Luiz
de Paula Ferreira é um
milagre. Tudo na sua vida deu
certo. Tudo: sonhos e realidade,
jeito de ser e de viver. Comportamentos,
atitudes, hábitos, numa
receita sábia, e manhosamente
aviada desde os velhos tempos
de Roma: “Não basta
ser, é preciso parecer”.
Luiz – em todos os decênios
que marcaram a idade do menino,
do jovem e do adulto –
foi e pareceu inteligente, intensa
e fervorosamente, quase por
um dever de fé e destinação.
Querendo - quem sabe - até
sem querer, jamais pôde
fugir das luzes de uma generalizada
admiração de próximos
e distantes. Conservador e revolucionário,
sempre teve como medida o comedimento,
coisas de antigo PSD, que não
fazia reunião sem antes
de tudo estar resolvido. Luiz
sabe ver e antever, vestido
e revestido de inigualável
poder de avaliação.
Sabido, tranqüilo e limpinho
como um gato, no dizer do nosso
saudoso João Valle Maurício.
Neste livro – conjunto
fantástico de retalhos
intensamente coloridos da vida
interiorana brasileira do Século
XX – Luiz de Paula é
narrador e personagem, iluminador
e fotógrafo, ao mesmo
tempo retratista e retratado
em cenas que ele próprio
sempre se inseriu. Dono de poder
material e imaterial, agora
produz um texto mais do que
vivo - do seu e do nosso agrado
– encarnando e reencarnando
uma tradição oral
de esperteza, que muito será
discutida no futuro, quando
as máquinas e os chips
ocuparem com primazia a diretiva
humana. Os relatos, as crônicas,
a prosa poética, até
os contos que ele - por segurança
e sabedoria, diz de ficção
- representam o que a Literatura
pode ter de melhor na fixação
de imagens e vivências,
conteúdo importante porque
só possível aos
que o viveram com entusiasmo.
Li, reli e tresli as três
divisões – “NA
VENDA DO MEU PAI” , “SANFONA
DE OITO BAIXOS” e “ALGUMAS
HISTÓRIAS”. E quando
lia e revivia cenas da vida
de menino do interior, testemunha
real e virtual de tudo que acontece,
pensei calculadamente em registrar
neste Prefácio dezenas
ou centenas de nomes de pessoas
e de lugares, antecipando para
o leitor o cheiro e o gosto
de todas as acontecências,
assim como as cores e a sensação
táctil de cada paisagem.
Um pouco mais novo que Luiz,
tendo vivido pelo lado de dentro
e de fora de uma casa comercial
- ouvinte e visualizador atento
- bem sei do quanto o relar
o umbigo no balcão valeu
para nós. Ali nada passava
despercebido no universo das
pessoas e das coisas, seja ouvindo
uma sanfona de oito baixos,
seja engraxando sapatos ou controlando
os movimentos sinuosos dos bêbedos.
Era a vida imitando a vida,
para criar memórias que
só o livro pode fixar.
Com este livro, Luiz eterniza
Maria Velha, Maria Suruca, Mariazinha
Palpitosa, o lambe-lambe Vitorino,
Chico Boa Palavra, João
Velho, João Raposa, Gregório
Barba à-toa, além
– é claro –
um amplo universo de situações
que marcam a malícia
e a esperteza do dia-a-dia de
Várzea da Palma, de Montes
Claros e deste pedacinho gostoso
do sertão mineiro. Resumindo,
um musicar e um cantarolar de
lembranças que só
um narrador bom como o Luiz
consegue pôr no papel.
Plurissignificativa, a Literatura
faz com que certas personagens
e situações ofereçam
liberdade na interpretação
dos textos, poucas vezes os
mostrando imutáveis ou
ensinando uma aceitação
pura e simples. As palavras
e o encadeamento de palavras
sugerem visões que nunca
pertencem somente àqueles
que as escrevem. Uma vez materializado,
o texto pertence mais ao leitor,
à sua forma de pensar
e agir, influenciado pela experiência
lingüística e pela
cultura de cada um. Assim, “NA
VENDA DE MEU PAI” vem
para marcar época, com
lembranças e vontades
mais do que gratas para quem
as viveu e para quem gostaria
de as ter vivido. Aqui, não
há fotos em preto e branco,
não há figuras
esmaecidas ou distantes: tudo
é colorido, cada movimento
tem uma surpresa como se estivesse
acontecendo e sendo vivido agora.
Luiz é um cinegrafista
sortudo – pode-se dizer
com efeito Kirlian – que
além de gravar o visível
e tangível, consegue
divisar nuances que só
aos privilegiados Deus permite
contemplar. Bom para ele, melhor
pra nós!
Purista corajoso do idioma,
Luiz de Paula Ferreira conduz
o leitor à excelência
da fala brasileira, com todo
o condão de quem sabe
fazer mágica com a inteligência
e o gosto do verdadeiro contador
de causos. Alegre, otimista,
sinceramente claro nos conceitos,
oferece-nos o que há
de melhor na vida sua e das
outras personagens. Vale realmente
ser lido. No meu ponto vista
– e aqui não vale
a amizade que nos une –
“NA VENDA DE MEU PAI”
é o melhor de todos os
registros regionais que a argúcia
literária impõe
a um leitor interessado. No
que toca à missão
do homem no viver e conviver,
no amar e no sonhar, Luiz é
um cronista indubitavelmente
universal.
Experimente-o como quem sabe
sugar o sumo doce de uma jabuticaba
bem madurinha, o andar de bicicleta
em tempo de Primavera e o ver
e ouvir o sapateado de um cantador
de coco.