Prefácio
Wanderlino
Arruda
Foi
num misto de fé e de
certezas, que o rei David, proferiu
sobre Israel, pátria
sua e de seu povo: “Tu
visitas a terra e a regas; tu
a enriqueces copiosamente; os
ribeiros de Deus são
abundantes de água; preparas
o cereal, porque para isso a
dispões, regando-lhe
os sulcos, aplanando-lhes as
leivas. Tu a amoleces com chuviscos,
e lhe abençoas a produção.
Coroas o ano da tua bondade;
as tuas pegadas destilam fartura,
destilam sobre as pastagens,
e de júbilo se revestem
os outeiros. Os campos cobrem-se
de rebanho, e os vales vestem-se
de espigas: exultam de alegria,
e cantam.”
Tem sido num conteúdo
de suprema confiança
que Zoraide Guerra David sempre
escrevera a respeito das terras
de cá e de lá,
que rodeiam ou se juntam à
sua amada Mortugaba, rico pedaço
de Minas/Bahia por bandas banhadas
de afluentes do Rio Pardo. Assim
foi, assim será, assim
está sendo com a admirada
Vargem Grande, fértil
semi-árido do Polígono
já quase Nordeste, sertão
quase meu, porque ligado muito
a São João do
Paraíso, meu berço
de nascimento e de primeiras
letras. É por aí
a geografia de quem o livro
constrói e de quem o
prefácio escreve. Melhor
só se fôssemos
habitantes do Monte Parnaso
ou do jardim do Éden.
Que bom, Zoraide, que bom, prefeito
Antônio Francelino, que
bom, secretária de Educação
e Cultura, Terezinha Cruz. Admirável
a decisão de registrar
para o sempre a paisagem e a
história de Vargem Grande,
terra de leite e de mel, como
diria o salmista, se aqui também
tivesse nascido e vivido. Fico
imensamente feliz de ver e rever
costumes e expressões
que marcam e remarcam uma realidade
que já-já estariam
no esquecimento, não
houvesse gravação
em livro. Só em mídia
passageira – rádio,
tv, jornais e revistas –
as notícias voam, existem
apenas por momentos, ou em fugidias
lembranças. O livro é
que vale, o livro é que
fica. Os escritos do rei David
estão aí para
nos dar esse conforto de eternidade.
Agora sim, vida longa para as
bonecas de pano, para a elasticidade
dos estilingues, para o equilíbrio
dos piões de madeira.
Agora, o fogão de barro
nas cozinhas escuras de picumã,
o gostinho das cozinhadas de
cariru, as sonoridades das cantigas
de roda. Cadê a margarida?
Quem atirou o pau no gato? Por
onde anda o chicotinho queimado?
Quem conversar primeiro é
filho de padre... ou vai comer
o gambá errado... Quantas
boas lembranças, Zoraide!
O que é que tem coroa
e não é rei, tem
escamas e não é
peixe? Qual a diferença
entre um gato e um tijolo? Atire
os dois numa parede, e o que
miar é o gato...
Espero que o livro “Vargem
Grande na Trilha do Progresso”
marque nos corações
– pelo menos nos mais
vividos – o que está
marcando no meu. Em tudo, a
certeza de que o nosso sertão
tem a melhor terra do mundo,
dependendo somente das vontades
do céu. Uma gotinha de
chuva, e o verde aparece espontâneo
e luminoso nos baixios, nas
chapadas, no carrasco. Qualquer
chuvinha constitui bênçãos,
espocando cores nas mangabeiras,
nos são-caetanos, nos
cedros, nas sucupiras. Qualquer
aguinha que vem de cima faz
mais doce a mangaba e a manga
rosa, mais forte a catuaba,
mais margosinha a jurubeba.
Até o brilho dourado
e líquido de um casamento
da raposa faz a juriti cantar,
o sabugueiro crescer e a bananeira
multiplicar cachos. Eta mundo
encantador, Patrício
Guerra! Que maravilha, Padre
Horácio, Braz Joaquim
Ribeiro e D. Santinha! Ora ora,
Dermeval Santana, D. Constância
d’Ângelis, Joaquim
de Assis, Antônio Coco,
João Dias Amorim!
Vargem Grande é terra
por onde passaram os revoltosos
da Coluna Prestes e o defensor
Horácio de Matos, feitos
mais do que vivos na minha memória
de menino bom ouvinte de história
e de estórias contadas
por Silvina e por meu avô
João Morais. Concluo
com a boca cheia d’água,
com as saudades dos muitos sabores:
cuscuz, sarapatel, pequi, paçoca
de carne de sol, farofas de
galinha, biscoitos cozidos-e-assados,
frigideiras, brevidades, casadinhas
de marmelada com requeijão.
Não posso me esquecer
nunca dos burburinhos das feiras
de sábado - gentes e
bichos misturados – capões,
frangos, leitoas, cabritos,
tatus, caças de toda
sorte – e todo o verde-vermelho
das moreninhas de abacaxi e
ananás. Impossível
esquecer-me das roupas tingidas
com mussambê, dos chales
de algodão, das blusas
de amorim, das anáguas
saindo das saias, das mulheres
sem calçolas! Tempo bom,
historiadora Zoraide! Mais do
que tudo, é disso que
preferi dar importância.
Ao senhor, prefeito Antônio
Francelino dos Santos - Tone
Manco, como gosta de ser chamado
- quero dizer mais: parabéns
pela decisão de ser um
político consciente em
valores espirituais como educação
e cultura. Esteja certo, Prefeito,
de que o livro “Vargem
Grande na Trilha do Progresso”
marca definitivamente a sua
dimensão de excelente
administrador. E que Deus nos
ouça!
Montes Claros, julho de 2004.