A
dança dos cabelos
Wanderlino
Arruda
Começo
por Roberto Drumond, que sabe
das coisas, para dizer que ele
muito aprovou A DANÇA
DOS CABELOS, de Carlos Herculano
Lopes, livro que teve o merecimento
do prêmio Guimarães
Rosa. Drumond chega a dizer
e colocar Carlos Herculano no
embalo dos melhores romancistas
deste País, feito em
Minas, testemunha do que viu
e do que vê, gira-mundo
nas encruzilhadas da morte em
muitas terras, principalmente
nas do Vale do Rio Doce, onde
nasceu e se fez mineiro universal.
Começo por dizer que
conheci Carlos Herculano Lopes
na Livraria Espaço Aberto
e num almoço de arroz,
peixe, aipim, batata desfiada
e carne assada com farofa na
casa de Ivana Toledo, regado
com vinho e alegria da anfitriã,
num lindo meio-dia de um sábado
de verão. Apesar de bom
observador que julgo ser, nunca
poderia pensar que o mundo imagético
do romancista Herculano, escritor
ainda jovem, pudesse ser de
marcação tão
apropriada e aprofundada. Tão
completo e tão complexo
na busca de efeitos literários.
Confesso que não fui
o mesmo na primeira e na segunda
das leituras que fiz em A DANÇA
DOS CABELOS. A Literatura não
permite soluções
únicas, indiscutíveis
e eternas. É que o leitor
de um segundo tempo, muito mais
prevenido, conhecedor parcial
ou total do texto e do contexto,
pode observar cada momento da
narrativa, cada descrição,
cada fala, e sentir o fluxo
que é direcionado para
o passado ou para o futuro,
zanzar moderada ou freneticamente
na busca do entender tudo. Já
mais íntimo do narrador,
já um tanto também
onisciente, conhecedor das personagens
e do ambiente, pude ver as coisas
de perto, de frente, olhando
em espelhos multidirecionais,
capturando ou resgatando momento
de grandeza ou de desfalecimentos.
Confesso também que deverei
ser ainda um terceiro ou um
quarto leitor do Livro de Carlos
Herculano Lopes, até
vê-lo desnudado de todos
os véus que não
permitem a diafaneidade da fantasia
e do mágico realismo
de vidas e vivências tão
envolvents.
Posso dizer que A DANÇA
DOS CABELOS apresenta-se com
sussurros ou gritos de oralidade
poucas vezes vistos na Literatura
Brasileira, numa prova de que
o mineiro é mesmo dos
bons na inventiva de sua ficção
embriagante de princípio
ao fim. Texto distribuído
em blocos, onde às vezes
o silêncio intertextual
fala mais psicologicamente do
que a escrita, A DANÇA
DOS CABELOS define em golfadas
da alma, as falas detectável
com uma repetida atenção,
em virtude da tridimensão
de ISAURA, narradora e narratória
principal, iterativa no descrever
e no pensar, com uma segura
técnica de repetidos
“flashbacks”. Que
A DANÇA DOS CABELOS tem
uma linguagem oral, nao há
dúvidas; mas uma oralidade
quase barroca, revestida de
sons e cores, claros-escuros,
altos e baixos paradoxais, muitas
vezes dolorosos e mesclados
de prazer e ódio, vezes
por outra respingados de doce
ternura, quando as sensações
não ferem , não
ofendem, ou ao contrário,
produzem até algum deleite
de bipolarizado erotismo e toque
sentimental. Mais do que uma
confidência individual,
em depoimento singular, Isaura,
a personagem principal, desestrutura
e reestrutura, em plenos diversos,
uma estória de família,
em que a morte é a constante
do fio narrativo, todos se cosendo
e se cozinhando por dentro em
busca dos porquês existenciais,
quase nunca encontrando respostas
acitáveis.
Louvor
a Carlos Herculano Lopes pela
carpintaria do texto, às
vezes inteiramente ótico,
às vezes somente audível,
quase sempre tangível
a todos os sentidos, mas sempre
envolvido com sentimentos que
marcam a verdadeira sinestesia
das almas de autor e leitor,
a ponto de confudí-los
na dança do discurso
indireto livre, quando personagens
se misturam, jogando, no mesmo
balaio, emissores, remetentes,
referentes e mensagens, num
código pode-se dizer
desconcertante.
A
DANÇA DOS CABELOS é
um passeio de louvável
percurso, onde e quando as vidas
vão se revivendo umas
nas outras, uma espécie
de palisgenesia do remoer almas
marcadas por um destino de muitas
cobranças. Nele, o exílio
da vida é sempre a morte,
o único ato invevitável
na experiência de cada
criatura. Com ou sem opressão
do próprio viver.