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Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros
A chegada do piano em nossa casa aconteceu em minha ausên-
cia. Estava em Francisco Sá, numa apresentação do Corinho Santa
Terezinha dirigido por Padre Murta: cantávamos missas, ladainhas,
tudo em latim. Um chic só!
Foi um acontecimento! Parecia uma festa, a rua inteira veio
olhar!
Aí começou uma época diferente em nossa casa. Mamãe, fes-
teira como era, por qualquer motivo chamava Tia Dulce e a festa
acontecia em volta do piano. Suas mãozinhas pequenas e gordinhas
corriam todo o teclado e os sons maravilhosos enchiam a casa e a rua.
Suas bochechas rosadas ficavam mais viçosas pelo copinho de vinho
tinto, que deixava sobre o piano. Mas bebia pouco. Sua alegria era
natural, provavelmente resultante daquele viver cheio de música.
Às vezes trazia Edith, Silvia dos Anjos (que, para nós meninos,
cantava como um passarinho), Nivaldo, João Leopoldo, Ligia Braga,
entre outros, seus alunos de canto e companheiros de cantoria. Aí
tocava e cantavam de tudo: seresta música religiosa, popular, árias
de ópera. Música para ser ouvida, para ser cantada, dançada, música
estrangeira, brasileira, sambinhas e marchinhas popularescas.
Mas o melhor mesmo era quando tocava só para nós! Em vol-
ta do piano, brigávamos pela ordem em que os pedidos deviam ser
atendidos. Eu, como tocava pouca coisa e só lendo partitura, ficava
encantada com a possibilidade de se tocar tudo. Imagine! Até a “Mula
preta”!
Pelos anos afora, acostumamo-nos com sua presença em todos
os acontecimentos de nossa casa, nossa família e nossa cidade.
Nas primeiras comunhões as crianças enfileiradas na praça da
matriz, em seus vestidos brancos compridos, cantavam sua composi-
ção: “Montes Claros, Montes Claros, entre hosanas de alegria, cele-
bra com brilho novo, a glória da Eucaristia....”
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