A
devoção do povão
Wanderlino
Arruda
Na
cidade muito. Na roça, ainda
mais. Em todas as partes, no sertão
ou na beira do mar, na planície
ou no alto das serras, o povo, o
povão sempre buscou o amparo
amigo dos santos. A devoção
simples, mística, ingenuamente
bem intencionada, foi sempre dirigida
na busca de uma ajudazinha nas horas
de aperto, porque ninguém
é de ferro! Afinal, o próprio
folclore, com sua repetição
de boca-em-boca, o doce mistério
das coisas de origem obscura, o
maravilhoso tempero com gosto de
sagrado, tudo leva a alma e o desejo
do simples a uma situação
de busca e sofreguidão. É
a ordem natural das coisas, principalmente
para os que aprendem, de ouvido,
a sabedoria popular. E quem não
tem, neste nosso mundo de alma portuguesa,
pelo menos resquícios de
misticismo? Pelo sim, pelo não...
São José é
patrono do lar, da família
e dos carpinteiros. Quem crê
em São José têm
o trabalho garantido e nunca lhe
faltará o pão. Quem
crê em São José
pode pressentir o dia da morte e
tem o poder de livrar-nos da dor
de dente. Santo Onofre é
guardião da despensa, guarda-comida,
onde que haja mantimentos. É
padroeiro da fartura. São
Lázaro é afastador
de feridas bravas, doenças
da pele, protege quem trata de cachorros
abandonados, sem dono. “São
Bento, água benta, / Jesus
Cristo no altar. / Bicho bravo,
baixe a cabeça, / deixe um
filho de Deus passar.
Santa Bárbara e São
Jerônimo são protetores
contra raios, coriscos e chuvas
forte. Quando acontece uma tempestade,
reza a gente boa e simples: São
Jerônimo, Santa Bárbara,
levem essas trovoadas, que sobre
nós estão armadas,
para bem longe, onde não
existem eira nem beira nem pau de
figueira, nem galo de cantá!.
“Santa Bárbara bendita,
/ no céu está escrito:
/ Com papel e água benta,
/ aplacai esta tormenta”.
Santa Luzia é protetora da
vista. Quando a gente quer tirar
um cisco do olho, a gente pede:
“Corre, corre, cavaleiro,
/ vai à porta de São
Pedro / dizer a Santa Luzia / que
me dê uma pontinha de lenço
/ para tirar este argueiro”.
São Longuinho está
incumbido de encontrar objetos perdidos.
Quando a gente perde um objeto,
a gente dá um nó cego
num pedaço de palha e o coloca
debaixo de uma pedra: “São
Longuinho, você vai ficar
por aqui e só vai ser solto,
quando eu encontrar um canivete
que perdi”. São Gonçalo
do Amarante é o padroeiro
das meninas que querem casar. As
mocinhas devem suplicar assim: “São
Gonçalo do Amarante, / casamenteiro
das moças, / casai-me a mim
primeiro, / São Gonçalo
do Amarante, / feito de pau de alfavaca,
/ que não tem rede e nem
cama, / dorme em couro de vaca”.
Santa Clara é dissipadora
de nevoeiro. São Lucas é
o padroeiro dos médicos.
Santa Cecília é a
padroeira dos músicos. São
Cosme e São Damião
simbolizam a amizade. São
Raimundo Nonato é o amigo
das parturientes. Santa Helena responde
pelo sono perguntas ao futuro. São
Marcos protege o gado e amansa o
mau gênio de crianças
rebeldes. São Miguel é
o guerreiro de Deus.
São Pedro é santo
chaveiro, protetor dos pescadores
e dos marinheiros. É o porteiro
do céu. Quando ele está
arrumando e lavando a casa, lá
em cima, ocorrem os trovões
e as chuvas. Santa Rita de Cássia
resolve as causas impossíveis.
A pessoa que consegue dela uma graça,
publica num jornal a sua oração:
“Santa Rita dos impossíveis,
/ de Jesus sempre estimada, / sede
minha protetora. / Rita, minha advogada
/ valei-me pelas coroas / a primeira
de solteira, / com que fostes coroada.
/ A segunda de casada. / A terceira
de freira, / tocada de divindade.
E o que faz Santo Antônio?
“Aplaca a fúria do
mar, / tira os presos da prisão,
/ o doente torna são, / o
perdido faz achar”. Ou então,
pedido de moça casadoira:
“Meu Santo Antônio querido,
/ eu vos peço por quem sois.
/ Dai-me o primeiro marido, / que
o outro arranjo depois”. Ou
“Meu Santo Antônio querido,
/ meu santo de carne e osso, / se
você não me der um
marido, / não tiro você
do poço”.
São Cristóvão
é o andarilho pelas estradas,
protetor dos motoristas e dos caminhoneiros.
São Judas... Tadeu é
advogado das causas desesperadas
e dos supremos momentos de angústia...