O
dia em que Chiquinho sumiu
Wanderlino
Arruda
No
dia de novembro em que Chiquinho
sumiu eu não estava em
Brasília. Viajara semanas
antes e nem vira o bichinho nem
na chegada nem na saída
numa permanência de muito
tempo. Hospedado no St. Paul Hotel,
nem uma vez fui à Setecentos
e Três Sul, não sei
se por comodismo ou ingratidão,
embora lá estivessem muitos
dos meus colegas e amigos e também
o Chiquinho. Foi uma pena. Agora
que o Chiquinho desapareceu é
que eu vejo a perda, a dor de
uma ausência mesmo não
deliberada. Perto de lá,
passei apenas duas vezes: uma
à noite, indo à
casa do Nelson Pereira de Souza,
presidente brasileiro do Esperanto,
e outra, numa manhã de
domingo, num passeio circular
pela cidade para uma visita à
Walkíria e Nabiran. Mas
à casa da Concessa e do
Chiquinho, eu não fui.
Soube do sumiço do Chiquinho
por notícia do colega Geraldo
Eustáquio, que lá
ficou hospedado durante um mês
por sugestão minha. Ele
contou-me do choro da Concessa,
da angústia dos hóspedes,
da tristeza da Neide, da sensação
de perda de todos, na hora do
café, na hora do jantar,
e, principalmente, na hora da
televisão, quando era mais
firme a lembrança do Chiquinho
deitado na almofada de fina seda,
entusiasmado com os programas
da Globo da viúva Porcina.
Eustáquio contou-me ainda
que a Concessa ficou intolerável,
nervosa, cheia de queixume, longe
da gentileza normal de que ela
é a maior portadora do
mundo. Acabou até a alegria
da casa e houve até reclamação!
Também triste, mesmo longo
do epicentro da tragédia,
não agüento ficar
sozinho com a notícia,
e telefono incontinenti para o
Recife e falo do acontecimento
com o meu grande amigo Tiago Marcos,
ainda mais amigo da Concessa do
que eu, pois quase conterrâneo,
ela do Rio Grande do Norte, ele
de Jaboatão, em Pernambuco.
Tiago diz-me que nem pode acreditar,
deve haver um engano, o Chiquinho
deve estar esperando a hora de
voltar! Falo-lhe do desespero
da Concessa, de que fui informado,
e ele me promete que logo estaremos
em Brasília para ajudar
a amiga. Se eu quiser, posso até
esperá-lo no Aeroporto,
no domingo dia 4 de janeiro, à
tardinha. Vamos chegar juntos
à 703, Bloco J, como já
fizemos de outras vezes em que
trabalhamos em tarefas de treinamento
de colegas do Banco do Brasil.
Tiago sempre foi um dos maiores
admiradores de Chiquinho, e com
ele sabia até conversar...
Quando telefono para Concessa
para confirmar a reserva do apartamento
em que vou ficar, e apresentar
os meus sentimentos pela ausência
do Chiquinho, ela me diz que o
Tiago já chamara para ele
e dera conta dos dois recados,
para ele a para mim. A presença
telefônica dos dois amigos,
parece, minorara um pouco o seu
sofrimento e só Deus sabe
quanto é importante a solidariedade!
Narrou todos os acontecimentos,
dizendo que, no dia do desaparecimento
do Chiquinho, ela e muita gene
vasculharam com malha fina nada
menos de nove quadras, da novecentos
e três até a quinhentos
e cinco. Mais fizera se não
fora para tão longo amor
tão curto o dia!
Não vejo a hora de telefonar
para dar a notícia ao Jorge,
ao Kalunga e ao Moacir, no Rio
Grande do Sul, à Ivone,
à Mitsu, ao Hiroshi, em
São Paulo; ao Geraldo,
em Teófilo Otôni,
e, quem sabe, a mais alguém
neste grande Brasil que do Chiquinho
sempre gostara.
Esqueci-me de dizer, minha senhora,
que Chiquinho é o gato
mais querido da Concessa!