Astas Vonzodas

Cordeiro de mim

Em solidão
soltando minhas feras
de tempos em tempos
para que cavalguem longe,
nas asas do vento

só assim
continuo incólume
cordeiro de mim.


As águas do poema

Poema é riacho que nasce um fio de água.
Vem do veio e corre suave

por entre os seios de um vale.
As vezes, ousado, nasce em montanha escarpada

e desce agressivo em cascatas,
adentra matas.

Poema é o murmúrio do riacho,
que corre límpido regando ravinas.

Poema é um lago,
transparente, convidativo

ou então tenebroso, de turvas águas.

Pode mesmo ser uma poça de água barrenta,
um falso poema.

Meu poema é água.

Provém da chuva incessante dos meus pensamentos.

Às vezes calmas, as águas represam-no em lagos

ou mesmo fá-lo correr no leito do rio.

Meu poema não se fixa em nada,

corre por sobre o leito vazando o rio
ultrapassa as margens, arrebenta açudes

transborda dos lagos, revolve o lôdo das
poças misturando o barro.

Meu poema é água que pinga dos dedos.

Hoje o tempo está frio e há um dilúvio em meu peito.


Protesto?

Tudo passa vira passado.
Passa enchente, passa seca,
a vizinha pula a cerca,
na cabeça do menino,
balas perdidas, ficam,
não passam.

Passa o inverno e o verão
passa o trem na estação,
até a longa noite passa.

Passa campanha e a eleição,
o real era ilusão,
cai a cotação,
o ano letivo, cada vez mais curto
também passa.

Só não passa e não anda,
as filas dos hospitais,
crianças morrendo em ais
de fome e podridão.

Passa a caravana,
ladram os cães meio de banda,
e aumentam, cada vez mais
os caixões.

Mas qualquer hora quebra,

ah! se quebra!

A carroça do poder,
que a mula do povo
carrega.