,
por não poder falar,
por não poder voltar,
por não poder mudar.
A certeza do errado,
do crime,
do seqüestro,
do suborno,
da corrupção,
da mentira,
da ilusão.
Abraçam-se comovidamente.
Alguém, entre lágrimas, profere:
viva a vida!...
Retornam as massacrantes recordações
do abuso de quem estava no poder:
golpes,
escândalos,
torturas,
pessoas desaparecidas...
Sentem o quanto foram importantes
aqueles poucos amigos,
os raríssimos gestos de solidariedade,
o contato lacônico e distante
com os familiares.
Foram tantos sofrimentos.
Quantas saudades desse chão...
desse país chamado,
eufemisticamente,
de país em desenvolvimento.
Ah Brasil, meu Brasil,
do samba,
do carnaval,
e do futebol,
quem dançou?
quem vai dançar?
A hora é agora.
Vamos apurar as irregularidades
ou vamos ficar eternamente
pisoteados pelas oligarquias do poder.
Dirigem-se ao primeiro botequim
e como nos bons tempos,
brindam um chope,
dois,
três...
tocam violão,
cantam
"Pra não dizer que não falei das flores",
de Geraldo Vandré.
Alguém folheia as páginas dos jornais
querendo notícias novas,
"quentíssimas".
Lê sobre o fim da ditadura
e grita: é o fim da censura!...
Viva a liberdade de expressão!...
Todos respondem
com um forte viva.
Batem palmas,
cantam a liberdade
em prosa e verso.
Parentes
e amigos chegam.
Se abraçam,
se beijam,
choram...
falam condoídos pela longa ausência,
mas sentem felizes
pelo retorno de quase todos
os brasileiros
a pátria amada.
Falam do Brasil.
Falam da seca que assola o Nordeste,
das enchentes
que tornaram cíclicas e calamitosa,
da agricultura
que está fracassada,
da economia
que está no caos,
da saúde
que há muito tempo
deixou de existir
e da educação
que há muito tempo caducou.
A nação mergulhou
num abismo,
virou país sem presente,
sem futuro.
Uma geração inteira
se perdeu.
É hora de construí-lo, disse outro,
seguido de aplausos e cumprimentos pela fé inabalável,
mesmo sabendo
dos severos obstáculos
que encontrará.
Outro lembra
como será bom
expor suas idéias
livremente,
fazer a sua literatura,
filiar-se ao partido
que melhor se encaixa
as suas convicções, compor a sua música
sem os percalços
da censura.
E cantam a liberdade,
a paz...
Bebem,
falam frases bonitas,
contam histórias alegres,
tristes,
interessantes,
mas que passarão
a ser apenas lembranças
de um longo pesadelo
que durou
vinte e um anos.