Construtores de Montes Claros. [Projeto Gráfico de Dário Teixeira Cotrim e José Rodrigues F. Júnior] - Montes Claros - Minas Gerais - Editora Cotrim Ltda. 2011.
Autobiografia
148 p.
Conteúdo:
I. Literatura Brasileira - Autobiografia I. Título
CDD B869.1
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2011
Wanderlino Arruda
ÍNDICE
Prefácio - 7
Adélia Miranda - 9
Ângelo Soares Neto - 11
Armindo Morais - 15
Augusto Otávio Barbosa - 17
Cândido Simões Canela - 19
Consul Fernanda Ramos - 21
Corbiniano R. Aquino - 25
Darcy Ribeiro - 27
Dário Teixeira Cotrim - 29
Dina Paulino Correia - 31
Doutor José Rameta - 33
Edmilson Oliveira Paz - 35
Enéas Mineiro de Souza - 37
Evany Cavalcante - 41
Ezequiel Pereira - 45
Godofredo Guedes - 47
Haroldo Lívio de Oliveira - 51
Hermes Augusto de Paula - 53
Hermes de Paula e o Folclore - 57
Irmã de Lourdes - 59
Isau Rodrigues de Oliveira - 61
Ivan de Souza Guedes - 65
João Chaves - 69
João de Paula - 71
João Luiz de Almeida - 73
João Valle Maurício - 77
José Comissário Fontes - 79
José Gonçalves de Ulhoa - 81
Karla Celene Campos - 83
Konstantin Christoff - 87
Konstantin e Samuel - 89
Laércio Vitalino Pimenta - 91
Lisbela Alcântara - 93
Luiz de Paula Ferreira - 95
Manoel Quatrocentos - 99
Maria Luiza Silveira Teles - 103
Maria Oliveira - 105
Marina Lorenzo Fernandez - 109
Mary Figueiredo - 111
Monsenhor Osmar - 113
Nathércio França - 115
Neco Santamaria - 117
Nelson Vianna - 119
Osmar Cunha - 121
Padre Adherbal Murta - 123
Pedro Martins Sant’ana - 125
Petrônio Braz - 127
Reivaldo Canela - 131
Roque Ferreira Barreto - 133
Rufino Coelho - 137
Ruth Tupinambá Graça - 139
Sebastião Mendes - Ducho - 141
Wagner Durães - 143
Alguns dos Construtores de Montes Claros - 145
PREFÁCIO
.................A iniciativa do mestre das letras, doutor Wanderlino Arruda, em escrever crônicas sobre as personalidades que construíram a nossa aldeia, por si só já representa uma tarefa das mais gratificantes. É será sempre assim por toda a sua existência, pois só quem ama o que faz é capaz de fazer bem feito, com desprendimento, amor e extremosa dedicação um trabalho textualista dessa magnitude. Escrever sobre os personagens ilustres de nossa terra, principalmente aqueles que já não estão mais entre nós, é um ato de carinho, de afeição e de elevada valorização à figura humana, haja vista que esses nobres montes-clarenses, incluindo aqui, evidentemente, o próprio autor desta influente obra, deixaram um rastro luminoso de mimo à nossa querida cidade de Montes Claros, que a todo instante vem despontando no cenário nacional como um aldeamento repleto de valores intelectuais.
.................Pois, sendo assim, podemos dizer que o livro do doutor Wanderlino Arruda, “Construtores de Montes Claros”, é um compêndio de crônicas alusivas a essas pessoas que participaram – e ainda participam – do desenvolvimento cultural de Montes Claros. Escrito no melhor estilo de sua lavra poética, pleno de informações onde a invenção literária eleva a língua portuguesa até o limite máximo de sua criação. Por outro lado, o significativo fato de constar do seu trabalho - “Construtores de Montes Claros” - os mais belos elogios aos confrades de Academia Montesclarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, isso evidencia o seu amor às instituições que tanto preza e admira.
.........Por tudo isso, podemos dizer que o acadêmico Wanderlino Arruda, o mais importante dos mais importantes construtores de Montes Claros, mostra com doce encantamento, aos seus brilhantes pares das plêiades acadêmicas, um trabalho sério, bonito, competente e totalmente necessário às novas gerações no conhecimento dos nossos valores intelectuais. Nota-se que “o único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário” e Wanderlino Arruda, sabiamente entendeu as palavras do genial Albert Einstein, e trabalhou com afinco e determinação na construção da nossa comunidade. Aliás, este livro representa o que de melhor produziu a literatura montes-clarense nestes últimos tempos. Ele é uma obra de fundamental importância para o estudo da história de Montes Claros. Um livro que certamente estará em todas as estantes de bibliotecas públicas e particulares, bem assim de acadêmicos e estudiosos dos nossos costumes e das nossas tradições históricas. Por conseguinte, guardar esses nomes e preservá-los em livros para que a memória do nosso povo possa perpetuar-se no tempo e no espaço, é um dever de todos nós, membros do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e da Academia de Letras. Portanto, está de parabéns o colega e amigo Wanderlino Arruda pela sua relevante iniciativa em produzir e trazer para os seus amigos/leitores uma obra que demandou redobrados esforços em reunir num só volume os mais valiosos construtores da história de Montes Claros. Uma obra tão necessária e tão esperada por todos aqueles que desejam conhecer um pouco mais sobre a nossa terra e os seus insignes benfeitores.
Dário Teixeira Cotrim
Presidente do IHGMC
ADÉLIA MIRANDA
.........Quase fim de 1988, vejo hoje Adélia Miranda, doce e querida amiga, como a vejo e tenho visto desde os dias em que, quase menino, cheguei a Montes Claros. Ela, também garota, novinha, estudante não me lembro se do Colégio ou do Instituto, era colega de Mary, filha de Dona Tonica, proprietária da pensão onde fiquei morando. Adélia fazia parte de um lindo grupo de Tiana Osório, Belvinda e Lola Chaves, amigas da Mary, tudo gente fina, do melhor trato, um resumo social do melhor que havia. Não demorou muito e todas se viram ligadas a mim, acredito mais pelo inglês que eu sabia e lhes era útil do que propriamente pela minha alegria de viver e pelo meu espírito brincalhão que as fazia rir o tempo todo. Elas granfinas, elegantes, bem postas na vida. Eu, pobre estudante e balconista de duas mudas de roupa, um só par de sapatos, provinciano, salvando-me apenas pela garra de trabalho e estudos e pela confiança no destino que poucos jovens do mundo poderiam ter.
.........Mentalmente, escrevendo esta crônica, vejo Adélia ainda em nossa sala de estudos da casa de Mary, janela para a Rua Afonso Pena, esquina com a Padre Marcos, aquele bequinho que saía do Colégio. Fugindo das horas movimentadas do almoço e do jantar, o ambiente fazia silêncio para as almas jovens, interessadas e estudiosas. Pouco se falava de namoros, de cinemas, de “footing”, mas muito de gramática, de história, de geografia, de latim, territórios em que eu, mesmo nos primeiros dias, já circulava com a maior desenvoltura, inclusive com experiência de redação. Tempo gostoso e bom, quando eu me sentia importante, bem visto, cortejado por uma admiração que
podia ser notada facilmente nos olhos de cada uma. Afinal, como podia aquele garoto de São João do Paraíso saber tanta coisa que a escola não lhes ensinara? Adélia, então, chegava a fazer-me confidências do quanto os nossos encontros eram agradáveis e proveitosos. Ninguém faltava. Ninguém atrasava. Era satisfação que transitava em todas as direções!
.........Muitos anos depois, já longe das escolas secundárias, separados pelo trabalho e pela própria dinâmica da vida, vejo-me, de novo, junto a Adélia nos primeiros dias de Faculdade de Filosofia, quase no mesmo espaço geográfico da pensão da mãe de Mary, uma vez que a FAFIL se instalou exatamente no prédio do Colégio das irmãs. Lá estava Adélia, secretária de todas as horas, doçura de amizade, consideração sem igual, sempre presente em alma jovem e sincera, raro privilégio da vida. Adélia da mesma simpatia, sabor de mel no convívio ameno e prazeroso, suave em todos os momentos! “Quem não gosta de Adélia, de quem gostará?”, eterna pergunta que a beleza de sua própria voz apresenta nos cantos das serestas tão vivas de Montes Claros! Doce Adélia, que agora completa vinte e cinco anos de FAFIL, tão amada quanto no início! Estimada, admirada, querida de todos, linda presença de uma eficiência sem igual. Adélia, a própria FAFIL! Se não existisse, teria de ser inventada!
.........De todos estes anos de FAFIL, também com Belvinda, com Lola, com tantos e notáveis companheiros e companheiras de estudo e de trabalho, jamais será esquecida a figura quase santa de Adélia Miranda, grande secretária! Para este primeiro quarto de século, muitos tributos ainda serão cobrados em favor da importância do trabalho de muitos dirigentes, de centenas de professores, de funcionários estimadíssimos, até de um punhado de bons alunos. Nenhuma figura, entretanto, em nenhuma época, será tão importante como a de nossa doce Adélia, grande Adélia Miranda amada e protegida de Deus e de todos os deuses da amizade e do amor!
.........Que o futuro lhe seja sempre luminoso e cheio de sonoridades. Tão lindo como as suas melodias na seresta de nossa Minas Gerais!
ÂNGELO SOARES NETO
.........Já não é mais tempo de escrever sobre o “Hotel Cachoeira de S. Felix”, considerado o grande tempo que nos separa do lançamento feito em Montes Claros pelo meu amigo e colega Ângelo Soares Neto. Faço-o, entretanto, considerando, agora a eleição do Ângelo para a Academia Montes-clarense de Letras e sua posse festiva em janeiro que vem. É, assim, uma lembrança muito grata da leitura que fiz há dois anos, do romance escrito em Salvador pelo montes-clarense de Taiobeiras, o amado filho de D. Laura. Acrescente-se também a recordação de um interessante discurso feito no lançamento por Ubaldino Assis, tio e conselheiro do romancista, um desfilar de apontamentos entre o racional e o apaixonado, coisas de quando o Ângelo era garoto, menino de recados do Banco do Nordeste, aluno do velho Instituto do Dr. João Luiz.
.........O tempo passa, a experiência amadurece, as visões e as realidades da paisagem de muitos pedaços de Brasil vão se fixando na memória do escritor. A imensidão de Brasília, o vertical, o horizontal, as linhas curvas da arte de Lúcio Costa e de Niemeyer, a busca da solidariedade, o mando, o asfalto, o agreste, a imensidão do planalto de Goiás, tudo fica retido. Ao lado ou como superposição, o mar, o verde mar de Iracema, a lagoa azul de Iracema, a praça do Ferreira, a Aldeota, a cajuína, o caju, a graviola, o mercado, o calor de Fortaleza e, como símbolo do Ceará, a serra do Baturité. De longe, como memória de infância, o gerais, o serrado, o frio, a garoa, os pequis de Taiobeiras. Muito de Irecê, de Itabuna, de Propriá, de Guanambi, um mundo, um mundão desta terra descoberta por Cabral.
.........De Montes Claros, Ângelo revive uma gostosa vida de menino levado, parada dura no Grêmio do Instituto Norte Mineiro, curso de contabilidade, primeiras namoradas, feijão-tropeiro, torresmo, quebra-queixo, seresta, cinemas aos domingos para ver os seriados, conversas perdidas na frente da casa de Konstantin, solteirão da rua D. João Pimenta. Acredito que, além da diversão que era muita, aconteceu também muita leitura nos escritos de Cândido Canela, Olyntho e Yvonne Silveira, Nelson Viana, João Chaves, substrato que floresce, hoje, em muitas de suas ideias.
.........Claro que a evidência maior é mesmo a da cidade de São Salvador, principalmente do Largo do Pelourinho, campo de batalha antigo de estudantes e intelectuais e atual de prostitutas e viciados, vivendo eternamente de batidas da polícia. De Salvador, Ângelo revive seus melhores anos de Banco do Nordeste e da Faculdade de Direito, mas, principalmente, da pensão-hotel-república, mundo de suas aventuras de amor e perdição. Professor de dança para americanas, guia turístico de fala francesa nos fins de semana, foi ele um jovem cidadão baiano no Farol da Barra, no Terreiro de Jesus, na Praça Castro Alves, na Avenida Sete, na granfina Rua Chile, para não falar das incursões do Mercado Modelo, da Feira da Água dos Meninos, nas praias de Amaralina até Itapoã. Dir-se-ia um universo de contradições do maravilhoso pagão e do místico cristão, produto da mescla cultural que só a Bahia consegue ter e reter.
.........“Hotel Cachoeira de S. Félix” é um livro de confissão à moda de Darcy Ribeiro, em “O Mulo”. De repente, o autor se deita num divã do analista e começa a contar suas experiências, suas vivências, a vida das pessoas que passaram por sua vida. Pensa e sonha com o que foi real, dando mais forças aos temperos das comidas e no doce sabor dos beijos das namoradas ou das mulheres de encontros sem compromisso. De repente, o autor descobre na força telúrica dos homens e mulheres rudes do campo, do casamento do indivíduo com a natureza, das paixões de baixo de cobertores domésticos ou dos lençóis enxovalhados das casas de tolerância, um universo de perfumes de mocinhas de boa família e de fêmeas de brilhantina barata, tudo numa vida mais agitada que um furacão ainda por explodir.
