Rua
Doutor Santos para Elton
Wanderlino
Arruda
Confesso
que fiquei surpreso quando o
Elton Jackson me pediu aqui
mesmo no JORNAL DE DOMINGO,
para que escrevesse sobre a
Rua Doutor Santos, dizendo coisas
que ele julga de interesse dele
e dos leitores.
Inicialmente,
achei que a Doutor Santos não
era assim uma rua de grande
marca de saudades, alguma sensação
ou motivo de emocional um jovem
ainda muito novo para evocar
lembranças. Afirmo mesmo
que, alegre por dentro e por
fora e gratificação
pelo pedido, não vi de
pronto uma saída honrosa
e agradável, daquelas
que identificam o escritor e
o leitor, porque o leitor normalmente
só gosta de uma crônica
ou de um artigo quando ele acha
que o assunto é também
muito seu, que do princípio
ao fim, poderia ter saído
de sua própria cabeça.
Quando alguém diz é
assim que alguém diz
assim que escreveria sobre isso
tudo vai bem, o autor conseguiu
um bom resultado.
Depois
de pensar um pouquinho, no meio
da madrugada, entre um sono
e outro, cheguei à conclusão
de que tenho de escrever muito,
pelo menos uma meia dúzia
de crônicas, para falar
do que me lembro de boas evocações
da Rua Doutor Santos, pedaço
de chão poeirento, de
calçamento de pedras
pé-de-moleque, de paralelepípedos
e mais tarde de asfalto, onde
vivi bons e gostosos anos de
minha vida de balconista, de
estudante, de repórter
e de bancário, no ir
e vir de quem morou na velha
Pensão Neiva de Dona
Ismênia Porto, na Pensão
Guimarães de Dona Duca
e no Hotel São José
de Dona Laura e, mais tarde,
de Dona Emília. Afinal,
não era na Doutor Santos
onde ficava o Diretório
dos Estudantes, já em
cima perto da Praça Cel.
Ribeiro? Não era na Doutor
Santos a vida do di-a-dia do
O JORNAL DE MONTES CLAROS desde
os tempos de José Prates
e Dona Maria Oliveira, do tempo
de Antônio Meira e do
ainda jovem Andrezo, eterno
linotipista e patrimônio
da Casa?
A
Rua Doutor Santos, Elton Jackson,
tem sido uma espécie
de veia que leva o sangue diretamente
ao coração da
cidade, o sangue do trabalho
e de todas as vidas desde o
agradável ‘footing’
da Praça Cel. Ribeiro
até a Esquina dos Aflitos,
onde não mais existe
mas deveria existir o velho
Mercado com toda sua alegria
algaravia de gentes e animais
de coisas e de sonhos. É
pela Rua Doutor Santos que até
hoje passamos para ver os preços,
antes de fazermos as nossas
compras.
Era
por lá o mais barulhento
desfile do inesquecível
Leonel Beirão com os
seus sanfoneiros e pandeiristas
e a rodopiada dança da
bonecona, o primeiro canal vivo
de tele-áudio-visão
ao natural, pois ninguém
precisava chegar perto para
ver e ouvir as propagandas das
Casas Pernambucanas ou dos comícios
do lado de Doutor Alpheu de
Quadros, de quem Leonel nunca
se apartou e prezava como a
um verdadeiro pai e protetor.
Voltarei
a falar, não sei se em
seguida, mas, tenho muito a
dizer do Bar Guarani, onde Vadiolano
Moreira movimentou meia cidade
com a sua jovialidade e começou
namoro que virou noivado e casamento
com a moça Lucília
Dias, que morava quase na esquina
da D. João Pimenta. Falarei
da velha Gráfica Orion,
da Escola do Doutor Loyola,
da saída da Galeria do
Cine Fátima, da esquina
de Sinhô Colares, da casa
Ely, do elegante José
de Souza Zumba, dos batepapos
de Levindo Dias, da Farmácia
do Seu Juca de Chichico, onde
Ivan Guedes começou como
aprendiz. Do escritório
do doutor Orestes Barbosa, onde
o cheiro de charuto aparecia
até no passeio. Pode
esperar Elton, muita coisa há
que se dita!