Português
Brasileiro
Wanderlino
Arruda
-
Quem és?
- Chamo-me Peri, respondeu o
índio, em português.
Sou goitacá, filho de
Ararê e chefe da minha
tribo;
Bem
deferente do português
de lá, de Portugal, o
sabor é bem brasileiro,
com ritmo nosso, bem nosso,
com a lentidão dos trópicos
e o colorido de selvas recriadas
por Alencar. Se a língua
é a mesma no atacado,
no varejo é bem diferente,
principalmente na embalagem.
Originário
de todas as partes de Portugal,
pois nenhuma região predominou
na remessa de colonizadores
para o Brasil, o português,
que veio para cá não
tinha, assim, a autencidade
de nenhum falar regional, nem
do Minho, nem do Algarve, nem
de Trás-os-Montes. Felicidade
nossa, porque a mistura de sotaques
fez muito bem ao tempero que
de cá recebeu, em confronto
com o primitivismo dos tupis
e guaranis e com a transfusão
sentimental dos africanos, filho
de Angola e de outras partes.
Respondendo
a Pinheiro Chagas, em movimentada
polêmica, José
de Alencar dissera que no caso
do transplante português
– brasileiro a modificação
seria mesmo normal. “A
revolução é
irresistível e fatal,
com a que transformou o persa
em grego e céltico, o
etrusco em latim e o romano
em francês, italiano,
etc. No Brasil ela há
de ser larga e profunda, como
a imensidade dos mares que separam
os dois mundos a que pertencemos.
Os operários da transformação
de nossas línguas são
esses representantes de tantas
raças, desde a saxônica
até a africana”.
E muita razão tinha o
romântico criador de Iracema,
uma vez que o dinamismo racial
ocorrido no Brasil, iniciado
desde o primeiro momento de
colonização e
até hoje não terminado,
sempre esteve injetando novas
e renovadas influências,
no comércio, na indústria,
nas artes, na filosofia, em
tudo. Extenso como é
o nosso País, temos por
aqui um universo total de modos
de viver.
“
– Chamo-me Peri, Sou goitacá,
filho de Ararê”
Está
visto que o português
de Alencar tem um novo e gostoso
tempero de nossa terra. Ele,
filho de um mundo diferente,
criado nas vastidões
de uma pátria nova, quente,
saudável, verde nas matas
e nos mares, podia dar o grito
de alerta para despertar a nacionalidade.
“O aljôfar da água,
escreveu em IRACEMA, ainda roreja,
como à doce mangaba que
corou em manhã de chuva.
Enquanto repousa, empluma das
penas do guará as flechas
do seu arco e concerta com o
sabiá da mata, pousado
no galho próximo, o canto
agreste”.
Lindo
falar brasileiro, maravilhosa
poesia cearense, doce cantar
de um nordestino que percorria
diariamente as ruas do Rio de
Janeiro e sonhava com um Brasil
genuinamente brasileiro, longe
de influências européias.
“Gabriela,
Gabriela,
morena que cheira a cravo,
morena cor de canela!”
Isso
tem de ser uma língua
nova, salgada com águas
de temperatura do sul da Bahia,
ventos gostosos de Ilhéus
e de Olivença, onde Jorge
Amado quase empanzina de brasilidade.
É a linguagem do sertão
litorâneo, do escritor
moderno, naturalista, primitivo
nosso. É, como dizem
os próprios portugueses,
uma língua açucarada,
doce como o mel silvestre, pura
como a brisa.
Como
bem acentuou o conhecido e saudoso
Antenor Nascentes, “uma
língua não se
espalha através de uma
região sem alterar-se
aqui e ali”. Assim aconteceu
ao latim, quando introduzido
nas províncias do império
romano. Assim foi e será
com o português que se
transplantou para a América
do Sul e África, para
a Ásia e Oceania, ou
mesmo para o outro lado das
montanhas do Minho, em terras
de Espanha povoada de galegos.
Em todas essas terras encontrou
diferenças étnicas,
sociais, climáticas e
políticas. No Brasil,
por exemplo, era natural a diferenciação,
tão grandes são
as distâncias, tão
variado é o nosso clima,
tão mesclado tem sido
a nossa raça.
Uma
língua em duas. Duas
línguas em uma. Tudo
bem!