.........Felizmente, o autor fala também de artes, de sentimentos, de ternuras, de doces carícias, de inocência, de momentos em que um minuto vale por um milhão de séculos, onde o passageiro é a eternidade. Tudo uma fotografia verbalizada do acontecido. Quando registrada, a palavra não passa!
ARMINDO MORAIS
.........Os revoltosos iriam chegar a qualquer hora e, para passar por Salinas, a fazenda do meu avô João Morais tinha que ser caminho obrigatório. Como esperá-los seria loucura ou, no mínimo, ato bem arriscado, todo o pessoal da fazenda tratou depressa de tirar o time de campo e descobrir o lugar mais isolado e seguro que fosse possível encontrar. Aliás, isso não seria problema, pois, quem mais conhece mesmo a sua fazenda é o fazendeiro. Meu avô deu ordens expressas para que levassem de um tudo, o necessário para uma agradável aventura de pelo menos trinta dias: material de cozinha, roupas de
dormir e de vestir, vacas de leite, garrotinhos de carne macia, porcos, cabritos, frangos e galinhas, capões, todas as abóboras e maxixes e raízes de mandioca mansa que pudessem tirar, sal, tempero, rapadura, açúcar de pedra, e mais todos os etcéteras – etcéteras. Também o mais importante para os trinta dias de festas: pandeiros, violões, sanfonas e um ou outro garrafão da melhor pinga do alambique, não muita, porque minha família nunca foi de beber lá esse tanto.
.........Quando penso nessa proeza, não posso fugir à lembrança de saída dos judeus para a Terra Prometida, com Moisés e Josué dirigindo o povo com todos os animais e todos os terecos de valor. Para governar o rebanho, foi nomeado o filho mais velho, o mais ajuizado, o defensor intransigente do patrimônio, já quase em ponto de se casar, o Armindo Morais. Todos contam, ainda hoje, da pequena viagem, como uma grande saga, um ato de alegre heroísmo, um descontra-ído sacrifício de velhos e jovens, de patrões e agregados, Mamãe conta que, mesmo nas paradas para o descanso das mulas de carga, o sanfoneiro tinha de tocar e a dança era obrigatória. Para qualquer fomezinha, morria logo uma leitoa, o arroz com carne, cozinhava fumegando de gostoso. Todos gozavam a vida e só o Armindo dava o toque de responsabilidade no verdadeiro serviço, só ele comandava para assunto sério.
.........Conto esta estória para dizer que talvez tenha sido nesse imprevisto contra-revolucionário de 1926 o grande início de vida do meu Tio Armindo, um homem de sessenta anos de trabalhos, do dia que se entendeu por gente até a hora final por acidente numa fazenda do Pará. Todo o tempo de sua existência foi tempo sem férias ou feriados e, como não podia deixar de ser, a última viagem era também de serviço. O melhor descanso – dizia – era um bom exercício, uma atividade para ocupar a cabeça, dar tratos ao juízo. Quando sentiu terminar sua tarefa de fazer as fazendas de Salinas, Cachoeira de Pajéu e numa espécie de sesmaria que comprou de Filomeno Ribeiro pelas bandas do Rio Caitetu, pulou de fronteiras e iniciou um novo império nas matas da Amazônia. Não era homem de pequenos lotes de terra, era um bandeirante e um colonizador, seja em Salinas, seja em Montes Claros.
.........Foi conversando com Tio Armindo, aconselhado-o e dele recebendo conselho, interrogando-o sempre sobre a importância da terra e da vida, sobre a pragmática do trabalho e a vantagem de saber pensar, é que criei dentro de mim um grande respeito pelo fazendeiro, pelo homem do campo, a única nação de gente que sabe unir o suor à meditação, sabe remoer calado as fatias de beleza de todas as horas do dia.
AUGUSTO OTÁVIO BARBOSA
.........Se ainda estivesse materialmente entre nós, Neném (Augusto Octávio) Barbosa estava completando quase cem anos de vida de trabalho e interesse por tudo quanto era bonito nas pessoas e na Natureza. Foi um mês de abril, tempo de sol e fim de estação chuvosa que ele nasceu para ser sertanejo e desbravador, estudioso de todas as horas, homem da fazenda e do comércio, observador do código de ética maior que pauta a existência dos grandes homens. Educado, fino, sabia falar à inteligência e ao coração, sempre excelente ouvinte, ponderado como ninguém. Um cavalheiro de tempo integral!
.........Se estivesse ainda conosco, se estivesse fisicamente à disposição dos amigos - que eram muitos – Neném, mesmo com a muita idade, ainda estaria prestando relevantes serviços, sempre pronto e bem preparado para dirigir e aconselhar. Era um notável fixador de caminhos, orientador de rotas, finíssimo
arquiteto de muitos projetos de vida. Bom leitor, de várias horas de leitura por dia, Neném Barbosa era possuidor de uma vasta cultura, qualidade intelectual tão grande que se posicionava ao mesmo nível da cultura da esposa e professora Dona Jenny, assim como da querida filha Luizinha, esta uma das mulheres mais inteligentes e mais dedicadas ao saber filosófico e literário da história de Montes Claros.
.........Chego a acreditar que grande parte dos conhecimentos de Luizinha tenha vindo de Neném Barbosa, seu eterno preceptor. Os dois foram sempre uma bela união de vontades, uma definitiva sintonia de valores.
.........Luizinha Barbosa está aí para demonstrar o quanto Augusto Octávio, seu pai, foi importante em sua vida e quanto ele foi importante para a cidade e para a região. E o que ela sabe, o que ela é, o que ela vê como obrigação de dirigir, organizar e manter o patrimônio da sensatez de Neném é algo que só a fibra de uma grande mulher pode garantir.
.........Eterna secretária do pai e de Dona Jenny, Luizinha segue uma trajetória que Neném traçou e que precisa ser preservada. Para que o leitor tenha uma ideia do legítimo pensamento de Augusto Octávio Barbosa, transcrevo, em fim de comentário, um texto que ele me ofereceu em setembro de 1975, que poderá ser a marca de muitas vidas. Ei-lo, para proveito de quem me lê: “Deus, Dai-nos a graça da moderação, o privilégio de sermos gratos. Que todos os nossos atos sejam pautados dentro do bom senso; que as nossas palavras só sejam liberadas depois que passarem pelo crivo da censura íntima. Ajudai-nos, Senhor, a agir com ponderação e não perder o domínio de nós mesmos, principalmente quando recebermos agressões verbais que atinjam nosso amor próprio.
.........Nessas ocasiões. Pedimos a Vós não nos deixar ser tomados pela cólera, tóxico maligno que leva à precipitação e intemperança, contribuindo para o exceder-nos, dando, quase sempre, como discussões acaloradas que, no resumo, nada de proveitoso nos deixam. Suplicamos auxiliar-nos a evitar palavras inúteis e a servir da paciência e do silêncio como instrumentos preciosos para contarmos as situações difíceis. Eterna a boa memória, a saudade dos bons tempos de convívio com Neném Barbosa!
CÂNDIDO SIMÕES CANELA
.........Grande Poeta, de nome nacional, pois vencedor de concursos em outros estados, mesmo à revelia, sem ser candidato. Homem de sensibilidade, coração à flor da pele, teve todo o tempo voltado às atividades intelectuais, coisas do espírito. Cândido, mais do que montes-clarense, era um sertanejo autêntico, amante de tudo que era do povo simples, verdadeiro. Conhecia profundamente as minúcias do falar e do viver da gente norte-mineira: sua poesia, sua prosa mais do que típica, suas manias, tudo! Nada havia de oculto para ele. Era um desnudador de consciências, fosse através da observação pessoal, fosse por meio do diálogo franco, que sabia aproveitar em cada minuto da vida, principalmente no que se referia à natureza, sua maior paixão.
.........Conheci Cândido Canela desde que cheguei a Montes Claros no início da década de cinquenta. Sempre tive dele como homem público, político, poeta, escritor, leitor, a melhor das impressões. Sempre admirei grandemente sua luminosa inteligência, sua capacidade de absorver o lado interessante de um gesto, de um olhar, ou de uma expressão. Lírico, sagaz, irônico, irreverente, era às vezes, um santo, um puro de coração, e, em muitas, um interessante crítico das falsidades humanas. Uma situação nunca era encontrada em Cândido Canela: a neutralidade. Ele estava sempre contra ou a favor dos acontecimentos, das pessoas ou das coisas. Parece que nunca aprendeu as lições do silêncio, pois em tudo tinha de emitir sua opinião. Tinha e sabia ter seu lado da verdade.
.........Para Cândido, como também era para Fernando Pessoa, o valor das coisas nunca estava no tempo em que elas duravam, mas na intensidade com que aconteciam. Em toda a sua vida de muito cérebro e muito coração, sempre sensíveis, todos os momentos foram de intensa experiência de vida, seja na família, no trabalho do Cartório, na imprensa, na tribuna política, nos debates da cultura, na prosa e na poesia. Sábio e admirado orador, espírito de uma alegria incrível em qualquer situação, soube criar laços ricos de consideração e amizade. Cada momento seu seguramente inesquecível. Palavras, frases, conjunto de ideias, tudo marcava presença. Lembro-me como hoje de um encontro que tivemos em sua casa, quando Olyntho Silveira e eu acompanhamos, em visita, o grande intelectual Aires da Mata Machado Filho. Foi um encontro mais do que cordial, bonito, elegante, cheio de virtudes e de malícias, que só duas magníficas inteligências podiam fazer acontecer. Um debate e tanto, de que Olyntho e eu poucas vezes participamos, não só porque os dois não paravam de falar e esgrimir ideias, mas porque, para nós, o melhor era ouvi-los. Minutos e horas valiosíssimas, um prêmio existencial!
.........Mais do que sagaz, entre o ter razão e o ser feliz, Cândido escolhia as duas situações. Para ele - bom mineiro que era - as ideias podiam até brigar, mas as pessoas não, nunca. As divergências passam, mas a amizade e o respeito têm que permanecer. Homem de liderança, ele sempre dava razão para a gente gostar dele. Companheiro leal, alegremente respeitoso, agia no interesse geral, longe do egoísmo que dificulta a vida. Compreendia cada situação com extrema paciência, olhando para fora como sonhador, e para dentro como ser de consciência reta e digna. Hábil, mais do que tudo hábil, sempre soube fazer boas escolhas. Das coisas, das situações, dos momentos, dos amigos. Já que a vida, como uma peça de teatro, não permite ensaios, Cândido cantou, chorou, dançou, riu, bateu palmas, aplaudiu e foi aplaudido. Mais do que tudo, viveu intensamente. E como viveu!
.........Cândido, importante montes-clarense, foi membro das academias Montes-Clarense de Letras e Municipalista de Letras de Minas Gerais. Foi radialista, cronista, colaborador constante de vários jornais, em todo o tempo amado e admirado.
CONSUL FERNANDA RAMOS
.........Segundo Aristóteles, a grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las. E conforme Edith Wharton, há duas maneiras de irradiar a luz: ser a própria fonte de brilho ou o espelho que a reflete. Grandeza, honra, luz, fonte, espelho, reflexo, um universo de palavras indicativas de valor e mérito.
Em todas estas ideias e seus significados posso emoldurar a mulher corajosa e cheia de ideais, que é D. Maria Fernanda Reis de Brito Ramos, Cônsul Honorária de Portugal no Norte de Minas, minha amiga e mestra de longo tempo em vários setores da vida. A mesma D. Fernanda que é capaz de elogiar sem rodeios ou demonstrar uma inconformidade sem indecisões.
.........É para esta mulher guerreira, que fazemos uma festa espiritual em comemoração aos seus oitenta anos, mais do que bem vividos. Multipliquemos os seus janeiros por meses e dias ou por horas e minutos, e podemos estar certos de que qualquer medida de sua existência vem gravada de proveitoso
construir, do muito amar, de um esforço incrível para melhorar a vida e o viver. Dela mesma e de muitos. Dona Fernanda é um dínamo sem medida de voltagem, uma criatura sem limites na busca da perfeição, exigência própria, exigência com quem estiver à sua frente ou ao seu lado. Sempre chuva, nunca neblina, nada em D. Fernanda é calmaria, nada. Para ela, a vida é busca incessante do que fazer, do como agir, do assinalar exemplos, uma corrida olímpica de pistas e de pódios. É vencer ou vencer!
.........A Montes Claros já chegou D. Fernanda, jovem esposa de Artur Loureiro Ramos, para ser grandeza do comércio e da indústria, vivência e trabalho na Casa Luso-Brasileira, centro e coração da cidade. Forte acento no caprichado falar da Universidade de Coimbra, onde a Faculdade de Engenharia lhe permitiu belíssima formação intelectual e liderança. Aqui o seu maior contato com a realidade regional e brasileira, a sua consolidação no trato de tudo e com todos. Atitudes fortes, cada atuação mais do que definida: a família, os amigos, as companheiras e os companheiros de intelectualidade, o trato social mais do que valorizado. Mínima a distância entre o ser e o atuar. Até no dia-a-dia foi moça de sorte, porque a Casa Ramos ficava exatamente na única esquina das duas ruas calçadas, a Rua Quinze e a Rua Simeão Ribeiro, quando toda inteireza urbana era vermelhidão de poeira.
