Eliana Mora

Uma quase Ode aos meus sentidos

O meu batismo é de água-benta
do meu ventre
os meus afetos de menina movem mundos
sedutores
estacionam na placenta que ficou rasgada aqui
somente à espera de um ato
inconseqüente

Como sair do emaranhado de tecidos
subir em lava
e chamuscar asas sentidos
no mato chucro irrefreável
de um desejo
vestir o manto verdadeiro dos perigos

Olhar o mundo de vaidades
e incertezas
sem ter em os olhos tão fechados umas ilhas
e expurgar certos momentos
que parecem centenários
uns simples falos
meras dúvidas perdidas

Se vou grudar a algo a pele bela
e alva
bendita pele que se dá ao sol com medo
que seja em ti ó deus pirata
bailarino dos amores
do ventre livre da tortura
dos Senhores

Mas se acasale aos trapos vívidos
qual selo
e se embriague em água benta de fascínios
para partir um pouco antes de mudar
o meu destino
que parte minha a divina
florirá


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Desafio aos cientistas de plantão

Uma liga de cimento e cal
poderia estar no lugar de minhas veias
e um líquido explosivo
resistente
complacente e vivo
seria um sangue novo
alternativo

E eu seria uma cobaia de mim mesma
a observar
se aquele círculo de fogo saberia
resistir

Ou encontrar alguma fórmula
ideal
de retirar de mim
aquela velha dor

Sem colorir meu chão de tinta
rubra


Faquir cego

Sozinha
semeando meu jejum
permaneci durante anos
sem reparar
que cada dia
representava um prego a mais

na mesa do faquir


Sem ti

Sou chama
aquela
que não precisou da fricção de dois gravetos
para arder

Inútil pas-de-deux

Olhar na direção
de um outro mundo
engordar com muita reza mais um deus
imundo
pedinte e comilão
temer
e ainda assim enaltecer
um pas-de-deux profundo
com estréia programada
em tua alma
sem modelos e desejos de alforria
espada de profeta
távola concreta
excalibur
mapas
minas e metas a cumprir
cansaço
apenas a pedir um tempo a mais
em meio a tuas faltas

sem sinais


Cegueira

meu corpo
em luz
parece flutuar
como garrafa transparente
em pleno mar
inchada
grávida
de bilhete antigo
para amor
que nem lê mais.


Destino especial

Lanternas invisíveis
prateadas
derramam rastros
pelas frestas
das janelas
o que me leva
sem querer
a imaginar
o que faria
se estivesse
dentro
delas
podia abri-las
e nos rastros pendurar
uma escada
um fio só
de algumas pérolas
e pendurar-me
até o espaço
alcançar
para viver
uma-ventura
em outras
terras