Agruras
da classe média
Wanderlino
Arruda
Em
minha crônica de domingo
passado, a personagem saiu vencedora
e tomou conta do tema de começo
ao fim a ponto de a chamada
de capa do JORNAL DE DOMINGO
ter dito que eu contava naquela
edição uma estória
do Adauto Freire. Foi realmente
assim, eu queria falar de classe
média e o Adauto não
me deu folga: faturou tudo no
espaço da página
e durante a semana, pois durante
todo o tempo foi um tal de telefonemas
para mim e para ele, comentários
de leitores na rua, uma curiosidade
grande se realmente nós
devíamos daquele tanto
a ponto de dar preferência
só a todos os gerentes
da velha guarda. O Adauto um
vivedor, achou bom e ótimo
estar na berlinda mais do que
sempre esteve.
Vamos
agora, a classe média,
está sofrida parte do
hoje povo em geral, parcela
enorme de sofredores sem esperança,
sem padrinhos praticamente sem
um barranco onde segurar em
pleno naufrágio. Até
a crônica, humorística
de Fernando Veríssimo
na VEJA desta semana, foi sobre
a extinção desta
espécie de gente, quase
totalidade resvalada para a
pobreza, indigente povão
de um mundão sem porteiras,
principalmente o continente
brasileiro de cento e trinta
milhões de bocas. Tem
sido esta uma grande preocupação
de quem fala ou escreve, à
busca de uma verdade lógica
para um fenômeno que todo
mundo sente, mas nem os sociólogos
compreendem ou explicam.
Querem
alguns que uma família
para ser de classe média
tem de estar amarrada dentro
de uma faixa de renda que vai
de seis a trinta e três
salários mínimos,
isto é, de cerca de dois
a onze milhões de cruzeiros.
Assim, quem ganhe de dois a
cinco milhões, classe
média baixa, de cinco
a oito milhões, classe
média-média, de
oito a doze, classe média
alta, podendo haver ajeito de
números para cada um
se situar melhor, atendendo
às necessidades estatísticas
do EGO. Veja, minha senhora,
que situação dramática
para muitas madames que andam
por aí em desfile de
panos e de jóias pelos
salões do destaque social.
Como explicar as incursões
ao uísque importado ou
mesmo ao nacional bom que a
moçada não pode
ficar sem! Como justificar mesmo
nem tão nobre prazer
brasileiro de uma cervejinha
bem gelada! O que dizer dos
que queimam combustível
em alegres aceleradas, dos que
voam de motocas, dos que gostam
do litoral?
Claro
minha senhora, que brasileiro
nenhum é bobo, cada um
temo o seu jeitinho de superar
os problemas, vencer as dificuldades
por maiores que elas sejam.
A senhora por acaso, tem lembrança
de algum tempo em que ninguém
queixou da sorte? Tempo ruim
sempre houve, nunca as coisas
andaram fáceis. Hoje,
apenas ficou pior, muito pior!
Veja o que está acontecendo
com o telefone, o impulso a
não-sei-quanto, meninos
e empregas proibidos de fazer
chamadas, cadeados permanentes
para afugentar os vizinhos,
interurbanos só em casos
extremos! Trocar de carro todo
ano? Nem pensar. Encher o tanque
de combustível? Nunca.
Apenas o necessário para
a semana, e olhe lá!
Filhos em escola particular,
Médico da família?
Restaurante todo dia? Salão
de beleza toda hora? Nem sempre.
É bom pensar primeiro...
O
telefone já não
é válvula de escape
para a solidão. A escola
pública já não
é possibilidade remota,
é imediata. Ida aos clubes,
só para os muito corajosos
ou privilegiados. Em lugar de
butique, a roupa fica mais em
conta na costureira. A consulta
médica muda para o INPS
ou para o convênio. O
sapato de couro só para
festas e, no dia-a-dia, só
o melissa de plástico,
bonitinho e prático.
As andanças nas ruas,
em passeio ou para compras,
não mais de carro: de
ônibus ou a pé.
Charutos, cigarros, carros?
Nada disso. Vamo-nos adaptando
a novos hábitos, mudando
valores, enfrentando a crise.
O poder aquisitivo diminuído
tem que ser vencido a duras
penas. Trabalhar mais nem sempre
é possível. Então,
a saída é gastar
menos.
O
ser humano sempre encontra uma
forma de defesa, um meio de
sobrevivência. Não
se pode comprar roupas de boa
apresentação?
Tente um uniforme de trabalho,
roupas que combinem entre si,
separadamente, cores neutras
que não criam problemas.
Diversões? As mínimas,
o bate-papo com amigos, ouvir
um som, curtir a natureza. Carne
de primeira não sendo
possível, que venha carne
de segunda, miúdos, fígado,
costelas, ou nada. Não
havendo recursos para pagar
uma empregada, empregue-se uma
faxineira por semana ou por
quinzena. Faça artesanato,
bijuterias, brinquedos, invente
coisas e venda. Sobrando um
pouquinho de dinheiro, o que
é difícil, deposite-o
na poupança. Espera dias
mais difíceis, que eles
chegarão.
Assim,
minha senhora, é dura
a vida de quem ainda pode ficar
na classe média.