.........Dona Fernanda esteve sempre de bem com a vida, Algum descanso na Fazenda Vista Alegre, algum tempo em reuniões do Clube Montes Claros, do Automóvel Clube, da Associação Comercial e Industrial. Importante na fundação do Elos de Montes Claros, na Sociedade das Amigas da Cultura, na Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas, no Instituto Histórico e Geográfico. Importantíssimas as atividades de D. Fernanda como líder elista: conselheira, diretora, presidente internacional. Sempre presente em encontros regionais e inter-países, principalmente em convenções. Como presidente internacional tomou várias iniciativas de elevada repercussão, valorizando grandemente o Brasil e Portugal, além de benefícios aos países irmãos de fala lusitana. Um valioso exemplo de solidariedade e amor!
.........Três fatos marcam definitivamente o seu prestígio: a vinda do Cônsul Sá Coutinho e esposa na fundação do Elos de Montes Claros, a homenagem que a dra. Manuela Aguiar, deputada federal em Lisboa, veio trazer-lhe pessoalmente na Sociedade das Amigas da Cultura de Minas Gerais e a sua escolha pelo governo português para o cargo de Cônsul Honorária no Norte de Minas. Quantos e quantos dirigentes do Elos Internacional vieram a Montes Claros a seu convite, por força do seu valor! Lembro-me como se fosse hoje da grande festa de inauguração do Consulado, na sua antiga residência da Avenida Cel. Prates, agora Praça Portugal. Muito difícil repetir o sucesso de D. Fernanda Ramos como o da sua presidência na ADCE, dias realmente dourados para o prestígio da instituição. Com que entusiasmo D. Fernanda planejou, construiu e vem mantendo o Hotel Fazenda Vista Alegre, local aprazível não só para hospedagens, como também para realização de eventos.
.........Léon Denis, o sábio pensador francês, sempre achou que não basta crer e saber. É sempre necessário viver e fazer praticar na vida princípios superiores. Nossa existência tem que ser alegre, harmoniosa, plena de bênçãos de paz e de amor, sempre e sempre despertando esperanças. Não há como negar ser o amor a realidade mais pujante, porque o amar é o grande desafio. O amor deve ser causa, meio e fim. É por isso e por muito mais que Maria Fernanda Reis de Brito Ramos, nossa querida Cônsul, Companheira e Amiga, vive e sobrevive em razão dos seus muitos sonhos. Agora nos seus bem norteados oitenta anos e ainda por muito tempo mais. Bem haja!
CORBINIANO R. AQUINO
.........Com tristeza e, ao mesmo tempo, alegria, vejo mais um amigo e companheiro, Corbiniano R. Aquino, o tão querido Corby, fazer a grande viagem de volta ao Mundo Maior, deixando-nos um tanto órfãos de sua presença e bondade, sempre consideradas agradáveis e proveitosas em todos esses anos em que estivemos juntos. Tristeza, porque, mesmo sabendo não-imortais, nunca esperamos de imediato a ausência dos que nos são caros, principalmente os mais aprumados do nosso viver e conviver.
.........Por mais que saibamos da realidade da morte nunca a aceitamos sem queixas e saudades e, assim, toda ausência definitiva parece nunca vir no tempo certo, tem sempre um tom de antecipação. Alegria, porque nada melhor e mais gratificante do que a sensação de ver concluída uma vida e lutas e vitórias, a certeza do dever cumprido, o coroamento do êxito, a consolidação das amizades verdadeiras.
.........Corby foi grande amigo, constante, atual, um bom irmão, colega, condiscípulo na escola do trabalho, mestre-professor sensível e determinado de todas as horas. Ele não passou pela vida simplesmente. Viveu-a no que ela tem de melhor, de mais útil, na seara do esforço incansável de cada dia, sem paradas, sem perguntar a que veio, mas com a sincera disposição de quem sabia porque estava no mundo. A boa hora para Corby era aquele tempo em que podia ser lucrativo em termos de cultura, de conforto, de progresso e evolução para todos que lhe seguiam a trajetória da romagem terrena.
.........Nunca só viver o bem social, um conjunto de valores isolado. Um não vigoroso e efetivo ao egoísmo. O bem de Corby foi que pudesse, sem dúvida, trazer a felicidade ao maior número possível de pessoas. Viver, viver muito, mas acima de tudo, conviver!
.........Sei que muitas pessoas só conheceram Corby como industrial e comerciante. Sei que muitas só o consideraram como líder classista, na ACI, como filantropo na Maçonaria, como orador e conferencista em entidades públicas e escolas. Alguns o conheceram como homem de fino trato, social e sociável, sério e alegre, amigo, acolhedor. Alguns o viram no cultivo da terra, vidrado em plantações, pelo colorido das flores, por tudo que o solo produz, enriquece e embeleza a vida. Mas quanto eu gostaria que os nossos contemporâneos tivessem aproveitado mais de sua inteligência como escritor e poeta, de sua habilidade como desenhista, de sua lógica contundente nos assuntos da sabedoria e do espírito! Foi ele um grande pensador, homem de cultura em todos os aspectos.
.........Autor de um livro publicado – “ACONTECEU EM SERRA AZUL” – e outro por publicar – “ACONTECEU” dois excelentes romances, muita coisa ainda virá a lume para lhe dar um reconhecimento póstumo. Bom advogado, respeitado químico, redator consciente da gramática, espero não demorar muito o dia em que Corbiniano seja citado como um dos nossos melhores intelectuais. Na imprevista ideologia da política e dos políticos mineiros, não basta nem satisfaz só o existir, é preciso que haja recompensa. E claro que ele a merece. Ninguém perde por esperar! A justiça tarda, mas não falta.
DARCY RIBEIRO
.........O lançamento do segundo romance de Darcy Ribeiro-”O MULO”- na Academia Montesclarense de Letras, numa descontraída noite de quinta-feira de dezembro, foi um reencontro de alegria e de contrastes, com um amado e temido filho da terra a derramar nos ouvidos o mel e o fel de santas heresias e virtudes. Ora terno, doente de romantismo, saudoso filho de dona Fininha Silveira, ora demolidor, prenhe de força belicosa, irmão de Mário Ribeiro, ora compulsivamente criativo, primo espiritual de Konstantin Christoff. É que Darcy Ribeiro nasceu pouco adaptado ao modo e ao jeito dos mineiros, nunca afeito ao silêncio, ao retraimento, mas, ao contrário, incomodo para inteligências e sentimentos preguiçosos, bisturi ou látego autoconduzido e sempre a si mesmo proclamado.
.........Ao contrário de Ciro dos Anjos, outro montes-clarense famoso no mundo das Letras, este sereno, machadiano, universalista, acomodado como um velho funcionário público, a curtir um silêncio invisível, Darcy Ribeiro é e afigura-se agitado, fogoso, tropicalmente brasileiro, aquecido de alma e corpo, de lufa e de luta, instintivo, felino como um condor. De inteligência selvagem, incontida, Darcy raciocina como uma ventania de amor a tudo que é cultura. Curtido primitivamente no sol e no solo do sertão de Montes Claros, fruto teórico de ternura e de instinto, de voluptuosa ambição de mundo. Darcy é um caldeirão efervescente de ideias como a querer viver em uma só vida todas as vidas. Mortal, tem pretensões de imortalidade e imortal se fez pelos feitos multifeitos.
.........Bem brasileiro, latinamente apaixonado, traz na alma o Mulo Darcy retalhos de peles de todas as cores: a cor do índio, a cor do negro, lembranças atávicas do misticismo dos celtas, aguerrida força de velhos godos, gosto de mando da alma ibérica, uma noção tão grande de espaço e de glória que só navegadores fenícios poderiam ter impregnado o sangue de marinheiros do velho Portugal. Tem mais: Darcy é lúbrico como um cristão novo, fogoso como um nômade cavaleiro árabe. Na verdade, é um homem com a alma da raça, e não só da portuguesa, da índia e da africana, misturadas no cadinho brasileiro. E da raça humana, pois portador de muitas virtudes e de muitos defeitos, um caldo bem temperado de semens jorrados do chuveiro eterno, não sei porque nascido em Montes Claros.
.........O MULO é esta cidade sedenta de força humanamente parceira de Deus na distribuição da vida e da morte; divinamente sequiosa na busca de amor, criadoramente envolvente na caça do mando e do poder. Sensual, oportunista, material, religiosamente mística, faminta da novidade, sonhadora de futuro. O MULO é um pedaço de cada criatura que viva ébria da própria terra natal, homem ou mulher. O MULO tem muito de João Valle Maurício na palavra e na sutileza, muito de Konstantin no arregalo da anatomia, no desenhar das forças; muito de Crispim da Rocha no faro do homem do mato, forte e inteligente; muito de Filomeno na sede do ter e do governar; muito de Plínio Ribeiro, no misticismo, no gosto do idear, no ser e não ser da vida. O MULO é Darcy e é Mário Ribeiro, inconsequentes e perseverantes, sempre determinados.
.........O MULO, centro de uma bem romanceada trama de Realismo e Naturalismo, barroco talvez pelos contrastes, hereditariamente marcado pelo destino, fruto do amor e do desamor, sem peias, sem origem e sem destino produto da terra e da carne, somos-isso é verdade-todos nós, pequenas grandiosas criaturas no sofrer e no gozar. E que Deus nos perdoe-Amém.
DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
.........De quando o homem se viu colocado na primeira manifestação literária, mesmo antes do texto escrito, a melhor forma de arte que encontrou foi a fala poética. Inicialmente, pelo menos em Português, o verso paralelístico, a cantiga de amor, a cantiga de amigo, a cantiga de maldizer. Poesia para ser cantada, repetida de memória em portas de hospedarias, nas tabernas, à beira das estradas ou nos palácios reais, o poema de amor à gente ou à terra, sempre com laivos de emoção e sonoridade que só o verso pode ter. Assim, o poeta, homem ou mulher, jovem ou velho, mas apaixonado pelo musical da língua, nunca pôde fugir do bom e do gostoso da arte de poetar. E como Deus fez o mundo com luz, o versejador fez o idioma com versos. E a poesia foi feita...
.........É por isso que Dário Teixeira Cotrim, falante do mesmo idioma de El-Rei Dom Dinis, de Paio Soares de Taveirós, de Camões, de Bilac, de Fernando Pessoa ou de Cândido Canela, também há de cometer seus versos, cantando a velha Bahia, sentindo no peito a necessidade de extravasar-se na paixão do menino e no namoro do adolescente. Vive a natureza pura, adoece de saudade com os mesmos sintomas de todos os poetas, sofre e canta o sofrimento. É a tradição dos que amam acima da linha de nível do amor comum. Dário Teixeira Cotrim ama a terra, ama o povo e se embeiça pelo amor do próprio sangue, da própria raça interiorana de baianos de fé e de coragem.
.........“A Casa Grande de Mãe-Véia” é, pois, um canto de pura saudade, um rememorar de eternas lembranças dos companheiros de meninice, dos parentes mais velhos, da escola primitiva, do “back-ground” de um tempo de vida alegre e descompromissada, sem horários, sem livros de pontos, sem dígitos e sem teclados, onde o computador de hoje era o mundo de rios, morros e montanhas, pedaços de capão-de-mato. Dário Teixeira Cotrim foi sempre um saudosista, um vidente ao contrário, muito mais de passado, muito pouco de futuro. Se o presente é bom, o pretérito é melhor, é mais rico, mais prenhe de sutilezas com infinitas doçuras de mocidade. Na sua memória, a igrejinha, o curral, a estrada, as cercas com lonjuras de acabar de vista, os pastos, os animais dentro dos pastos, as nuvens despidas de sol ou carregadas de chuvas, o amanhecer, o crepúsculo, os brinquedos de roda, do pega-ladrão, do fazer-a-gata-parir, o montar em pelo, o banho de rio e de lagoa, a arapuca, o quebra, o estilingue, o bodoque, o eterno buscar umbu quando umbu está começando a amadurecer. Tudo num mundão de sonhos e de doces realidades, que só o interiorano conhece e sabe reconhecer.
.........Fez muito bem o poeta em poetar sua poesia. Modesto, diz que não quer fama, não espera vender o exemplar na livraria, não pensa em edições milionárias e de luxo. Dário Teixeira Cotrim quer sua poesia na boca e no coração do seu povo, dos seus amigos e colegas de banco, mas sobretudo, na boca do povo baiano de Ceraíma, que teve a felicidade de nascer ali perto da casa grande de “Mãe-Véia”. Se esses baianos lerem seu livro, senti-lo e com ele se emocionar, tudo bem, o esforço foi pago, o poeta viverá feliz. E mais vale a felicidade do poeta e da gente do seu sangue, que o dinheiro de todos os ricos! Viva o amor!
.........E eu, como amigo e companheiro de lutas, também me sentirei gratificado. E muito!
