Cecília Meireles

Palavras

Espada entre flores,
rochedo nas águas,
assim firmes, duras,
entre as coisas fluidas,
fiquem as palavras,
as vossas palavras.

Pois se por acaso
dentro dos sepulcros
acordassem as almas
e em sonhos confusos
suspirassem rumos
de histórias passadas
e houvesse um tulmuto
de ânsias e de lágrimas,

- lembrassem as lágrimas
caídas no mundo
nas noites amargas
cercadas dos muros

das vossas palavras.
Todas as palavras.

Nos espelhos puros
que a memória guarda,
fique o rosto surdo,
a música brava
do humano dicurso.
De qualquer discurso.

Só de morete exata
sonharão os justos,
saudosos de nada,

isentos de tudo,
pascendo auras claras,
livres e absolutos,
nos campos de prata
dos túmulos fundos.

No meio das águas,

das pedras, das nuvens,
verão as palavras:
estrelas de chumbo,
rochedos de chumbo.
A cegueira da alma.
O peso do mundo.

Adeus, velhas falas
e antigos assuntos!