Língua
ou dialeto?
Wanderlino
Arruda
Desculpe-me
o leitor se volto ao assunto da
língua portuguesa no Brasil,
continuando a alinhavar argumentos
postos no tabuleiro das discussões,
tão ao meu agrado, como
estudioso e amante desta última
flor do Lácio inculta e
bela. Tema que sempre me permitiu
saudosas referências ao
trabalho universitário
de vinte e dois anos na Unimontes,
no geral de interesse para a formação
da cultura lusíada-americana,
sei que a língua é
a formadora da arquitetura do
sistema principal de comunicação
e tem como argamassa o material
mais duro e resistente do mundo:
a palavra. Estudar a linguagem
e a metalinguagem foi sempre um
excelente trabalho e passa-tempo
proveitoso de gente séria,
realmente interessada no que há
de mais sagrado e marcante da
personalidade humana, pois é
do “logos” que vem
todo o saber.
Um motivo, entretanto, surge interessante
e dinâmico para a subida
de mais um degrau, quando o competente
jornalista e crítico literário
Hélio C. Teixeira, que
muito honrou as colunas do Jornal
de Montes Claros, e muito nos
transmitiu da sua competência,
teceu comentários e evocou
melhores argumentos sobre a realidade
do estilo brasileiro da língua
portuguesa. Confesso que foi exatamente
o culto jornalista que, de modo
direto, levou-me a examinar mais
uma vez a documentação
polêmica sobre a nossa realidade
lingüística e dialetal.
Sei, por experiência própria,
nestes últimos dez anos,
no convívio da disciplina,
na Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras, através de pesquisas
dos alunos e do professor, que
as diferenças constituem
mais um estilo brasileiro do que
um divórcio formador de
duas línguas, pois ninguém,
até hoje, de sã
consciência, deve ter pensado
em criar um dicionário
bilíngüe entre Brasil
e Portugal. Como bem disse o estudioso
Hélio C. Teixeira, “jamais
haverá no Brasil, uma língua
inteiramente emancipada do idioma
lusitano”. Primeiro, porque
uma língua dispõe
de um fortíssimo esquema
de analogias, rigorosamente obedecido,
onde cada falante pode gerar ou
transformar frases, criá-las
ou recriá-las, mas jamais
fugir, impune, à estrutura
do sistema. Pode, é verdade,
e isso até é bom,
fazer substituições
nos eixos do paradigma ou do sintagma,
mas, nunca, nunca mesmo, quebrar
ou tentar quebrar o mecanismo
das funções que
cada elemento exerce. Foi, por
esse motivo, que o árabe,
estruturalmente bem diverso do
português, apesar do domínio
de mais de sete séculos
na Península Ibérica,
deixou apenas cerca de setecentas
palavras, menos de uma por ano,
mas por mais incrível que
pareça, nenhuma frase.
Aí estão, de testemunhas,
as palavras “oxalá”
e “salamaleque”, que
eram sentenças no árabe
e não conseguiram resistir
à tradução.
Por que, então, tantas
discussões? É porque
motivos deve haver, pois, onde
há fumaça, há
fogo. Ninguém perderia
tempo, se não encontrasse
um alicerce onde se afirmar para
emitir argumentos. Pena não
dispormos, até hoje, senão
de uns poucos mapas lingüísticos
além dos levantados na
Bahia, no Rio, em Minas Gerais
e, me parece, apenas um em Trás-os-Montes.
Se houvesse maior material cientifico,
tudo seria mais compensador. Espero
com ansiedade, o Mapa dos falares
da Paraíba, em que se encontra
empenhada de corpo e alma a minha
amiga e professora Socorro Aragão,
Presidente do Circulo de Lingüística
do Nordeste, de cujo trabalho
me inteirei, recentemente, quando
de minha visita à sua Universidade,
em viagem por João Pessoa.
Agradeço ao prezado amigo
Hélio C. Teixeira as suas
bondosas referências o meu
trabalho, creio que, mais do que
tudo fruto do meu amor à
lusitanidade de nossa expressão.
Não sei, contudo, se é
bom despertar paixões em
quem pode morrer de amor.
Olhe que nossa língua -
aqui brasileira - já não
é tão desconhecida
e obscura, mas ainda de alto clangor,
do tom e silvo da procela, fruto
da saudade e da ternura...
Foi o que falou Bilac.
Falou e disse...