DINA PAULINO CORREIA
.........Os noventa anos de coragem e alegria, que sempre marcaram nobreza, nunca envelheceram em Enedina Paulino Correia - nossa querida Dona Dina - a sua crença de amor à vida. Tem sido quase um século de invenção e re-invenção diárias, cada momento dedicado ao melhor da consideração humana. Sempre pensamentos de bondade e beleza irradiando positividade e fé, sempre o mais fino trato no ser, no estar e no compartilhar. Definitivamente marcante o amor à família, aos colegas de trabalho, aos amigos. Máxima elegância sempre! Filha de pai advogado e cronista da Gazeta do Norte, Dona Dina nasceu em Grão Mogol no quatorze de maio de 1919 e só veio para Montes Claros dois anos depois. Morou em Pires e Albuquerque oito, casou-se com dezenove. Porque o marido Geraldo de Paula Correia foi para São Paulo e voltou doente, a ela sozinha coube criar e educar os filhos Pedro, Theodomiro, Terezinha, Nadir, Carlos, Itamar, Geralda e Cláudia. Antes da aposentadoria aos trinta e cinco anos de trabalho na Escola Normal - direção de D. Taúde, de Luiz Pires, de Francolino e Sônia Quadros - sei que muitos foram os biscoitos e doces feitos no forno e fogão do Alto do Santo Expedito, casinha humilde, embora imponentemente rodeada de bonitas mangueiras. O terreno era de Neném Barbosa e ficava mais ou menos onde está o Montes Claros Shopping Center. Era de lá que o filho Theodomiro saia com a bandeja cheia para as vendas em domicílio. Dona Dina fazia questão de ter, fora do horário da escola, todos os filhos e filhas também trabalhando para garantir a lenha da cozinha e a feira dos sábados. Ela dava o melhor exemplo e fazia questão de ser seguida. Fui colega de Dona Dina, por duas vezes, no sobradão da Coronel Celestino, em 1954, quando lecionei inglês, e na Avenida Mestra Fininha, de 1965 a 1970 , quando eu era professor de português e literatura para as turmas do científico. Foi um tempo maravilhoso em nossas vidas, pois muitas e muitas amizades feitas naquela época duram até hoje e nos seguirão ao longo da jornada terrena. Dona Dina foi sempre uma colega perfeita, dedicada, presente, para mim e para todos os companheiros de trabalho, uma amiga insubstituível. Sua educação de berço, a voz sempre comedida, os olhos sempre brilhantes de consideração e amizade eram marcas de uma personalidade inesquecível para qualquer tipo de histórico pessoal. Podemos nos esquecer do que as pessoas nos dizem, mas jamais olvidaremos da forma que elas nos tratam, de como elas nos fazem sentir. Como nunca virou as costas para a vida, Dona Dina tem milhares de amigos e um milhão de admiradores. Para cada dificuldade e cada desafio, ela descobriu as respostas e a melhor forma de superá-los. Uma criatura de muitas vitórias! Com bom humor espalhando mais do que simples felicidade, Dona Dina é digna de todas as riquezas do mundo, de todos os horizontes de esperança, de todo o despertar dos sonhos. Fazendo sempre a sua parte e, muitas vezes, até a dos outros, nossa homenageada é força visível e invisível do bem, suficientemente
poderosa para transformar para melhor qualquer um dos nossos momentos. Se vivo fosse Henfil, ele poderia dizer que, em toda existência de Dona Dina houve frutos e valeu a beleza das flores, houve flores e valeu a sombra das folhas, houve folhas e valeu a intenção das sementes. Nesta comemoração dos novent’anos, pedimos ao bom Deus que sempre protegeu Dona Dina e os que lhe são queridos - oito filhos, vinte e cinco netos, vinte e três bisnetos - continue sempre amparando a todos com a infinita e majestosa luz do amor!
DOUTOR JOSÉ RAMETA
.........Nascido em São Paulo, mas transmudado de vida e vivências para a velha vila do Sapé, meio de mata e canteiro de construção ferroviária, José Rameta enriqueceu-se de realismo mágico e purificou-se de simplicidade interiorana, qualidades endereçadas à sua futura atividade literária. Acompanhando Salvador, pai, no trabalho, e D. Lia, mãe, no trato com as coisas de Deus e da casa, fez escola de humanismo, preparou-se para conferir às pessoas e aos assuntos, existência de eternidade. Observador sensível, dotado de bondade e finura, nem a timidez lhe tira a capacidade de construção do bem.
.........Escrever, contar “causos” tem sido um complemento das horas de trabalho do doutor ginecologista, sempre muito ocupado, trabalhador que trabalha em área de diversão de muitos, segundo poderia dizer a fala alegre dos humoristas. Contista, é espelho refletindo universos do consultório médico, das salas de parto ou de cirurgia, que podem estar em qualquer parte do mundo. Tem bom poder de enredar, criar, construir ambientes, sugerir dramas, despertar emoções. Nele é sempre perceptível a busca e a espera do clímax.
.........Em “Os Meninos do Sapé”, Rameta demonstra-se um saudosista que sabe evocar cenas de encantamento tipo primeira noite de um homem, recordos do garoto e do rapaz estudante. Muitas são as visões que circulam entre o cômico e o trágico, sempre temperadas de malícia comedida, com doses de místico fatalismo. Um misterioso, muitas vezes saudado pela maestria do balanço das frases e das palavras, todas tão simples como o seu modo de ser e de viver. Estas são as facetas que vão despertar o leitor para uma leitura gostosa, transparente como as águas do Rio Verde, que inspiraram o escritor, a exemplo do rio da antiga Arcádia.
.........Os lugares criados pela escrita de Rameta são geográficos e reais, embora universais e universalizantes, no ponto em que estão isentos de fronteiras da política ou da ideologia, uma contida cosmovisão da nossa pequena humanidade. Seus dramas nunca constituem flagelos ou catástrofes, porque, aí, a miséria e as fraquezas nunca se mostram em clima de fratura exposta. A dor maior é acidental e não causa gritos de extertor nem nos partos difícies, já que, com amor, quase religioso, anestesiado. A dor menor, esta vem de fininho, matreira, solerte, bem comportada, nunca ferindo nem corpo nem alma.
.........Rameta trabalha bem com as suas personagens, convive com elas, alegra-se e sofre em fraterno companheirismo. Da-lhes foco de luz e boa movimentação. Envolve-as com o toque cuidadoso, escuta-lhes o coração, deixa-as em atmosfera de confiança, sem barulho, sem pressões, cobrindo com branco lençol as partes de maior pudor. Seu espaço médico/poético/literário tanto pode ser um hospital de estudantes em Belo Horizonte como a clínica que divide com a doutora Maria de Jesus, sua mulher e colega. Seu tempo/espaço pode ser também Montes Claros ou as ruas poeirentas do Sapé, o bairrinho antigo de onde nasceu Burarama, a cidade filha do Capitão Enéas e de Salvador Rameta.
.........Assim, não precisa nosso contista criar um mundo fictício, não tem necessidade de formar, inventar, machucar as palavras, para delas extrair verdades ou meras ilusões. Filho de Dona Lia Rameta, de suave misticismo, ele, sacerdote simpático de corpo e alma, sabe mostrar fotografias mentais dos acontecimentos sugestivos de sua profissão. Em torno dele, os fatos simplesmente acontecem, encantados ou não, nem sempre com sangue, os envoltos com placentas e cordões umbilicais. Vindo à luz como artista da palavra e do bisturi, Rameta é, sobretudo, um doador de existências, com choros e com sorrisos.
.........Um agende de felicidades. Os leitores de “Os Meninos do Sapé” – ao contrário dos antigos romanos – dizem e poderão dizer sempre: Salve, nobre Amigo, os que vão viver te saúdam.
EDMILSON OLIVEIRA PAZ
.........A cidade existe para servir às pessoas ou as pessoas existem para servir à cidade? Afinal, quem é dono de quem? Quem é mais importante, Montes Claros ou seu povo? Que um depende do outro, ninguém duvida, porque só a colaboração de cada habitante, o grau de interesse pelos problemas, a busca de solução particular ou geral, o elo de amor de cada um poderão marcar pontos positivos no progresso e na humanização da nossa vida, de jovens e mais idosos, de pobres e ricos, de conhecidos e de desconhecidos, todos donos de uma fração desta antiga Vila de Formigas. Por outro lado, a cidade não pode ter vida própria fora da vida dos seus moradores, longe do interesse de cada família, de cada estudante, ou de trabalhadores ou mães de famílias, de técnicos ou de simples artistas dos minutos de beleza que o dia-a-dia nos oferece generosamente.
.........A cidade de Montes Claros, na verdade, somos todos nós, com todas nossas alegrias e tristezas, nossa pressa, nosso trabalho, nosso interesse às idas e vindas; os enganos e desenganos, a amizade dedicada e recebida; a concorrência em todos os campos da vida, a seriedade, necessária para fazer
o mundo melhor. Não se pode desligar a cidade do cidadão. Quando alguém se isola, por comodismo ou por incompreensão, alguma coisa fica em débito na contracorrente do progresso. E não falo do progresso só material, do desenvolvimento de pedra e cimento, tijolos e de asfalto, de meio fio e de muro cercando lote vago. Falo principalmente da argamassa psíquica de alegria e gosto de viver daquela sensação gostosa de morar numa cidade onde o humanismo seja a maior bandeira, onde o bicho-homem represente o geral e o particular, uma espécie de fio de ouro que ligue a terra ao céu.
.........A meta tem de ser o homem. E quando falo em homem, quero representar bem o sentido bíblico de criatura, sendo homem a generalização de todas as raças e posicionamento na sorte, de crianças, velhos, mulheres, moças, homens jovens ou maduros. Não deve haver nenhuma discriminação, pois todas criaturas de direitos e deveres distribuídas pela Criação para o desempenho de papéis no eterno drama da existência. Cada indivíduo é um universo com todas as suas implicações no campo da sensibilidade. Ninguém é realmente uma ilha; todas as nossas vidas se encontram entrelaçadas; apertemos ou não mutuamente nossas mãos lisas ou calejadas, sujas ou limpas.
.........Há muita gente trabalhando para o bem geral desta cidade de Montes Claros. Mulheres que se santificam no trabalho do ensino e do amparo social; na enfermagem e na higienização das ruas, na criação dos filhos, no preparo dos alimentos ou nos balcões de lojas e mesas de bancos e de escritórios. Há homens que lutam e se aperfeiçoam: que correm suados ou se assentam para busca de organização da própria vida em comum. Há profissionais que vivem para o cumprimento do seu dever, convivendo com a disciplina e gerando com seus próprios meios a felicidade desejada.
.........Quero destacar um profissional de função pública que há muito venho observando sua dedicação e carinho no trato diário de seu trabalho. Lúcido, atento, gentil, tem tido na dura luta pela vida só atitudes de tornar tudo mais gratificante para si mesmo e para as pessoas a que serve por obrigação e parece, por prazer. Trata-se do guarda que o Décimo Batalhão colocou em serviço nas imediações do Grupo Escolar D. João Antônio Pimenta e do SESC. Sua atuação tem sido impecável e as crianças o adoram e têm por ele um grande respeito e amizade o que é bom e agradável para ambas às partes.
.........Faço justiça, terminando esta crônica com o seu nome: Edmilson Oliveira Paz, soldado e homem público.
ENÉAS MINEIRO DE SOUZA
.........A decisão definitiva de mudar-se para a beira do Rio Verde, no Sapé, meio de mundo cercado, de matas compradas do Dr. Marcianinho, foi tomada em Belo Horizonte. Era uma decisão bem desenhada de sonhos, cheia de cuidados com um cheiro romântico e premeditado de aventuras na densa floresta e nos macios carinhos da mulher mais linda do mundo, que o capitão Enéas Mineiro de Souza acabara de conquistar depois de seis meses de investidas. Maria Aparecida, Neném, maravilha de vinte anos, morena clara, olhos castanhos da cor de uma noite de Caruaru, pele nova e aveludada de doce mangaba, falava com uma musicalidade que só uma fada poderia ter, tudo e muito mais do que o pernambucano pedia a Deus. Era o que Enéas sempre sonhara em todas as horas fáceis e difíceis da vida. Estava decidido, e esta decisão jurada no apartamento novinho do Brasil Palace, de frente para a avenida, não podia vir em hora melhor. Neném não aceitava de modo nenhum morar com ele em Montes Claros, e em Belo Horizonte ele não podia ficar por causa dos negócios aqui na região Norte. O Sapé era uma vilazinha velha, sem conforto, feinha até, mas nada importava, porque ao lado de Neném ele haveria de criar uma cidade nova, novinha, onde ela fosse até mais do que uma rainha. Quem vivesse ou sobrevivesse, veria!
.........Neném ficou em Belo Horizonte duas semanas para dar tempo ao tempo, indo depois para mais uns quinze dias na casa de D. Altina, no Alto São João, em Montes Claros.
.........Foi o prazo para Enéas comprar pneus novos para os caminhões, ajeitar alguma coisa nos motores, aprontar as ferramentas e ensacar o que comer e pegar a gasolina tão difícil na época. Antônio Miguel, Mestre Severino, Epifânio e José Porfírio, além dos motoristas a postos, só esperavam a ordem de viajar. Foi uma dura travessia de muito esforço e suor, principalmente depois de Brejo das Almas, em estradas feitas para animais e quando muito para carroções e carros de bois. As enxadas e os enxadões, as picaretas e alavancas não pararam tempo nenhum pela tarefa de derrubar barrancos e tapar buracos, acertando aqui e ali, empurrando pedras nos carreiros das rodas dentro dos rios e córregos. Dos lados da mataria densa, com cheiro de terra molhada, a natureza espocava em flores e sons, numa alegria depois de chuva rara. Chegaram ao Sapé, afinal, na madrugada do dia 20 de janeiro, ano de guerra de 1942, depois de quase meia semana de pelejas. Foi um sono só para todos nos catres sem conforto da casa já alugada, por carta, a D. Antônia, mãe de Elpídio da Rocha.
