Somos donos da história
Você já imaginou como seria o nosso conhecimento do mundo, principalmente da história, se não existissem as palavras? Como seria impossível a comunicação? Como é que iríamos fazer perguntas, transmitir respostas, formular idéias, sem o concurso direto das palavras? Concluiu ou mesmo chegou a pensar alguma vez como estaríamos isolados do pretérito, sem a experiência cultural de nossos antepassados, desligados de todas as experiências antes realizadas? Se já pensou nisso tudo, ótimo! Se você tem consciência de que todos nós, pobres e ricos, novos e velhos, somos membros em atividade do eterno clube dos falantes e ouvintes, ou dos escritores e leitores de todos os tempos, jamais desligados do ato de comunicação, nada melhor! Se já se comunica com facilidade e com precisão, nunca deixando seu interlocutor em dúvida, parabéns! Você é membro da comunidade humana...
A ciência que estuda o significado das palavras, das frases, do falar de todos os povos, é a Semântica, conjunto de normas tão velho e tão novo como a própria história do homem. Homero e Virgílio, Varrão e Aristóteles já se queixaram da volubilidade da significação, de como as palavras perdiam ou ganhavam nova significação ao sabor das mudanças sociais ou políticas, do simples subir ou cair do prestígio deste ou daquele povo.
Como voam as palavras! Mudam-se os costumes, mudam-se os modos de expressão. Reúnem-se gentes da mesma classe ou com os mesmo interesses e aí estão as gírias, a linguagem particular grupal, às vezes até a título de auto proteção, de segurança. Não creio que tenha faltado a qualquer raça ou a qualquer povo um tipo de juventude dourada ou os clãs de sofrimento, de rebeldia, todos criando sua própria forma de expressão, inovando a linguagem... Ipanema é o nosso exemplo atual!
Na verdade, a palavra só tem significado fixo e normal quando ela se encontra encaixada na frase, no período e, mais exatamente, num contexto ou numa situação específica. Aí ela tem valor definitivo ou pelo menos provável, porque, em literatura, por exemplo, deve haver sempre mais de uma possibilidade de interpretação, um dualismo necessário em que coloque o leitor como também participante. O texto científico, o texto didático, a carta comercial, estes devem ser diretos, claros, com significado precioso, único, enxuto jamais podendo deixar ambigüidades ou interpretações duvidosas. Quando Gilberto Freire fala sobre o Nordeste ou sobre o nordestino, a seca, o sofrimento, não pode falar com as possibilidades artísticas de João Cabral de Melo Neto, porque este, poeta, é livre para pensar e fazer pensar em todas as nuanças que as palavras possam oferecer ou permitir. Os dois trabalham sob prismas diferentes.
Saber os significados, interpretá-los, conviver com ele é uma dádiva permitida apenas aos que se candidatam ao trabalho de leituras e estudos diários, de observação constante da realidade e dos sonhos. O mundo da cultura literária ou da ciência exige muito esforço e dedicação pessoal, tornando-se construção lenta e crescente, em camadas que obedeçam a ordenação de pré-requisitos, quase sempre só adquirida mediante orientação pedagógica. Muito difícil é a formação autodidática, principalmente no mundo de hoje, de tantas especializações. É quase que um prêmio aos eleitos!
Mas, é bom que não se esmoreça. Vivemos em sociedade e ninguém pode ficar isolado. Querendo, tudo é possível. Afinal, sabendo ler, todos nós somos donos da história!