Doutor
Rameta e “Os meninos do
Sapé”
Wanderlino
Arruda
Nascido em São Paulo,
mas transmudado de vida e vivências
para a velha vila do Sapé,
meio de mata e canteiro de construção
ferroviária, José
Rameta enriqueceu´se de
realismo mágico e purificou-se
de simplicidade interiorana,
qualidades endereçadas
à sua futura atividade
literária. Acompanhando
Salvador, pai, no trabalho,
e D. Lia, mãe, no trato
com as coisas de Deus e da casa,
fez escola de humanismo, preparou-se
para conferir às pessoas
e aos assuntos, existência
de eternidade. Observador sensível,
dotado de bondade e finura,
nem a timidez lhe tira a capacidade
de construção
do bem.
Escrever,
contar “causos”
tem sido um complemento das
horas de trabalho do doutor
ginecologista, sempre muito
ocupado, trabalhador que trabalha
em área de diversão
de muitos, segundo poderia dizer
a fala alegre dos humoristas.
Om contista, é espelho
refletindo universos do consultório
médico, das salas de
parto ou de cirurgia, que podem
estar em qualquer parte do mundo.
Tem bom poder de enredar, criar,
construir ambientes, sugerir
dramas, despertar emoções.
Nele é sempre perceptível
a busca e a espera do clímax.
Em
“Os Meninos do Sapé”,
Rameta demonstra-se um saudosista
que sabe evocar cenas de encantamento
tipo primeira noite de um homem,
recordos do garoto e do rapaz
estudante. Muitas são
as visões que circulam
entre o cômico e o trágico,
sempre temperadas de malícia
comedida, com doses de místico
fatalismo. Um misterioso, muitas
vezes saudado pela maestria
do balanço das frases
e das palavras, todas tão
simples como o seu modo de ser
e de viver. Estas são
as facetas que vão despertar
o leitor para uma leitura gostosa,
transparente como as águas
do Rio Verde, que inspiraram
o escritor, a exemplo do rio
da antiga Arcádia.
Os
lugares criados pela escrita
de Rameta são geográficos
e reais, embora universais e
universalizantes, no ponto em
que estão isentos de
fronteiras da política
ou da ideologia, uma contida
cosmovisão da nossa pequena
humanidade. Seus dramas nunca
constituem flagelos ou catástrofes,
porque, aí, a miséria
e as fraquezas nunca se mostram
em clima de fratura exposta.
A dor maior é acidental
e não causa gritos de
extertor nem nos partos difícies,
já que, com amor, quase
religioso, anestesiado. A dor
menor, esta vem de fininho,
matreira, solerte, bem comportada,
nunca ferindo nem corpo nem
alma.
Rameta
trabalha bem com as suas personagens,
convive com elas, alegra-se
e sofre em fraterno companheirismo.
Da-lhes foco de luz e boa movimentação.
Envolve-as com o toque cuidadoso,
escuta-lhes o coração,
deixa-as em atmosfera de confiança,
sem barulho, sem pressões,
cobrindo com branco lençol
as partes de maior pudor. Seu
espaço médico/poético/literário
tanto pode ser um hospital de
estudantes em Belo Horizonte
como a clínica que divide
com a doutora Maria de Jesus,
sua mulher e colega. Seu tempo/espaço
pode ser também Montes
Claros ou as ruas poeirentas
do Sapé, o bairrinho
antigo de onde nasceu Burarama,
a cidade filha do Capitão
Enéas e de Salvador Rameta.
Assim,
não precisa nosso contista
criar um mundo fictício,
não tem necessidade de
formar, inventar, machucar as
palavras, para delas extrair
verdades ou meras ilusões.
Filho de Dona Lia Rameta, de
suave misticismo, ele, sacerdote
simpático de corpo e
alma, sabe mostrar fotografias
mentais dos acontecimentos sugestivos
de sua profissão. Em
torno dele, os fatos simplesmente
acontecem, encantados ou não,
nem sempre com sangue, os envoltos
com placentas e cordões
umbilicais. Vindo à luz
como artista da palavra e do
bisturi, Rameta é, sobretudo,
um doador de existências,
com choros e com sorrisos.
Um agende de felicidades.
Os
leitores de “Os Meninos
do Sapé” –
ao contrário dos antigos
romanos – dizem e poderão
dizer sempre: Salve, nobre Amigo,
os que vão viver te saúdam.