.........Instalada com a consciência de quem veio para ficar, Neném era, a seu ver, a mais jovem e mais bonita dona de pensão de todo o sertão brasileiro, competente, decidida, a gerir uma casa grande, bem assoalhada e de paredes brancas, logo mais uma hospedaria para doutores da estrada-de-ferro em construção, entre eles os engenheiros Demóstenes Rockert, Novais, Laviola, e os médicos Eduardo Morgado e Darce, todos gente de maior simpatia. Para cumprir as exigências dela e salvar as aparências, Enéas Mineiro de Souza, capitão da Polícia de Pernambuco, era apenas um hóspede a mais, empreiteiro de muitos serviços, desmatador chefe. Nada além disso, pelo menos durante o dia e até a hora em que todos iam dormir... Com as duas empregadas que Neném trouxera de Montes Claros, tudo espelhava limpeza e arrumação, já com luz elétrica e água encanada, providenciadas para o maior conforto de todos.
.........No mesmo dia 20 de janeiro de 1942, voltando pela velha estrada, Antônio Miguel e o capitão, no meio da esplanada de nunca acabar, capaz de abrigar dois milhões de habitantes se tanto fosse preciso, escolheram um pé de tingui bem copado para localização da primeira barraca do acampamento inicial. A ideia era colocar aquela mataria toda no chão e sobre as bancadas das serras, começando logo uma frente de serviço, tão comum em suas vidas... Era como se ali estivesse começando a história do mundo. E ainda bem, porque, um quilômetro abaixo, em casa, Enéas tinha uma mulher que valia por todas as minas de ouro da terra. Na coragem dos seus companheiros e na sua vontade e determinação de vencer, apareciam os primeiros toques para a existência da fazenda Burarama, de cujas avenidas e praças ele daria mais tarde a formação da futura cidade que, depois de sua morte, receberia o seu nome: Capitão Enéas. Poderia haver momento mais feliz? Impossível!
EVANY CAVALCANTE
.........Somente a sabedoria nos coloca em situação de ver além das aparências, seja esta dos fatos, seja esta dos sonhos. Só a sabedoria remete-nos direto ao significado verdadeiro de cada acontecimento, de cada nesga ou lance de vida. Somente a sabedoria nos faz ver uma legítima dimensão poética e a função quase divina de quem pensa e de quem faz o verso e o ritmo do verso, melhor dizendo, de quem é e de quem se sente poeta. Digo mais: só a minha experiência – não muito nova no campo do saber literário - me remete à interpretação do muito bonito e encantador texto de Evany Cavalcante Brito Calábria, ao mesmo tempo história e marca de família, ao mesmo tempo estórias e causos mineiros, entreouvidos e sentidos com a marca existencial da menina, sempre linda e criativa.
.........Leitor atento de todos os poemas deste Infância Verde, confesso que faço minha a conhecida posição de Ferreira Gullar em relação ao fazer poético e a esse universo que não conseguimos aprender no todo, porque nascido conosco no modo até mais do que pessoal. Somos seres do grafar e do laborar palavras e sentimentos. Temos o talento e a inspiração que chegam como relâmpagos e por caminhos de sonhos, tudo dividido ou multiplicado, tempo-espaço do ser, do viver e do conviver. Só ao poeta a necessidade de espanto com as coisas e com os acontecimentos, flor e fruto da motivação que leva ao poema e à poesia, algo muito mais do céu do que da terra.
.........Em poesia o saber, o saber fazer e o querer fazer não são suficientes, porque de nada adianta a técnica quando não há inspiração e/ou marcas de sentimentos. Mesmo para seres privilegiados por Deus para entregar ao mundo a ordenação lógica das palavras, só uma vivência encantada nos permite construir - versos depois de versos - textos com cadência e musicalidade, haja ou não rimas de dentro ou de fora. Para o poeta a epopéia ou o lirismo, querendo ou não querendo um modo diferente de lidar com ideias, um superar limites racionais, quase sempre sem o controle da razão.
.........Sinto-me feliz e prazeroso com os muitos textos de Evany, bonitos e elegantes do começo ao fim, tudo gramaticalmente limpo e perfeito, resgate da infância que o tempo não desviou em momento algum, sempre vida bem vivida em saudades do passado e em vôos de esperança e de futuro. Na ideia de D. Olga, mãe e conselheira, em Evany a poesia é um eterno querer bem, um dizer sim para todas as belezas do corpo e do espírito. Por mais que essa poesia se esquive de suas mãos, Evany fugir ou fingir não pode, porque ela inteirinha é um colorido momento de saudades, sempre e sempre uma pura alegria, cenário de sonhos, princesa e rainha vestida e revestida de amor. Sobre isso, a própria Evany faz relembranças: “Eu tinha doze anos e uma vida inteira”. Tinha e tem, digo eu, prefaciador do seu primeiro livro.
.........Não somente de imagens e de ideias, não somente arco-íris de beleza, Evany é mulher decidida e incrivelmente organizada, sempre afeita ao trabalho de cada dia. A ela, por isso, posso atribuir em parte e com pequenas modificações, os versos de Camões que dizem não aprender somente na fantasia, sonhando, imaginando ou estudando, senão vendo, tratando e pelejando. Afinal, o mundo vitorioso está nas mãos das pessoas que têm coragem de sonhar e laborar, pessoas capazes de correr risco para viver todos os seus sonhos. Feliz de quem atravessa a vida tendo mil razões para viver. Um charmoso jogo de amor!
.........Desejo a Evany todo o sucesso do mundo, certo de que a sua lavra poética está entre as dez mais bem aquinhoadas de nossa Montes Claros. Conscientemente hábil nos raciocínios e nos sonhos, Evany pode dizer como disse o poeta Manuel Bandeira: “Não faço poesia quando quero e sim quando ela, poesia, quer.” E como Cora Coralina: “Nunca escreverei uma palavra para lamentar a vida. Meu verso é água corrente, é tronco, é fronde, é folha, é semente, é vida”.
.........Evany - ser especial - é água, fogo, brisa e vento... Telúrica ainda menina, telúrica moça, telúrica mulher. É espaço, terra e tempo... É uma trajetória do pensar e do viver com alegria, vereda fértil de amor e de carinho, uma imensa vontade de caminhar... ir e vir ao mesmo tempo. Este Infância Verde, publicado em nosso Consórcio Literário da Secretaria de Cultura, não é apenas o seu primeiro livro, é pedra angular de muitos outros. O segundo e o terceiro já estão pertinho da editora...
EZEQUIEL PEREIRA
.........Acho que esta crônica deveria estar sendo escrita por Haroldo Lívio. Ele a faria bem melhor, com mais sabor telúrico, uma vez que ele sente muito mais de perto a força da terra de Grão Mogol, o cheiro do amor metafísico que perpassa pelas ruas tortas e pela velha praça nominalizada pela placa mais bonita que já vi, a placa da Praça Prof. Ezequiel Pereira, bem o no centro da velha cidade. O Professor Zeca é de Grão Mogol, de lá mesmo, município cheio de pedras escuras de verde-musgo e maduras de amarelo-dourado, lugar de águas tão claras como o cristal mais claro, árvores de um verde tão intenso que faz doer-nos a vista. Nascido lá, ali tomando contato com a natureza e com o mundo, lendo e escrevendo as primeiras letras, construiu, construiu, de menino, um feliz alicerce de vida feliz.
.........Não sei quantos anos tive de convivência com o Professor Zeca nem posso precisar bem a época dos nossos primeiros encontros, de quando eu comecei a beber na fonte inesgotável de sua sabedoria, do manancial de erudição tão maravilhoso que ele sabia muito bem guardar envolto numa sincera e natural simplicidade. Foi o Professor Zeca um dos homens mais cultos e mais humildes que pude conhecer até hoje, cultura que a gente tinha de minerar aos poucos através de perguntas, de colocação de assuntos que pudessem provocar sua obrigação de ensinar, de esclarecer. Sabendo muito, por demais preciso nos seus conceitos de ciência, de filosofia, de religião, de linguística, parece que tinha medo, ou mesmo por excesso de amor evitava ofuscar os que sabiam menos ou quase nada.
.........O Professor Zeca era impecável na limpeza. Limpeza física e de coração, limpeza de ideias, de vocabulário, uma limpeza alegre, descontraída, despojada de qualquer tipo de pompa ou de orgulho. Sua presença colocava as pessoas tão à vontade como se elas estivessem numa respeitosa festa de família. Era um homem de bem, tudo indica, sem qualquer defeito visível ou invisível. Os que conviveram mais tempo com ele – Olímpio Abreu, Ney David, D. Deuslira Filpi, D. Lisbela, D. Lia Rameta, João Afonso -, todos dizem nunca terem notado nele qualquer faceta negativa. Espírita desde os treze anos, juntamente com seu famoso irmão Cícero Pereira, Professor Zeca foi estudioso da doutrina até os 84. Paciente nas anotações, firme e sem desfalecimento até o fim. Um erudito, obediente à Codificação, firme no escrever e no proferir
palestras, mestre admirado de muitas gerações.
.........Terminamos, hoje, a semana de comemorações do centenário de nascimento do Professor Zeca. Foram dias de repasse de feitos grandiosos de um homem que jamais sonhou com grandezas. Professor, coletor do Estado, chefe político, guarda-livros na antiga fábrica do Cedro, foi sempre metódico e seguro nas suas decisões. Foi um dos fundadores do Centro Espírita Canacy, no início do século, companheiro também de Aristeu de Melo Franco e de Sebastião Sobreira. O Professor Zeca não estudava só em português e não podia assim fazê-lo numa época em que muitos livros importantes não haviam sido traduzidos para nossa língua. Lia diligentemente em francês, inglês, italiano, espanhol, esperanto. Eram excelentes seus conhecimentos de grego e de latim. Um intelectual exemplar.
.........O Professor Zeca, Ezequiel Pereira, foi sempre um homem de bem!
GODOFREDO GUEDES
.........Mesmo pintando por prazer, a exemplo de Miguel Ângelo, Godofredo Guedes pintava por profissão. Genial, perfeito, verdadeiro, amado-amante das tintas e das cores, em quase toda a sua vida foi um importante e reconhecido pintor. Suas aventuras e venturas com os pincéis tiveram início na adolescência, aos quinze anos, em 1923, na cidade em que nasceu, Riacho de Santana, Bahia, onde estudou francês e foi prático de farmácia. Primeiro trabalho, já com toque de mestre, óleo e pincéis, foi na Gruta da Igreja de Nosso Senhor Bom Jesus da Lapa, barrancas do São Francisco. Até hoje lá estão para a glória de Deus e do autor, os doze quadros bíblicos da Via Sacra. Têm sido um momento de místicas contemplações para muitos dos romeiros e visitantes de quase um século. Sempre, uma religiosa admiração.
.........Depois da Bahia, depois dos dias ensolarados do sertão interiorano, depois de encher a alma dos tons ricos das águas do São Francisco, Godofredo Guedes veio para Montes Claros, cidade bem pequena em 1935, mas com uma admirável generosidade de muito sol e muito azul: azul no céu, azul nos montes, azul nos tubos de tinta azul da sua paleta de artista fogoso. O homem chegou pintando. Pintava tudo. Pintava placas, pintava letreiros, pintava fachadas, pintava quadros. Quando pintou o retrato de grande Prefeito Dr. Santos, recebeu dele um bruto elogio: “como poderia assim de modo tão fácil e artístico captar tão seguramente a personalidade de uma pessoa?”. Muitas mudanças na cidade, muitos anos são passados e o retrato ainda aí está para quem quiser ver. É um sucesso até hoje.
.........Quantos quadros deve ter Godofredo pintado em sua venturosa vida? Difícil saber, porque ele pintava todos os dias, todas as horas... Uns quatro ou cinco mil, Ou muito mais... Quantos amigos teve Godofredo? Ninguém sabe, tantos são eles, em toda parte. Quantos filhos, frutos de um feliz casamento com D. Júlia? Isso os montes-clarenses sabem: foram oito – Terezinha, Dolores, Neusa, José, Hélio, Maristela, Alberto e Lúcia. Hélio é o conhecido Patão, do folclore e também das tintas. Alberto, o genial Beto Guedes, um dos construtores da moderna música brasileira. Lúcia graduou-se como médica na Argentina e é doutora há um bom tempo. Os outros, com exceção de nosso sempre saudoso Hélio, todos de alguma forma ligados à pintura, aí estão, solteiros, casados, felizes sempre. Zeca – já não mais tão jovem como em nossos tempos de Colégio Diocesano, segue a trajetória dos pincéis do pai, mas até hoje não quis pintar quadros. D. Júlia de Castro Guedes, que sempre teve nas mãos e no grito, o comando da família, cuidou de tudo e de todos. Foi diretora e gerente ao mesmo tempo. Mulher e mãe que mandou um bocado e com razão, diante de família tão grande e de marido artista, que só se via obrigado a enxergar as belezas da vida. D. Júlia foi, sem qualquer dúvida, uma admiradora do marido. Falou dele sempre com grande carinho, mesmo quando estava de cara fechada ou precisando brigar. A ela, concordo, devemos grande parte da firmeza de GG, da sua produção.
