O amor não se basta
Por
mais que o poder e o dinheiro tenham conquistado uma ótima
posição no ranking das virtudes, o amor ainda lidera com
folga. Tudo o que todos querem é amar. Encontrar alguém
que faça bater forte o coração e justifique loucuras.
Que nos faça entrar em transe, cair de quatro, babar
na gravata. Que nos faça revirar os olhos, rir à toa, cantarolar
dentro de um onibus lotado.
Tem algum médico aí? Depois que acaba esta paixão retumbante,
sobra o que? O amor.
Mas
não o amor mistificado, que muitos julgam ter o poder de
fazer levitar. O que sobra é o amor que todos conhecemos:
o sentimento que temos por mãe, pai, irmão, filho. É tudo
o mesmo amor, só que entre amantes existe sexo. Não existem
vários tipos de amor, assim como não existem três tipos
de saudades, quatro de ódio, seis espécies de inveja. O
amor é único, como qualquer sentimento, seja ele destinado
a familiares, ao cônjuge ou a Deus. A diferença é que, como
entre marido e mulher não há laços de sangue, a sedução
tem que ser ininterrupta. Por não haver nenhuma garantia
de durabilidade, qualquer alteração no tom de voz nos fragiliza,
e de cobrança em cobrança acabamos por sepultar uma relação
que poderia ser eterna.
Casaram. Te
amo pra lá, te amo pra cá. Lindo, mas insustentável. O sucesso
de um casamento exige mais do que declarações românticas.
Entre duas pessoas que resolvem dividir o mesmo teto, tem
que haver muito mais do que amor, e às vezes nem necessita
de um amor tão intenso. É preciso que haja, antes de mais
nada, respeito. Agressões zero. Disposição para ouvir argumentos
alheios. Alguma paciência. Amor, só, não basta. Não pode
haver competição. Nem comparações. Tem que ter jogo de cintura
para acatar regras que não foram previamente combinadas.
Tem que haver bom humor para enfrentar imprevistos, acessos
de carência, infantilidades. Tem que saber levar.
Amar, só, é pouco. Tem que haver inteligência. Um cérebro
programado para enfrentar tensões pré-menstruais, rejeições,
demissões inesperadas, contas pra pagar. Tem que ter disciplina
para educar filhos, dar exemplo, não gritar. Tem que ter
um bom psiquiatra.
Não adianta, apenas, amar.
Entre casais que se unem visando
a longevidade do matrimônio
tem que haver um pouco de
silêncio, amigos de infância,
vida própria, um tempo
pra cada um. Tem que haver
confiança. Uma certa camaradagem:
as vezes fingir que
não viu, fazer de conta que
não escutou. É preciso entender
que união não significa, necessáriamente,
fusão. E que amar, "solamente",
não basta. Entre homens e
mulheres que acham que
o amor é só poesia, tem que
haver discernimento, pé no
chão, racionalidade. Tem que
saber que o amor pode ser
bom, pode durar pra sempre,
mas que sozinho não dá conta
do recado. O amor é grande
mas não é dois. É preciso
convocar uma turma de sentimentos
para amparar esse amor que
carrega o ônus da onipotência.
O amor até pode nos bastar,
mas ele próprio não se basta
!
Gustavo
de Oliveira
Diretor de Redação do
DIÁRIO DE CUIABÁ
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