Lembranças
da Rua Quinze
Wanderlino
Arruda
Dentro
do possível, tenho procurado
escrever sobre pessoas e fatos
ligados à recente história
de Montes Claros, com os acontecimentos
e os lugares de alguma forma jungidos
à minha própria
experiência. Isso, nos últimos
quase trinta e seis anos, desde
a noite em que cheguei de Taiobeiras
numa carroceria do caminhão
de Dudu Cunha e fiquei hospedado
na Pensão de Dona Ismênia,
ali pertinho de onde fica hoje
o posto de Antônio Barreto,
na Praça de Esportes. A
primeira aventura foi exatamente
no dia da chegada, quando, para
marcar o terreno, percorri cautelosamente
alguns pedaços de ruas,
indo e voltando atrás para
não correr o perigo de
me perder e ficar, depois, envergonhado.
Nesse vai-e-vem, o mais longe
que fui foi até o Restaurante
do Valério, na Simeão
Ribeiro, onde paguei vinte e cinco
cruzeiros por um jantar, um preço
tão caro para aquela época,
que me expulsou por muitos anos
de qualquer cada de pasto mais
granfina.
A Rua Quinze não consegui
chegar, naturalmente intimidado
pela clareza das luzes, pelo pessoal
desinibido, bem vestido, gesticulante,
demasiadamente alegre, que eu
podia reparar de longe. Passear
por lá, no primeiro dia
de Montes Claros, seria uma façanha
fora de pretensão para
quem chegava com roupas feitas
por alfaiate de província
pobre e sapatos com excesso de
meias-solas. Não dava,
não dava mesmo! Por isso,
deixei para o dia seguinte, no
horário de trabalho, que
aí a cidade é de
todo mundo e a beleza das pessoas
causa menos impacto, sem os perfumes,
sem a performance dos momentos
de ócio, sem o burburinho
das horas de passeio granfino.
A Rua Quinze que eu vi, pela manhã,
era uma rua bem diferente, bem
mais vazia, embora ainda tivesse
muita gente despreocupada a discutir
política e futebol, a seguir,
com olhos cobiçosos, uniformizadas
donzelas de longas saias azuis
e cabelos de tranças.
Foi depois de contar estórias
da vida na Rua Quinze, que tive
a grata alegria de receber uma
carta do meu colega e amigo Nicomedes
Almeida Teixeira, ministro-chefe
da Secretaria da Fadec, companheiro
de muitas lutas na Fafil, em quatro
longos anos do Curso de Letras,
quando freqüentou minhas
aulas de português e de
lingüística. Se a
lembrança dos meus dias
de Rua Quinze era um gostoso desfiar
de saudades, a carta do Nicó
me veio trazer uma suave afirmação
de compromisso com o passado,
uma certeza de que nenhum ato
de nossa vida, simples ou sem
importância, passa esquecido
ou desfigurado de valor, sem o
mérito do ter acontecido.
Não vou interpretar a correspondência
do meu intérprete. Passo-a
ao leitor assim como chegou às
minhas mãos. Tem o gosto
de um grande amor a Montes Claros
e ao tempo de nossa mocidade.
“Amigo Wanderlino, ao ler
o seu artigo publicado, no domingo
último, intitulado “Rua
Quinze”, não pude
deixar de me envolver em uma onde
nostálgica, pois ali passei
boa parte de minha infância.
Em fins de 1951, meu pai comprou,
em sociedade com mais dois irmãos,
o Big-Bar, ponto de encontro obrigatório
para os boêmios da época.
Ali passei momentos marcantes
em minha vida, discutindo futebol,
convivendo com os artistas de
rádio trazidos à
cidade pelo Airton Serpa, vendo
os cartazes de cinema colocados
na calçada da loja de “seu”
Ramos. Embora criança,
vivia o movimento noturno da Rua
Quinze, auxiliando meu pai no
bar, ou freqüentando o salão
de sinuca do Tio Hélio
(não havia ainda rigor
no policiamento a menores).
Tempo bom que me voltou à
memória graças a
você. Você se lembra
do Bolo Esportivo, do Serpa? Dos
bailes de carnaval do “Clube
dos Bancários?” Quando
o “footing” da Rua
Quinze acabou, foi com se apagassem
as luzes de uma parte da cidade.
Os outros “footings”
nunca foram os mesmos (ou será
que foram as luzes de minha infância
que se apagaram, em parte?). De
toda forma, o seu artigo me fez
reviver esse tempo, tempo bom!
Obrigado”.
E você, leitor, está
com saudades também? Nunca
houve tempo melhor!