.........A maior tela de Godofredo está em Belo Horizonte, no Instituto de Educação. Tem grande dimensão, quatro metros por três. Trata-se de um busto do inesquecível João Pinheiro, que provocou lágrimas do filho, Governador Israel, quando o viu pela primeira vez, diante de tanta emoção face à beleza do quadro.
.........Para o artista Godofredo Guedes o seu melhor trabalho foi realizado para outro grande artista, o pintor Konstantin Christoff: um retrato do velho e robusto Christo Raeff, em cores marcantes, um perfeição de relevo de luzes e sombras, de coloridos e matizes. Trabalho bonito, vivo, audacioso. Uma verdadeira obra de arte alimentada pelo calor da amizade de dois grandes gênios do pincel.
.........A maior glória de Godofredo Guedes, no seu próprio ponto de vista era ter quadros e telas em grande parte dos lares de Montes Claros e do Brasil, tantos como os seus dias de alegria. Mas nem só de tinta viveu ele. De vez em quando deixava de ser mestre do pincel para ser mestre na harmonia dos sons, compositor que é de quase cinquenta belas músicas, muitas delas inseridas em cadernos de modinhas e de dobrados e de livros de grande destaque como o lançado pela historiadora Milene Coutinho Maurício. Muitas não são por aqui conhecidas, porque ficaram com as bandas de música da velha Bahia, guardando a saudade do autor.
.........Nota interessante é que Godofredo começou a compor música em 1931, no mesmo ano em que se casou com D. Júlia, ao que tudo parece, um amor mais sonoro que colorido ou tão sonoro como colorido, como as duas artes poderão explicar, pelo menos por algum tempo, pois, afinal, prevaleceu a pintura. Como compositor, Godofredo foi laureado com o Primeiro Prêmio num concurso de músicas juninas da Rádio Inconfidência de Minas Gerais. O título: “VAI, MEU BALÃOZINHO”. Construiu também, para variar de arte, inúmeros instrumentos de cordas: violinos, violões e até um piano. Isso mesmo, um PIANO! Com cauda e tudo!
.........Em Montes Claros, Godofredo recebeu cinco prêmios como melhor pintor. Em Belo Horizonte, oito anos que participando da Feira da Praça da Liberdade, vendendo quadros todas as semanas, foi várias vezes homenageado.
Sua maior emoção além do casamento com D. Júlia: o ato do recebimento do título de cidadão Honorário de Montes Claros, em 1957, ano do centenário da cidade, aprovado por unanimidade da Câmara, a pedido do saudoso prefeito Geraldo Athayde.
.........Outro grande momento foi a noite de comemoração dos seus 46 anos de pintura , quando todos os artistas de Montes Claros, sinceros amigos, admiradores conscientes, companheiros leais, juntamente com autoridades, esposa, filhos, genro, estiveram no Centro Cultural Hermes de Paula para abraçá-lo e louvá-lo. As solenidades, o encontro, marcava quase meio século de Arte que o alegrou e fez crescer seus sonhos pelas belezas da vida. Foi um momento interessantíssimo, de máxima emoção, uma descoberta do verdadeiro sentido da importância de viver. Para Godô e para todos nós.
.........Grande Godofredo, grande GG, grande amigo, companheiro e mestre, nossa mais sincera gratidão pelo tempo em que você viveu e conviveu com a arte. E conosco!
HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
.........A história é bem normal de tudo de conformidade com os cânones do comércio de nossos dias, fruto dos princípios da oferta e da procura. Negócio de toma-lá-e-dá-cá, envolvendo naturalmente valores e moedas comuns de qualquer ato comercial. Só põe romantismo numa operação dessas quem pode vê-la com olhos de poesia, com traços românticos de filosofia literária. Em tudo, não resta dúvida, mesmo nos atos de pura barganha e interesses outros, a gente consegue dar um colorido de fantasia, bem própria dos que vivem do trato das artes de das letras.
.........É que a verdade é bem interessante, amigos. Haroldo Lívio, cidadão brasileiro, brasilminense de nascimento, montes-clarense de coração, agora assina um atestado de amor à terra de Grão Mogol. Assina e paga. Paga com toda a força que o dinheiro põe e dispõe no mundo moderno, mesmo em se tratando de coisas antigas. Haroldo Lívio – é bom dizer logo – acaba de efetuar uma transação comercial de alto coturno na cidade de Grão Mogol. Comprou e pagou e tomou posse, com registro em Cartório, mediante todas a cláusulas, inclusive a de evicção.
.........Haroldo Lívio, ou melhor, Doutor Haroldo Lívio de Oliveira, brasileiro, advogado, casado com a socióloga, D. Maria do Carmo, é hoje senhor de um solar antigo e sensorial na cidade de Grão Mogol. Senhor legítimo de uma antiga casa, grande e imponente, construída possivelmente por mãos escravas, de paredes de pesadas pedras, escavadas com o suor do século passado. Caso de amor à primeira vista, Haroldo embeiçou-se pela nobre vivenda e sentiu-se imediatamente na pele de um poderoso grão-proprietário, dono da segurança de uma fortaleza ao mesmo tempo urbana e histórica. Viu e gostou. Gostou e comprou. Comprou e pagou. Pagou por ser o incontestável possuidor da possuída posse.
.........A casa de Haroldo, amigos, não é uma casa comum, que a escritura diz construída de alvenaria, de simples e perecíveis tijolos. É obra granítica, com paredes de meia braça, a sustentar janelas coloniais, portas imensas, de duas bandas, com pesadíssimas traves e ferrolhos, frutos, não só da segurança mineira como da senhorial competência de suados ferreiros de antanho. A casa de Haroldo, de telhado de aroeira lavrada a golpes de enxó por mãos competentes, tem repetidas ripas de jacarandá! As paredes das salas mais nobres são revestidas com lambris e o piso é digno das passadas de um comandante-centurião. Na frente, o arquitetônico ornato de uma resistente cimalha dá o toque do poderio e da força de uma escolha consciente do construtor e mestre-de-obra, orgulho da arte de cantaria.
.........O fundo do nobre solar, após generoso quintal de frutos opimos, divisa com as mais cristalinas águas do rio de areias brancas, leito de pedras polidas, barrancas atapetados de grama verdinha e capim gordura. Ao longe, mas não muito distante, o perfil elegante de centenárias árvores a formar moldura com o azul de ferrugem das serras e a linha cinzenta-celeste do horizonte. Tudo uma graça, um encanto para os olhos e um prazer para o coração...
.........Por tudo isso, pelo amor, pelo romantismo da decisão comercial, pela poesia, pelo gosto, pela nobre humildade e pela humilde nobreza de sã consciência, prevalecendo-me não sei de que autoridade, não tenho dúvida de atribuir a Haroldo Lívio, culto e intelectual senhor das Minas Gerais, o Título de Barão de Grão-Mogol.
HERMES AUGUSTO DE PAULA
.........Foi com morosidade que as quase trezentas vozes, que pareciam mais de mil, pausadamente, atenderam o pedido de silêncio do diretor José Nildo e Silva para o início dos trabalhos da segunda Sefam”, o seminário dos professores e alunos da Faculdade de Medicina. Era uma quarta-feira, meio de semana, com suspensão de aulas para a maior avaliação até hoje feita pela nossa Faculdade, um cuidado necessário para enfrentar o presente de dificuldades e o futuro de incertezas. O diretor chama para dirigir os trabalhos, o patrono do D. A. e primeiro dirigente e organizador da escola, Mário Ribeiro. Caberá a ele, Mário, a formação da mesa, o anúncio maior da finalidade do encontro. Poucos nomes são declinados e, quando se levantam, caminham sob aplausos de alunos que sabem admirar seus professores. Apenas dois professores de fora são nomeados, fora da mesa, com permanência no auditório: o professor Álvaro de Azevedo Ávila, diretor da Fadir e representante da FUMN, e eu, representante da Fafil. Olho, ao lado, e vejo, triste uma grande omissão; Hermes de Paula fica esquecido, não é lembrado, muito embora o Cláudio Pereira, também ex-diretor, esteja mais atrás, também sem menção.
.........Iniciados os trabalhos, com apresentações objetivas, curtas como devem ser, o diretor fala da fundação da escola, de sua finalidade, anuncia uma palestra sobre a história de todas as lutas e sofrimentos nestes anos iniciais. Volta a palavra ao mestre Mário Ribeiro (nessa noite, de Cerimônias) e, este faz o anúncio maior:
.........“No auditório está o idealizador da Faculdade de Medicina do Norte de Minas, o homem que tomou os primeiros passos para a sua criação, o homem que me convidou para primeiro diretor. Convido-o para tomar o lugar que lhe compete, que é seu por direito; que é seu pelo desejo maior de todos nós. Recebamos Hermes de Paula, o nosso maior nome nesta Escola. A sua cadeira o espera, Hermes. Venha nos dar a honra”.
.........E com dificuldade que o doutor Hermes de Paula se levanta e encaminha-se para o estrado da mesa diretora. Para subir, é necessário o amparo de uma mão amiga. Nunca se presenciou tantos e tão demorados aplausos. A turma, de pé, bateu palmas como se estivesse batendo pela última vez, numa gratidão que só se tributa a um grande herói, herói e amigo.
.........É nessa hora que vem a verdadeira declaração do primeiro dia de trabalho da Sefam. O diretor José Nildo lê a resolução: Hermes de Paula é declarado o primeiro Doutor Honoris Causa da Faculdade de Medicina, uma honra que lhe é deferida pela capacidade e por um milhão de méritos como o maior de todos os montes-clarenses. Nova ovação. Alegria e sentimentalismo. Existe algo no ar que ninguém sabe o que é. Aquele não é o momento qualquer nas estórias da vida. Existem minutos que valem por um século. Ou mais...
.........Hermes de Paula toma a palavra. Não vai falar muito, que não é de discursos. “Senhores, formei-me em Medicina em 1937, em Niterói. Vital Brasil, um dos homens mais famosos na Medicina brasileira, convidou-me para trabalhar com ele, no seu Instituto ganhando um dos melhores ordenados que um profissional poderia desejar ou sonhar, Cr$1.800. Além de ganhar tanto dinheiro, muito para a época, eu teria a oportunidade de ser também muito famoso. Mas, a saudade de Montes Claros, a lembrança dos meus amigos não deixaram que eu ficasse lá. vim para cá. Em todos estes anos, questionei-me se eu não havia cometido um grande erro, escolhendo a minha terra, numa vida humilde e trabalhosa. Às vezes, eu achava que tinha feito o certo... Hoje, porém, sei que não poderia ter tomado uma resolução melhor. Eu fiz bem em vir para Montes Claros. Senhores, muita coisa me tem acontecido, todas gratas e muito tenho agradecido a Deus, por elas. Mas, se nada tivesse ocorrido, só esta noite, só esta cerimônia, só o fato de estar recebendo este diploma das mãos e dos corações de vocês, eu posso dizer com toda a minha convicção: valeu a pena. Valeu. Muito obrigado a todos”.
.........Dois dias depois, Hermes de Paula se despediu de Montes Claros, para a viagem eterna. Para nós também, valeu a pena a vinda dele. Valeu!
Hermes de Paula e o Folclore
.........Com o terceiro artigo a respeito de Hermes de Paulo e do seu livro sobre a história de Montes Claros e de sua gente, espero ter cumprido a obrigação de despertar muitos de nossos leitores do JORNAL DE DOMINGO para uma necessidade cultural de relembrar outros do vasto leque de interesse folclórico e genealógico de que dispomos nesta velha terra de Gonçalves Figueira. Creio que falar de Hermes de Paula, suas vivências, seus costumes, suas gentes é o melhor caminho para a construção do edifício histórico de Montes Claros. É bem verdade que muita coisa ainda deve e precisa ser escrita, no presente e no futuro, mas, mais verdade ainda é que ninguém poderá faze-lo sem partir primeiro do alicerce erigido por Mestre Hermes de Paula.
.........Com Hermes, vemos e revemos o bumba-meu-boi, as folias de Reis, a dança de São Gonçalo, as marujadas, os catopês, as cavalhadas, as penitências para chover; com Hermes, ouvimos e aplaudimos as cantigas de ninar, as rezas e benzeduras, as cantigas de roda. Com ele, sentimos a dureza das secas de noventa, noventa e nove, trinta e nove, o tempo bom e o tempo bravo. Com ele, visitamos as lapas, lapinhas, laponas, que não são poucas; vemos os gambás, os caxinguelês, os tamanduás, os saruês. Com ele, reconhecemos todos os tipos de madeiras das nossas florestas tamburil-de-cheiro, violeta, sucupira, pau-de-abóbora, jacarandá-muxiba, catinga-de-porco. No seu livro, aprendemos as virtudes de todas as nossas plantas medicinais, entre elas a losna, a salsa, a alfavaca, o manjericão, a quina-de-barroca e a catuaba, estas últimas, no dizer do povo, mui valentes afrodisíacos, excepcionais para levantar coragem.
.........Sobre a arruda, planta que dá sorte, diz Hermes de Paula que é santo remédio para cólica, como chá ou queimada na cachaça; serve como linimento usando a folha pura; o sumo é próprio para dor de ouvido e, no geral, atacado e varejo, é tiro-e-queda para benzer contra quebranto e mau-olhado. Esqueceu-se, no entanto, de dizer que arruda, folha ou galho, evita feitiço e é um tremendo escorrega-menino, na hora de parto de mulher.
