O
gostoso do romantismo
Wanderlino
Arruda
É
com grata satisfação
que recebo do chefe e colega Jose
Lúcio Gomes uma revista
"Eu Sei Tudo", de dezembro
de 1923, editada na cidade de
São Sebastião do
Rio de Janeiro, papel brilhante,
bem impressa, algumas páginas
a cores, muitas com iluminuras
que fariam a alegria visual e
estalar de língua de Haroldo
Lívio, como se estivéssemos
diante de um prato substancial
e suculento. Não sei nem
posso compreender do porquê
e do como os antigo produz tanta
atração, fica tão
emocional diante do nosso gosto
de cultura, desperta tanta curiosidade
ainda mais do que diante do novo
e do inusitado. Seria uma propensão
natural de todos nós diante
da linha romântica, do dèjá-vu,
do rememorar dos nossos primeiros
aos de vida e ate de antes deles.
Uma coisa é certa: o antigo
nos toca profundamente em todos
os sentidos.
Que coisa interessante é
a revista "Eu Sei Tudo"
do primeiro quartel do nosso século!
De quando o Rio de Janeiro ainda
era cidade pequena, embora a mais
importante do país, capital
da República, centro da
intelectualidade brasileira, ainda
sem muitos dos efeitos da Semana
da Arte Moderna realizada em São
Paulo. Se a senhora quer saber,
a revista ainda escrevia Espanha
com "H", districto,
anedocta, somno, principaes, bellas,
illusão, egreja, grammatica
litterária, reugmathismo,
typo, bicyclette, actriz, dansa,
e avião era ainda um mysterioso
aeroplano, o telephone era um
estranho apparelho, cinema era
cinematógrafo. Os assuntos
bem curiosos estão dispostos
em tópicos até agradáveis
como Páginas de arte, Nossa
terra, A sciência ao alcance
de todos. Novidades e Invenções,
Romances, Contos e Aventuras,
Percorrendo o mundo, Para recitar
e Diversos. Longe de alcançar
a ordem exigida pela imprensa
moderna, a Eu Sei Tudo era realmente
um repositório de informações
como uma perfeita caixa de surpresas.
Claro que teria muito que comentar
se fosse analisar toda a revista,
principalmente no tópico
de ciência ao alcance de
todos, onde os redatores falam
do aparecimento de um assucar
luminoso de nutrição
para obesos, anesthesia pela respiração
rápida, e de cavalos vencedores
de tuberculose, além de
um aparelho electrico para frisar
cabelos e de como se usam agora
as sombrancelhas e como os aviões
podem provocar chuvas. Interessantes
os textos sobre as Sacerdotisas
de Terpsychore, as obras de arte
vivas, o substancial almoço
de uma serpente, a múmia
conselheira, como se faz uma bailarina,
e "os mais bellos olhos de
scena muda". Como são
lindos os retratos (ou fotos?)
das artistas Pola Negri, Mae Murray,
Betty Wrubel e Corinne Griffty!
Como são curiosos os desmontes
de ruas e mais ruas no centro
do Rio na abertura da avenida
Rio Branco.
Tudo muito adequado para a época,
mas sensacional mesmo é
uma bela reportagem sobre a arte
de comer nos tempos de Luiz XIII,
o glutão rei da França.
Os artigos, se diferentes de nós
do século XX ou quase XXI,
tinham também o seu maneirismo,
as suas etiquetas, o bom-tom elogiado
pelos cronistas da época.
Tinham, como não poderia
deixar de ser, a maior consideração
pelos costumes à mesa,
dizendo até que uma boa
refeição era um
dos fins da existência humana,
assunto primordial para a felicidade.
Assim, não podiam deixar
de cuidar da maneira de se comportar
nessa grave circunstância
da vida, fosse na casa de um rico
burguês, num festim real,
ou mesmo na rústica choupana
de um plebeu. Aliás, nada
melhor para ilustrar esses costumes
do que as pinturas da época,
de Abraham Basse ou de von Tillborg,
também publicadas pela
revista. Como não tenho
espaço para grandes explanações,
digo apenas que o prato principal
era sempre o assado de carnes
e que era proibida a presença
de copos sobre as toalhas. Usados,
sem nunca colocá-los na
mesa, eram logo devolvidos aos
que cuidavam do atendimento. Quando
possível, a comida deveria
ser engolida a seco!