Lembranças
de Nicomedes
Wanderlino
Arruda
Dentro
do possível, tenho procurado
escrever sobre pessoas e fatos
ligados á recente história
de Montes Claros, com os acontecimentos
e os lugares de alguma forma
jungidos à minha própria
experiência. Isto, nos
últimos quase trinta
e dois anos, desde a noite em
que cheguei de Taiobeiras numa
carroceria de caminhão
de Dudu Cunha e fiquei hospedado
na Pensão de Dona Ismênia,
ali pertinho do Posto Antonio
Barreto, na Praça de
Esportes. A primeira aventura
foi exatamente no dia da chegada
quando, para marcar o terreno,
percorri cautelosamente alguns
pedaços de ruas, indo
e voltando atrás, para
não correr o perigo de
perder-me e ficar, depois, envergonhado.
Neste vai-e-vem, o mais longe
que fui foi até o Restaurante
do Valério, onde paguei
vinte e cinco cruzeiros por
um jantar, um preço tão
caro na época que me
assustou por muitos anos de
qualquer mesa mais granfina.
À
Rua Quinze não consegui
chegar, naturalmente intimidado
pela clareza das luzes, pelo
pessoal desinibido, bem vestido,
gesticulante, demasiadamente
alegre, como eu podia ver de
longe. Passear por lá
no primeiro dia de Montes Claros
seria uma façanha fora
de pretensão para quem
chegava com roupas feitas por
alfaiate de província
e sapados com excesso de meias
solas. Não dava, não
dava mesmo, deixei para o dia
seguinte, no horário
de trabalho, que ai a cidade
é de todo mundo e a beleza
das pessoas causa menos impacto,
sem os perfumes, sem a performance
dos momentos de ócio,
sem o burburinho das horas de
passeio. A Rua Quinze que eu
vi, pela manhã, era uma
rua bem diferente, bem mais
vazia, embora ainda tivesse
muita gente despreocupada a
discutir política e futebol,
a seguir com olhos cobiçosos
uniformizadas donzelas de longas
saias azuis e cabelos com tranças.
Foi
depois de contar estórias
de vida na Rua Quinze, há
uns três meses, que a
grata alegria de receber uma
carta do meu colega e amigo:
Nicomedes Almeida Teixeira,
ministro-chefe da Secretaria
da Fadec, companheiro de muitas
lutas na Fafil, em quatro anos
de curso de Letras. Se a lembrança
dos meus dias de Rua Quinze
era um gostoso desfiar de saudades,
a carta do Nicó me veio
trazer uma suave afirmação
de compromisso com o passado,
uma certeza de que nenhum ato
de nossa vida, simples ou sem
importância, passa esquecido
ou desfigurado de valor, sem
o mérito de ter acontecido.
Não vou interpretar a
carta do meu intérprete.
Passo-a ao leitor assim como
chegou às minha mãos.
Tem o gosto de um grande amor
a Montes Claros.
“Amigo
Wanderlino, ao ler o seu artigo
publicado no domingo último,
intitulado “Rua Quinze”,
não pude deixar de me
envolver em uma onda nostálgica,
pois, ali passei boa parte de
minha infância. Em fins
de 1951, meu pai comprou, em
sociedade com mais dois irmãos,
o Big-Bar, ponto de encontro
obrigatório para os boêmios
da época. Ali passei
momentos marcantes em minha
vida, discutindo futebol, convivendo
com os artistas de rádio
trazidos à cidade pelo
Ailton Serpa, vendo os cartazes
de cinema colocados na calçada
da loja de ‘Seu’
Ramos. Embora criança,
vivia o movimento no turno da
Rua Quinze, auxiliando meu pai
no bar, ou freqüentando
o salão de sinuca do
Tio Hélio (não
havia ainda rigor no policiamento
a menores).
Tempo
bom que me voltou à memória
graças a você.
Você lembra do Bolo Esportivo,
do Serpa? Dos bailes de carnaval
do “Clube dos Bancários?”
Quando o “footing”
da Rua Quinze acabou, foi como
se apagassem as luzes de uma
parte da cidade. Os outros “Footing”
nunca foram os mesmos (ou será
que foram as luzes de minha
infância que se apagaram,
em parte?). De toda forma, o
seu artigo me fez reviver este
tempo, tempo bom! Obrigado.
E
você, leitor, está
com saudades também?