.........“Montes Claros, Sua História, Sua Gente e Seus Costumes” é um repositório de ótimas informações sobre tudo que é Montes Claros: fundação de clubes sociais, de escolas, de hospitais, instalação de comércio e de indústrias, fundação de órgãos de imprensa, movimento religioso, incêndios maiores e até informações sobre o dia em que alguém, por aqui, chupou o primeiro doce gelado, também chamado de picolé. Algumas observações curiosas do livro: os jovens Antônio Augusto Veloso e Antônio Augusto Tupimbá foram os últimos que ganharam discursos e festas no dia da chegada depois da formatura do curso superior. Pedro Santos, o famoso Pedrão 70, senhor de muitas lendas, não é de Montes Claros porque nasceu em São João da Ponte e estudou em Ouro Preto, Juiz de Fora e Niterói. Curioso é que Pedrão foi o maior campeão de corridas de todos os tempos, jamais batido em 200, 400 ou 600 metros, o que o levou a ser também um bom craque do futebol nacional.
.........Tendo sido eu um dos colaboradores da segunda edição do “Montes Claros Sua História, Sua Gente e Seus Costumes”, sinto-me dono de uma gratificante tarefa, contente e bem recompensado pelo alto valor do livro. Afinal, não é todo dia que podemos ser companheiros de páginas de tão ilustrada companheiragem, principalmente de Hermes de Paula, premiado com medalhas dos governos de Minas e São Paulo e detentor da mais vasta soma de conhecimentos sobre Vital Brasil, conferencista elogiado e aplaudido em muitas capitais, homem do sertão e das serenatas, defensor do pequi e do pequizeiro, intelectual e pragmático, sem dúvida alguma, o melhor fazedor de arroz-de-tropeiro e de quentão do mundo...
IRMÃ DE LOURDES
.........Minha querida irmã de Lourdes, como são lindos os teus versos nos cantos da manhã de azul! Quão saudoso é o São Francisco, teu vassalo e o rio-mar, tristeza e alegria de todas as lembranças da mocidade! Como são lindas as manhãs imponderáveis, os fios de horizontes de contraste com as horas mais doces! Quanta sensação de cheiros e de cores de todas as rosas dos arminhos dos verdes anos! Januária, Januária, há coisas mais lindas no amor? Todos os sonhos se realizam no espaço-tempo de um belo coração. Tua poesia, Irmã de Lourdes, teu ‘Caderno de Lembranças’ é a luz mais clara da infinitude da alma, um halo da cor do céu, reflexo de águas mansas que passam numa eternidade!
.........Teus pescadores singram um rio de sonhos e se alimentam de brisas de todos os mares da imaginação!
.........Gostei imensamente da amorosa adjetivação do ‘Caderno de Lembranças’, livro de poesia dos mais coloridos substantivos, abstratos para a vida comum e concreto para o pensar do artista. Versos de angelitude e de fé, gratificantes do mais santo poetar. No mundo sem ser do mundo, reais no aqui e no agora, jamais abandonam o espaço-tempo de quem sabe voar no mais verde da esperança. Irmã de Lourdes é namorada do azul e, queira ou não, suas personagens terão sempre o colorido das águas e do céu do São Francisco: Celeida, Celeste; Marina e até Dulce, com doce de perfume de infinito! Há nobreza nas flores, há nobreza nas pedras, haverá sempre jóias para enfeitar a amizade sempre próxima dapureza do encanto. Grata aos que sabem viver pelo estudo e pelo amor, Irmã de Lourdes desfila uma galeria de nomes de reconhecido valor: Yeda, Genoveva, Jacy, Heloísa, Luiz de Paula, Antônio Augusto Veloso, das Irmãs Guiomar e Edmunda.
.........Irmã de Lourdes, como irmã e como professora, tem, naturalmente, um seu mundo bem diferente do nosso.
.........Não tem como não poderia ter muitas das nossas imediatas preocupações, tão naturais à guerra da vida de todo dia. Seu universo é povoado de muito futuro, quando pensa nas outras pessoas, e de muito passado, quando pensa em si mesma. O presente não importa quando ela vê – e é bom que isso aconteça sempre – o lado bom dos que passam pela sua amizade e carinho. Assim, suas flores são lírios, rosas, jasmins, miosótis, o tão grato manacá todas vivas de transparência, exalando perfumes de amor! O cristal, o diamante, a turquesa, a esmeralda são nuanças do verde-azul do rio de Januária, ou do mar de Olivença tão vivos no coração. Quando fala de rubis não quer dizer outra coisa que o pulsar dos ante-crespúsculos presentes no rio natal.
.........As cidades de Irmã de Lourdes acordam a voz dos séculos e marcam muitos sóis de primavera no texto suave da Boa Nova, na mais linda das mensagens de todos os tempos. Através dos versos o perfume do Líbano, lembranças dos cedros; a alma do Sião, mensagem de aguadeiras e de pastores, orvalho de manhãs de intensa luz; o barulho juvenil de Cades, movimentação de dançarinos e mercadores; e esperança de Jericó, lugar sagrado de encontro entre a verdade e a fé. As cidades da Irmã de Lourdes têm o azeitonado tom de Olivença, o brilho de névoa de Friburgo e todas as sequências de matizes das mais ternas de todas as cidades do mundo: Januária e Montes Claros.
ISAU RODRIGUES DE OLIVEIRA
.........Segundo Emmanuel, a vida seria muito chata se tudo nos fosse fácil e independente de nossos esforços. O que dá gosto pela vida é saber que soubemos vencer as adversidades para chegar à vitória, ao sucesso. O importante é ter consciência de cada momento que buscamos o alimento, a saúde, a boa disposição ao trabalho, o descanso merecido, o entender e ser entendido, o amar e ser amado. É por isso que dizemos em nossas preces aos nos levantar e ao prepararmo-nos para dormir: dá-nos hoje a tua proteção, dá-nos sempre, Senhor. Jamais nos esqueçamos que - no dizer de Tiago - a fé sem obras é morta. Qual o proveito em dizer que temos fé mas não temos obras? Preciso é fazermos sempre o melhor, porque Deus não trabalha exatamente em cima da nossa ansiedade, mas em cima do nosso merecimento. O que é nosso, o que a nós deve ser destinado acontece na hora certa! As coisas acontecem exatamente quando devem acontecer! Busquemos sempre a sintonia do Amor em nossas vidas, e tudo estará sempre nos devido lugares. Sendo o trabalho lei da Natureza, cada qual de nós, seja de onde for, estará sempre construindo a própria vida, isto é, a vida que deseja. Em verdade, a nossa existência e as nossas experiências são a soma
de tudo o que idealizamos e construímos. Toda melhoria que realizarmos é melhoria na estrada a que somos chamados a percorrer. Outra coisa: muito difícil vivermos bem se não aprendermos a conviver. A vida por fora de nós é a imagem daquilo que somos por dentro. Viver é a lei da natureza, mas a vida pessoal é a obra de cada um. Muitas coisas fazem parte de nós para nos defender do mundo externo, geradas pela nossa própria mão e pelo nosso próprio pensamento. Os orientais dizem: - Para você beber vinho numa taça cheia de chá é necessário primeiro jogar o chá fora para, então, beber o vinho. Ou seja, para aprendermos o novo é essencial deixarmos para trás o velho, visar e revisar valores, adaptarmo-nos a novas circunstâncias, a novos modos de ser, pensar e de agir.
.........Depois de ler e reler O VÔO DO ALBATROZ, candente relato existencial do amigo Isau Rodrigues de Oliveira, menino de Taiobeiras, homem de Montes Claros, Minas e Bahia, homem do Mundo, vejo realmente muito mais que uma biografia, bem mais que um texto confessional, tudo muito acima do colorir esforços e superações. Trabalho a quatro mãos - do próprio Isau e da escritora Cyntia Pinheiro - são quase cem páginas didático-pedagógicas de um verdadeiro self-made man, ator e diretor de uma vida no plano pessoal e profissional merecedora de todo o nosso respeito e máximo de admiração. História envolvente em todo o seu conteúdo, tenho certeza de que qualquer leitor a lerá em um só fôlego, tal a composição lógica e emocional, mais do que tudo humanamente colorida.
.........A melhor forma de aprender ou ensinar é acima de tudo imprimir bons e significativos exemplos. E o exemplificar em nossas vidas exige que dediquemos tempo e amor a todos os nossos sonhos e nossas atividades, sejam quais sejam os esforços e sacrifícios. O prof. Rubens Romanelli, pensador e poeta, quase um santo nas salas de aula da UFMG e nas reuniões do Evangelho, dizia-nos com lições do Mestre Jesus: “QUANDO te julgares incompreendido pelos que te circundam e vires que em torno a indiferença recrudesce, acerca-te de Mim: eu sou a LUZ, sob cujos raios se aclaram a pureza de tuas intenções e a nobreza de teus sentimentos; QUANDO se te extinguir o ânimo, as vicissitudes da vida e te achares na iminência de desfalecer, chama-Me: eu sou a força capaz de remover-te as pedras dos caminhos e sobrepor-te às adversidades do mundo; QUANDO te faltar a calma, nos momentos de maior aflição, e te julgares incapaz de conservar a serenidade de espírito, invoca-Me: eu sou a PACIÊNCIA que te faz vencer os transes mais dolorosos e triunfar nas situações mais difíceis; QUANDO, enfim, quiseres saber quem Sou, pergunta ao riacho que murmura e ao pássaro que canta, à flor que desabrocha e à estrela que cintila, ao moço que espera e ao velho que recorda. Eu sou a dinâmica da Vida e a harmonia da Natureza; chamo-me AMOR, o remédio para todos os males que te atormentam o espírito”. É por isso, que de manhã, todas as manhãs, apresento ao meigo Nazareno a minha oração e fico esperando... Para Isau, felicidade é sabedoria,
esperança, vontade de ir, vontade de ficar, presente, passado e futuro. Para Isau, felicidade é confiança, fé e crença, trabalho e ação. Ele tem vivido tão intensamente, que tudo indica não ter pressa de ser feliz, porque sabe que a felicidade vem devagarinho, sem depender de saúde ou de poder, sem ser fruto de ostentação, de luxo ou de ambição. Para Isau, felicidade é desprendimento, amor ao trabalho, organização, subida nos degraus do progresso pessoal e coletivo. Sempre e sempre uma visão de conjunto, cumprimento de passos e percursos de uma caminhada regida pela vontade e pela determinação, resultado de uma ou de cem batalhas. Ele, um campeão, sabe que as vitórias são alimentadas pelo trabalho em equipe, porque a grande maravilha do amor é ser um divino contágio.
.........Também não importa o que tiraram de nós, o que importa é o que nós vamos fazer com o que sobrou. Nunca podemos nos esquecer de que o sol que brilha, a nuvem que passa, o vento que ondula, a árvore que se ergue, a fonte que corre, o fruto que alimenta e a flor que perfuma, toda a riqueza das horas tudo depende da proteção do Grande Arquiteto do Universo. Como cada um é o arquiteto do próprio destino e a vida é a soma de todas as escolhas, devemos saber que a honra é levantar-se a cada vez que se cai. Concluo este prefácio, pensando no carma positivo de Isau, para ele mesmo e para as pessoas próximas a ele, ou melhor, para todos nós os seus amigos.
IVAN DE SOUZA GUEDES
.........Louvemos as pessoas, em primeiro lugar, pelas obras com que beneficiam o tempo e o espaço e que beneficiam cada movimento do bom viver e da boa convivência. Consideremos, sobretudo, seus atos de fé, seus gestos de gentileza, sua atuação perante a família e os amigos. Consideremos, com o melhor da nossa consciência, os que vivem sempre para o progresso dentro e fora do trabalho. Benditos os que permitem a esperança, os que têm palavras de estímulo, os que são e que estão no caminho do bem e do socorro ao próximo.
.........Bem-aventurados os que, mesmo nos gestos simples de cada dia, se tornam benfeitores, que têm a felicidade não como estação de chegada, mas como um modo de se movimentar para o futuro. Para estes, não existem cargas mais leves, mas sim ombros fortes e apropriados à tarefa de cada dia; não há ponto final no amor, porque o amor é vida e a felicidade é o melhor jeito de ser e de viver.
.........Mesmo conhecendo com minúcias a vida do amigo e do meu mais considerado colega de escola, surpreendo-me com “IVAN DE SOUZA GUEDES, este grande brasileiro”, livro fruto das pesquisas e da lavra literária da historiadora Zoraide Guerra David, lente e foco ao mesmo tempo de uma vida cheia de grandeza, sincero retrato de corpo inteiro para o agora e para o sempre: Ivan e família – fundamento sólido; Ivan e Montes Claros, terra dadivosa; Ivan , o empresário;
Ivan e a expansão da Minas Brasil; Ivan e sua inter-relação humana e comunitária; Ivan nas comemorações especiais e nas homenagens que tem recebido; Ivan, uma referência e o reconhecimento público.Tudo de vida e ação, tudo de fé e esforço, tudo certeza no valor do trabalho, e acima de tudo, uma confiante esperança de quem sabe o que quer e a que veio. O importante não é passar pela existência, é viver!
