O
professor Pedro Sant’ana
Wanderlino
Arruda
Em
primeiro lugar, eu gostaria
de saber quem foi o professor
de História de Pedro
Martins de Sant'Ana. Professor
ou professora, tem de ter sido
uma pessoa notável, metódica,
eficiente, capaz de despertar
grande interesse no aluno. Ninguém
encaminharia tanto saber a um
discípulo se realmente
não o tivesse. Não
se transmite gosto e amor, simpatia
ou paixão, quando não
se tem essas qualidades. Pedro,
como fruto, tinha de originar-se
de árvore de primeira
cepa. Era realmente um homem
de grande saber histórico,
mestra da didática, capaz
de ensinar até a estátuas
de gelo que estivesses sentadas
em sala de aula. Aliás,
ele não só ensinava,
vivia como artista cada página
da história.
Pedro Sant’Ana, nos velhos
idos do Colégio Diocesano,
fim da década de quarenta,
início da de cinqüenta,
era um árbitro da elegância,
no vestir e no falar. Seus ternos
eram mais bem talhados do que
os da grande granfina da Rua
quinze, de tecidos mais caros
do que os da gente rica do Clube
Montes Claros. Tinha-os tanto,
que não os repetia durante
um mês de aulas. Famosas
gravatas de seda, camisas de
colarinhos trubenizados, engomadas
com esmero, sapatos Scatamákia
de cromo alemão com tonalidades
que ima do marrom claro até
o escuro-preto.
Era uma época de ouro
das alfaiatarias e das lojas
de luxo, quando cada par de
méis era escolhido como
se o freguês estivesse
mineirando ouro ou falseando
diamantes. Aí, Pedro
Martins de Sant’Ana era
o mestre do bom gosto.
Lembro-me de que o professor
Pedro Sant’Ana era bom,
humilde quase nunca, algumas
vezes arrogante, consciente
do seu próprio valor
durante todo o tempo. Jamais
concedia a si mesmo uma dúvida
por menor que fosse. Era um
monumento de saber, na História,
nas Ciências Naturais,
no Inglês. Primeiramente
na História. Aí
era inesgotável sua eficiência.
Falava dos Césaros e
dos Anteniros, de Aníbal
e de Alexandre, de Ramsés
ou de Napoleão, de Gêngis
Kanou de César Bórgia
como se fosse ele, Pedro, colega
de campanha ou vizinho deles.
Como percorríamos as
ruas de Atenas e de Esparta,
de Roma e de Alexandria, de
Tebas ou Jerusalém, vivendo
suas palavras! Com Pedro Sant’Ana,
lutamos em Dardanelos, corremos
em Maratona, navegamos no Rio
Nilo, atravessamos o Mar Vermelho,
fizemos nossa a Mesopotâmia!
Pedro Sant’Ana, que grande
professor! Não me consta
que jamais tenha trabalhado
pelo ordenado, pelo vil dinheiro,
somente pelo pão de cada
dia. Trabalhava muito mais pelo
entusiasmo, pela visão
multissecular dos heróis
da História, pela experiência
milenar dos sábios. Alimentava-se,
parece, pela retórica,
tendo, como material da vida,
a palavra, a palavra viva, sonera,
marcante nas consciências
jovens. Para nós, seus
alunos, o verdadeiro descobridor
do Brasil, o homem que abria
as selvas, rasgava estradas,
construía escolas, levantava
templos, era ele Pedro Sant’Ana,
o grande Pedro. O mestre com
carinho de um velho guerreiro!
Pedro Sant’Ana, sem favor
nenhum, teve outro mérito:
culto, vibrante, polêmico,
destemido, desaforado, foi um
dos dez melhores oradores da
história de Montes Claros.
Merece um lugar importante em
nossa galeria de personagens!