Hotel
Cachoeira de S. Félix
Wanderlino
Arruda
Já
não é mais tempo
de escrever sobre o “Hotel
Cachoeira de S. Felix”,
considerado o grande tempo que
nos separa do lançamento
feito em Montes Claros pelo meu
amigo e colega Ângelo Soares
Neto. Faço-o, entretanto,
considerando, agora a eleição
do Ângelo para a Academia
Montes-clarense de Letras e sua
posse festiva em janeiro que vem.
É, assim, uma lembrança
muito grata da leitura que fiz
a dois anos, do romance escrito
em Salvador pelo montes-clarense
de Taiobeiras, o amado filho de
D. Laura. Acrescente-se também
a recordação de
um interessante discurso feito
no lançamento por Ubaldino
Assis, tio e conselheiro do romancista,
um desfilar de apontamentos entre
o racional e o apaixonado, coisas
de quando o Ângelo era garoto,
menino de recados do Banco do
Nordeste, aluno do velho Instituto
do Dr. João Luiz.
O tempo passa, a experiência
amadurece, as visões e
as realidades da paisagem de muitos
pedaços de Brasil vão
se fixando na memória do
escritor. A imensidão de
Brasília, o vertical, o
horizontal, as linhas curvas da
arte de Lúcio Costa e de
Niemeyer, a busca da solidariedade,
o mando, o asfalto, o agreste,
a imensidão do planalto
de Goiás, tudo fica retido.
Ao lado ou como superposição,
o mar, o verde mar de Iracema,
a lagoa azul de Iracema, a praça
do Ferreira, a Aldeota, a cajuína,
o caju, a graviola, o mercado,
o calor de Fortaleza e, como símbolo
do Ceará, a serra do Baturité.
De longe, como memória
de infância, o gerais, o
serrado, o frio, a garoa, os pequis
de Taiobeiras. Muito de Irecê,
de Itabuna, de Propriá,
de Guanambi, um mundo, um mundão
desta terra descoberta por Cabral.
De Montes Claros, Ângelo
revive uma gostosa vida de menino
levado, parada dura no Grêmio
do Instituto Norte Mineiro, curso
de contabilidade, primeiras namoradas,
feijão-tropeiro, torresmo,
quebra-queixo, seresta, cinemas
aos domingos para ver os seriados,
conversas perdidas na frente da
casa de Konstantin, solteirão
da rua D. João Pimenta.
Acredito que, além da diversão
que era muita, aconteceu também
muita leitura nos escritos de
Cândido Canela, Olyntho
e Yvonne Silveira, Nelson Viana,
João Chaves, substrato
que floresce, hoje, em muitas
de suas idéias.
Claro que a evidência maior
é mesmo a da cidade de
São Salvador, principalmente
do Largo do Pelourinho, campo
de batalha antigo de estudantes
e intelectuais e atual de prostitutas
e viciados, vivendo eterno de
batidas da polícia. De
Salvador, Ângelo revive
seus melhores anos de Banco do
Nordeste e da Faculdade de Direito,
mas, principalmente, da pensão-hotel-república,
mundo de suas aventuras de amor
e perdição. Professor
de dança para americanas,
guia turístico de fala
francesa nos fins de semana, foi
ele um jovem cidadão baiano
no Farol da Barra, no Terreiro
de Jesus, na Praça Castro
Alves, na Avenida Sete, na granfina
Rua Chile, para não falar
das incursões do Mercado
Modelo, da Feira da Água
dos Meninos, nas praias de Amaralina
até Itapoá. Dir-se-ia
um universo de contradições
do maravilhoso pagão e
do místico cristão,
produto da mescla cultural que
só a Bahia consegue ter
e reter.
“Hotel Cachoeira de S. Félix”
é um livro de confissão
à moda de Darcy Ribeiro,
no “O Mulo”. De repente,
o autor se deita num divã
do analista e começa a
contar suas experiências,
suas vivências, a vida das
pessoas que passaram por sua vida.
Pensa e sonha com o que foi real,
dando mais forças aos temperos
das comidas e no doce sabor dos
beijos das namoradas ou das mulheres
de encontros sem compromisso.
De repente, o autor descobre na
força telúrica dos
homens e mulheres rudes do campo,
do casamento do indivíduo
com a natureza, das paixões
debaixo de cobertores domésticos
ou dos lençóis enxovalhados
das casas de tolerância,
um universo de perfumes de mocinhas
de boa família e de fêmeas
de brilhantina barata, tudo numa
vida mais agitada que um furacão
ainda por explodir.
Fe1izmente, o autor fala também
de artes, de sentimentos, de ternuras,
de doces carícias, de inocência,
de momentos em que um minuto vale
por um milhão de séculos,
onde o passageiro é a eternidade.
Tudo uma fotografia verbalizada
do acontecido. Quando registrada,
a palavra não passa!