Sorrisos e lágrimas
Houve um dia na história do mundo que deveria ter sido gravado em fita de ouro, conservados todos os sons, todas as cores, os movimentos todos. Não somente uma filmagem pessoal de uma câmara só, um ângulo isolado, mas um belo trabalho de equipe, com lentes naturais e de efeitos vários. Os sons, estes deveriam ser tomados de todas as distâncias, de todos os lados, do alto e do chão, até um microfone semi-enterrado como se faz em jogo de copa. Deve ter sido uma manhã e tarde da maior importância na vida do maiores gênio da arte de todos os tempos, uma coroação de esforços e de momentos de amor do italiano Leonardo da Vinci.
Era a hora final dos retoque do quadro Mona Lisa, aquele minuto marcante de a obra de arte receber a moldura e ser exposto à crítica do tempo e das gentes. La Gioconda havia posado para ele por alguns anos, encantada com toda a equipe de moedores de tintas, de tocadores de alaúde e de cítaras, assoviadores, cantores, fazedores de graças, encantada, sobretudo, com a admiração do mestre e a luz bem distribuída do grande pátio e cenário. O que parecia eterno chegava ao fim!
Assim é a vida. Por mais longo que seja o dia, haverá sempre um crepúsculo. A mais escura das noites, a mais tempestuosa ou a mais alegre e festiva será sempre substituída por uma aurora. As existências se sucedem num vai-e-vem eterno, monótonas para quem não saber ser, mas interessantíssimas para quem tenha olhos de novidades. Não há bem ou mal que nunca se estingue, tudo é passageiro. Definitivo, só o gesto de amor, o bem, a luz que ilumina a alma das criaturas. O mal? O mal também tem prazo de consideração, porque não há trevas que não sejam batidas pela claridade. Um gesto de crença verdadeira muda a história da vida.
Enquanto houver fé e esperança, enquanto houver amor, haverá felicidade. O desespero é o pior ângulo de qualquer atitude, do indivíduo ou da sociedade. Por que não esperar o amanhã?
Estamos, hoje, num desses momentos de real importância em nossas vidas, uma passagem de ano num fim do século e de milênio que - ricos de angústias -, têm marcado profundamente o nosso modo de ser. Uma hora tão decisiva, tão ofenciva à nossa independência, que ninguém, mas ninguém mesmo, fica realmente isolado dos acontecimentos. Se já não era, agora pessoa nenhuma será uma ilha. Vivemos o momento da multidão. É preciso muita garra para vivermos a nossa própria vontade. Vivemos de uma só vez todas as vida, da família, do trabalho, da crença, dos grupos de aptidões, mas, em nenhum momento prevalece o direito realmente individual, aquela vontade saída do próprio coração. Tudo é grupo, dependente. Querendo ou não, um mundo de irmãos, sob o mesmos teto do mundo. Alegres, tristes, sofridos, angustiados, mas unidos. O egoísmo tornou-se uma ilusão, um engodo; somos, na verdade um enorme grupo de aldeia global, sacos de sorrisos e de pancadaria.
Vai para a história o sacrificado 1986, ano, mais do que tudo, de desmentidos, de quedas de mitos, de impensadas aventuras, de tentativas. Vai 1986, um ano duro para todas as criaturas na face da Terra, sem um só dia de paz, e com poucos de contentamento. Vai 1986, um ano das vitórias de Pirro, quando a alegria dos vencedores não chega a sair dos estrados das comemorações. Vai 1986, o ano da verdade, das dívidas com poucas promessas de pagamento, das ilusões de regate, do fundo do poço.
Vem 1987. Que venha com esperanças, com dificuldades estimulando o raciocínio em busca de novas soluções. Que venha com possibilidades de perdão, de reajustamentos, de solidariedade. Que apareça com menos pressa, sem o mar de agitações e, se polêmico, com maior grua de entendimento. Vem 1987. Que seja nele aberta uma fresta para a lembrança das promessas geradas no início de nossa era, na pobrezinha manjedoura do Belém! Havendo amor, haverá muita luz na saída do túnel. E que haja!