O
bode de Felisberto Caldeira
Wanderlino
Arruda
A estória do bode desta
crônica aconteceu na pequena
São Gonçalo do
Rio Preto (exatamente o lugar
que tinha antes, o nome do meu
amigo Felisberto Caldeira),
lá pertinho de Diamantina,
no Vale do Jequitinhonha. É
a estória de um bode
de boa raça, escolhido
a dedo, comprado caro e ficou
famoso por acontecimentos que
eu conto, da mesma forma que
ouvi e entendi de colegas do
Fundec, uma da maravilha do
Banco do Brasil. Nada tiro,
nada acrescento, pois, não
quero ganhar ou perder. Vai
tudo pelo preço de custo!
Começou tudo durante
a etapa de estudos de um projeto
de caprinocultura, quando os
fundequeiros tiveram, parece,
o maior entusiasmo do mundo,
diante de uma população
realmente motivada. Estava toda
a gente à espera de um
milagre; já que o Fundec
é um transformador de
pobreza e miséria em
filão de ouro da área
social, unindo pessoas isoladas
em povo organizado. Algo como
o Banco do Brasil construindo
uma nova sociedade, a exemplo
do que sempre fez desde os tempos
de D. João VI.
Feitos os planos, o povo proclamou
que queria uma bodicultura comunitária,
muitas e muitas cabras num rebanho
de bode chefe da melhor raça,
para fazer inveja até
ás regiões ricas.
A palavra de ordem era a melhor
e a ampliação
imediata do lote caprino, com
Fundec em máximo de discussões,
que democracia é bom
e todo mundo gosta.
Tudo resolvido, dinheiro nas
contas, centenas de cabras já
nos capris, a luta desliza para
as expectativas da chegada do
bode, cada capricultor pensando
num bodão mais raçudo,
mais bonito e mais forte. Não
se falava noutra coisa, nem
de dia, nem de noite. A palavra
chave era BODE. E do melhor!
Todo mundo alvoroçado,
aquele mundão de cabras
e mais cabras, e nada de o bode
chegar. Onde estaria o grande
reprodutor para fazer urgentemente
crescer o rebanho? “Queremos
o nosso bode” –
diziam todos. “Queremos
o nosso bode” –
deviam estar também dizendo
todas as cabras. De quem era
o maior interesse? Do povo ou
das cabras solteiras? Grande
esperança. Um danando
frenezi!
Era setembro, quando o bode
chegou. Bonitão, grandão,
tudo indicava um bodão
macho, machão, aquele
monstro de fazer inveja a expositor
rico. Chegaram também
com ele as festas. Chegaram
as horárias na praça
principal, com até discursos.
Todos queriam vê-lo, uma
admiração sem
igual. Tudo indicava ser um
grande reprodutor. Mas como
seria ele na hora do serviço,
quando tivesse de assinar o
ponto?
E o tempo foi passando em brancas
nuvens. Passaram manhãs,
passaram tardes. Lá se
foram dias e semanas. Mas, em
lugar, de entusiasmo, do interesse,
do orgulho local e regional,
só apareceu desilusão.
Para dizer a verdade, o bodão
não queria nada. Nada
mesmo! Vivia na mais indiferente
solidão, recuado, cabras
roçando nele, cabras
cheirando, cabras lambendo,
cabras fazendo me-me, e nada!
Um desencanto! Uma terrível
falha de desempenho, nada de
esquentar o motor nem um tênue
desejo de ver bodinho novo nascendo.
Terrível situação,
tristeza dos donos, tristeza
do FUNDEC, tristeza mais ainda
das cabras. Principalmente delas!
Estava, é claro, em jogo
o brio da comunidade. E o grito
de guerra já era por
nova aquisição.
Ou por um remanejamento honroso.
“Vamos trocar esse molenga”.
“Vamos comprar um bode
de verdade”. “Esse
bicho não vale é
nada”. Que lástima.
Porém – e sempre
existe um porém –
o desespero não seria
eterno. Eis que tudo se transforma,
e nada se perde. Uma notícia
corre tão depressa como
um furacão. Há
no ar um alvoroço, uma
alegria sem medida, sorrisos
com todos os dentes. Afinal,
todas, todas as cabras apareceram
prenhas, mais nenhuma solteira
ou desamparada.
Um sucesso!
O único problema é
que até hoje ninguém
sabe quando o bode mudou. Ninguém
soube, ninguém viu. As
cabras eram todas mineiras:
trabalharam com bodão
em silêncio...