“Paredes
Caídas”
Wanderlino
Arruda
Primeiro, foi o telefonema de
minha amiga Maria Salomé,
na hora do almoço. Queria
falar comigo sobre um menino de
Várzea da Palma que havia
escrito um livro de poesias, achado
muito interessante pela tia Diola,
tanto que o havia trazido para
Montes Claros. O dito livro estava
com ela, Maria. Será que
eu poderia vê-lo para dar
opinião? Verificar se era
bom mesmo como estavam dizendo?
Aqui em casa não, que é
muito longe, levá-lo-ia
ao Banco. Eu poderia ficar com
ele o tempo necessário
poderia até sugerir alguma
coisa se fosse preciso modificação.
Segundo ouviu dizer, é
escritura de muita inteligência,
assunto que apareceu depois que
alguém demoliu uma parece
lá em Várzea.
Mais tarde, tenho o prazer de
encontrar Maria, depois de tanto
tempo que não nos víamos,
nós que estávamos
sempre conversando como bons amigos,
quando ela ainda trabalhava na
Caixa Econômica, antes de
se aposentar. Os originais vinham
embrulhados em papel de presente,
sem fitinha, mas pacote de muito
cuidado, feito por tia zelosa.
Aberto, folheiei-os ligeiramente,
que em serviço o tempo
é curto, prometendo devolvê-lo
no fim da semana. Pela encadernação,
pela datilografia, pela limpeza,
já fiquei meio desconfiado
de que Maria estivesse exagerado
nas ponderações,
nas sutilezas sobre a versatilidade
do garoto, membro da família
dos Sanguinettes, já minha
conhecida das bandas do Coração
de Jesus. Mas tomei todo o cuidado,
deixando para depois a leitura.
Eis, quando em casa, abro o volume
e a coisa não é
bem assim. é muito mais.
E só vejo o sonho quando
encontro a realidade, partindo
da nota explicativa do próprio
autor, Roberto Sanguinette. A
linguagem não é
de menino, é de gente bem
experimentada na vida, gramática
e estilística dosadas na
base do ideal, segurança
no falar, decisão, definição
bem definida. No prefácio,
um nome respeitável de
Luís Carlos J. Maciel,
de Belo Horizonte, falando direto
sobre o Roberto, dizendo da sensibilidade
crítica, do seu prazer
de brincar com as palavras, da
sua formatura em Letras pela Universidade
Federal de Minas, em 1974, do
seu gosto de música, de
violão, de bebidas, de
mulheres, de pescaria, de bom
papo. Não pude me conter
senão com uma risada. O
menino de Maria havia nascido
em 1950. E, por cima, autor de
outros doze livros, escritor desde
1971, calejado, maduro na arte
do poetar e mestre na prosa. Menino
sim, mas para sua tia Diola, pois
tia não vê sobrinho
crescer.
Roberto Sanguinette, Maria, tem
na alma a experiência dos
séculos, é velho
ator, vive e sabe viver a vida
das gentes e das coisas. É
ele mesmo, sem ser, em sendo tudo
e todos ao mesmo tempo. Tem a
facilidade de penetrar no âmago
de cada existência, concreta
ou abstrata, coisifica-se numa
simultânea humanização
do não-humano. Roberto,
Maria, tem técnica e já
sentiu na pele e na inteligência
o suor do muito trabalho. A transfiguração
que faz, a colocação
de objetos e sentimentos no palco
de boa poética, não
é, definitivamente coisas
de pouca idade.
Como o livro ainda não
está publicado, dou-lhe
uma idéia, leitor, de “PAREDES
CAÍDAS”. Roberto
Sanguinette, ator, tem um dom
de viver cada realidade, escrevendo
sempre no papel de emissor, num
tom confessional, assumindo a
vida de cada título de
poesia. Explico melhor: quando
escreve sobre parede, ele é
parede; assim como é retrato,
circo, janela, êxtase, projeções,
abismos, verdade ou mentira, quando
desses tratos vem tratar. “Você
não sabe/ como dói/esse
martelar/essa talhadeira/essas
pancadas/ Você pensa/ que
eu não sinto/que não
tenho/vida./ Veja/minha estrutura/
abalada/meu reboco/rachado/minha
tinta/desbotada/meus tijolos/soltos.
Você/só quer machucar/quebrar/derrubar/destruir./E/não
vê ocupado/que eu calado/posso
cair.../sobre você.
Sabe de uma coisa, Maria? Que
bom será ler os outros
livros do menino, sobrinho de
D. Diola...