.........Minha confreira Zoraide foi bastante feliz em todos os registros da biografia de Ivan, o filho do alfaiate baiano e intelectual Nino de Souza Guedes e de D. Maria do Carmo, bocaiuvense da melhor estirpe, excelente mãe de família e educadora; Ivan, o marido da doutora Mercês Paixão Guedes e pai dos jovens administradores Leonardo, Lyntton José, Luciano Frederico e Leandro Ivan, tudo gente do melhor que a vida de trabalho pode oferecer, uma verdadeira equipe. Em realidade, uma biografia fértil e bem apropriada diante da riqueza de informações bastante conhecidas, sempre presenciadas por amigos e clientes desde a antiga Farmácia São José, de Juca de Chichico, onde Ivan vendia remédios durante o dia e aplicava injeções durante a noite, parte por ser balconista, parte para ganhar mais uns trocados para ajudar a família e para pagar os estudos no Colégio Diocesano e no Instituto Norte Mineiro de Educação, escolas em que fizemos o segundo grau e concluímos o curso de Contabilidade. Sempre de pé, sempre olhos nos olhos, sempre se movimentando, Ivan nunca se negou a ouvir um cliente em necessidade de um conselho ou do aviamento de uma receita médica. Atendimento nota dez, o selo do sucesso!
.........Como deixou claro Alberto Einstein em alguns escritos, “Não podemos viver felizes, se não formos justos, sensatos e bons; e não podemos ser justos, sensatos e bons sem sermos felizes”. “Evidentemente, nós existimos em primeiro lugar para as pessoas queridas, de cujo bem-estar depende a sua felicidade e a nossa; depois para todos os seres, nossos semelhantes, que não conhecemos pessoalmente, aos quais, entretanto, estamos ligados pelos laços da simpatia e fraternidade humana.” Se o amor não é eterno, eterna tem que ser a capacidade de amar. Para Cora Coralina, “Todos estamos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo”, pois como bem disse Benjamim Franklin “A melhor coisa que você pode dar ao inimigo, é o seu perdão; ao adversário, sua tolerância; ao amigo, sua atenção; aos filhos, bons exemplos; ao pai, sua consideração; à mãe, comportamento que a faça sentir orgulhosa; a todas as pessoas, caridade; a você próprio, respeito.”
.........Inteligente, empreendedoramente fértil, determinado, consciente no ser e no agir, Ivan nunca teve um dia sem proveito de aprendizagem e da realização do bem. Sempre ao lado de Mercês e, ultimamente, dos filhos, cresceu e multiplicou ao mesmo tempo em que Montes Claros progrediu em tamanho e em qualidade. Das pequenas drogarias das ruas D. Pedro II e Camilo Prates, fincou pé na Doutor Santos com Padre Augusto e, hoje, lidera o comércio farmacêutico no centro e praticamente em quase todos os bairros da cidade, cada ponto comercial com mais recursos e mais modernidade. Viajante internacional bom observador, soube, juntamente com Mercês, e mais tarde com os filhos, fazer todas as adaptações que o seu comércio permitia e o conforto da clientela podia exigir. O último feito foi a instalação de uma luxuosa perfumaria, que nada deve à praticidade e à beleza das encontradas nos modernos shoppings e nas lojas duty free dos melhores aeroportos do mundo. Progredir é qualificar-se para o presente e para o futuro.
.........Bonita, admirável, material e espiritualmente encantadora a vida de Ivan, meu companheiro, meu amigo próximo em quase sessenta anos, seja na escola, seja na vida. Bem sei das quantas dificuldades teve que superar, do quanto teve que se esforçar, do quanto teve que aprender ao longo da vida. Agora, que Zoraide Guerra David grava em letras e imagens este portentoso registro, muito mais justiça será feita por quem o conhece no dia-a-dia ou por quem tiver notícia deste livro “IVAN DE SOUZA GUEDES, ESTE GRANDE BRASILEIRO”. Ivan e sua família têm todos os merecimentos. E que Deus os conserve sempre e sempre!
JOÃO CHAVES
.........Não acredito que alguém tenha conhecido João Chaves para mais cedo ou mais tarde vir a esquecê-lo. João Chaves não era um homem comum, desses que passam despercebidos num dia de feira no mercado, numa passagem pela rua, ou mesmo no longo espaço da vida. Não nasceu ou viveu para permanecer oculto ou não observado hora nenhuma.
.........Não tinha vocação de anonimato nem o sensabor das existências simples. Mesmo não querendo impor-se, parecer, muitas vezes até com certa dose de timidez, não tinha como deixar de ser o centro das atenções em qualquer lugar onde estivesse. Tinha figura, tinha voz, tinha um quê de dureza e de poesia mescladas por um temperamento quase irônico e sagaz. Era uma pessoa constante e sempre presente.
.........Conheci-o, ele já na casa dos sessenta, sentado próximo ao balcão da farmácia de Mário Veloso, numa roda de amigos, ali mesmo na esquina das ruas Padre Augusto e Camilo Prates, onde o bate-papo ia do político e do literário até o familiar. Não eram, como se podia ver, reuniões tão simples em que um ou outro freguês afoito ou intrometido pudesse entrar, procurar um dedo de prosa ou dar uma informação... Era um verdadeiro encontro de barões, gente bem posta na vida, intelectuais, comerciantes de prestígio, profissionais liberais, fazendeiros de muitas leituras, e gente nova ninguém. Mulheres, só de “boas tardes” e “bons dias”, “recomendações à família”, quando muito... Círculo fechado, só de notícias importantes, assuntos graves, ideias reverenciadas com o domínio do perfeito saber...
.........Vi João Chaves muita vezes quando ele, mais popular, sentava-se com outros amigos nos bancos da praça Doutor Carlos, em frente à Farmácia Americana ou da loja de Cica Peres, bem embaixo dos “flamboyants”. Era quando a prosa, os sorrisos ou mesmo os gracejos sobre assuntos do cotidiano nunca impediam que olhares discretos pousassem nas belezas virgens de muitas estudantes que por ali passavam, indo ou vindo dos colégios, ou subindo para o Instituto. De quebra, ainda havia o eterno feminino de belas senhoras das compras na Imperial, na Casa Alves, nas Pernambucanas, para quem olhares furtivos, de soslaio admiração, jamais poderiam faltar. Eram horas de alegrias na vida de João Chaves.
.........Mas, de todas as lembranças que tenho de João Chaves, a mais marcante é a do homem estudioso do Direito, do devorador dos códigos, do jurista brilhante, terror dos adversários forenses. Encontrei-o várias vezes rodeado de livros, grossos volumes encadernados e velhos pelo manuseio, arrumados, atirados de lado, abertos nas mesas, nas cadeiras e até nos pés da cama ou do lado do travesseiro. Sua biblioteca era a casa inteira da sala de visitas ao quarto de dormir. Colega de Lola, na Faculdade, nem sempre o via com cara de amigo, mas com discreta atenção, homem educado que era. Deve ter morrido num momento de atenciosa leitura, mesmo que não tivesse um livro diante das vistas. Foi sempre um intelectual consciente. Um momento gratificante na vida de Montes Claros. Um tipo inesquecível.
JOÃO DE PAULA
.........Ainda em Brasília, final de período de trabalho, já com o olho no caminho de Montes Claros, recebo a notícia do passamento do grande irmão, o bom vizinho da Rua São Sebastião. Olímpia me diz com tristeza, numa voz de muita saudade, que João acabara de nos deixar. Sereno, seguro, sem alarido, cheio de fé como sempre viveu, quase alegre e justo sabedor do próprio destino. Um verdadeiro João de Paula, homem sábio, racional, de costumes ilibado, religiosamente livre como um condor de grandes alturas. Um mestre que encantava a todos, principalmente nos seus últimos anos de vida de arte quase mística, pirografando umburanas, cedros, bálsamos, madeiras que perfumavam o corpo e a alma. Tudo passa, e João de Paula também tem que passar. A hora sempre chega!
.........Agora, já mais distante, ermo a perspectiva, faço distância para ver melhor o companheiro João de Paula. Para ver e analisar. Para ver e admirar. Para ver e sentir. Mais de longe é possível ver o irmão por inteiro, de pé a caminhar firme num destino traçado por Deus e por ele mesmo, cavaleiro andante de muitos sonhos. João poetou a vida no que ela tinha de colorido mais suave.
.........De pouca ambição e muita coragem, fez da existência um doce, combate, uma luta inteligente e sem pressa, quando muitas vezes sentia-se vencido e vencedor ao mesmo tempo. Um homem de horizonte sempre azul como bem disse o seu primo Luiz de Paula, da mesma coragem e do mesmo sangue. João de Paula um homem da cor do céu, de brilho da turquesa e do cobalto como luz de infinito em dia claro.
.........Mas como era mesmo o cidadão marido de D. Lea e pai de Iran, Paulo, Acácia, Verônica, Marta, Graça, Raquel, Neuza e Fabíola? Como era o irmão de Hermes e Maria de Paula? Como era o futuro químico que deixou os estudos para se casar, mas que , farmacêutico em Pires e Albuquerque, receitava e curava doentes? Como era o comerciante, o industrial, o artista, o filósofo, o maçom, o rotariano, o espírita, o contador de estórias, o cronista, o poeta, o conselheiro? Como era o amigo solidário de todos os amigos? Como era o homem de nunca esconder ideias, de nunca ter medo de ser verdadeiro? Como era você. João de Paula?
.........Quem conheceu João de Paula é que pode saber quem foi João de Paula. Que memória prodigiosa de historiador e genealogista, que narrador empolgante, que grande cultivador de amizades. Tolerante de incrível capacidade de perdão, João foi um sábio abridor de caminhos para ensinar bondade a muita gente. Oitenta e três anos de magistério de amor, Mensageiro de luz! Desta mesma luz, que pedimos a Deus, João de Paula ilumine infinitamente a sua trajetória de eterno trabalhador.
JOÃO LUIZ DE ALMEIDA
.........De minha parte, já peguei o bonde andando, no agitado ano de 1954, logo depois que o Colégio Diocesano fechou o curso noturno, preparando-se para ser mudado em seminário. Toda a nossa turma, inclusive uma maioria que não estudava à noite, foi jogada à força no velho Instituto Norte Mineiro de Educação. Pobres, ricos, trabalhassem ou não trabalhassem, ir para lá era o nosso destino, pois outra escola não existia, de modo a darmos continuidade nos programas e na vida. Seguimos, então, o único caminho, único e natural, mudando de uniforme e trocando de filosofia, permutando uma preparação acadêmica por um trabalho de natureza prática, até certo ponto mais condizente com o futuro profissional, fosse qual fosse. Em vez de padres e seminaristas, agora a companhia de moças de lojas e de escritórios, pingando de vez e quando uma ou outra dona de casa compenetrada e séria. Reais alunos de curso noturno, cansados, suados, todos com aquela disposição de vencer a qualquer custo.
.........O Instituto era escola de trabalho, destinado a formar profissionais para a contabilidade, redatores, datilógrafos, gente prática para a vida, gente para dar duro em todas as atividades, pau-prá-toda-obra. A propaganda maior era que, por lá, havia passado a fina flor de homens vitoriosos em todos os campos de atividade, entre muitos Ubaldino Assis, Necésio de Morais, Mário Ribeiro, uma maioria de bancários, contadores e gerentes do comércio local, assim como alguns jornalistas, professores e intelectuais de nomeada. Ninguém poderia tornar-se um grande político ou um seguro homem de negócios sem passar pela experiência do Grêmio do Instituto. Era lá a grande escola de civismo, uma espécie de bastião da liberdade e do humanismo, do livre pensar e do melhor agir.
.........Lembro-me de lutas homéricas, antes, durante e depois das sessões do grêmio. Lembro-me de esforçados líderes e nervosos partidos criados depois do ingresso dos novos, dos recém-chegados, algo parecido com intrusos novos-ricos não acostumados aos ditames da casa. Os que se consideravam os institutenses verdadeiros, os de primeira matrícula, eram os diletos, os preferidos da família diretora, gozando todos de uma liderança bastante expressiva do Newton Baleiro, do lado de fora, e do João Luiz Filho, do lado de dentro. De quebra, havia o Luizinho, o Nelsinho, a Nadir, de vez em quando a Nini e o próprio Doutor João, cada um com uma força, um prestígio, um mando diferente, mas nenhum peso-leve. 0 Doutor João, quando aparecia com os cabelos alvoroçados como se não tivesse visto pente, testa franzida, sobrecenho carregado era um deus-nos-acuda, um furacão de fúria, fazendo aparecer tudo de errado que houvesse.
.........De sério, por parte dos alunos, também havia muita gente, compenetrados solteirões, dignos pais de família, e até gente nova com jeito de gente velha. Havia o Manoel Neves, comerciante bem de vida; o Joel Silveira, estudioso da Bíblia, quase pastor e fazendeiro; o João e o Terezo Xavier bem postos alfaiates, ora caladões, ora conselheiros; havia o Raulemar Couto e o João William, novos, quase meninos, mas de um respeito que merecia admiração. Pelo lado dos professores, lembro-me da fama de carrasco do professor Heráclides Leite Ferreira, baiano e matemático que havia se casado com uma aluna, a Nadeje; do professor José Márcio de Aguiar, ex-seminarista, literato e filósofo, meu conselheiro nos primeiros tempos de jornalismo; o José Bispo, de boa fama na capacidade, mas tão terrível nas notas, que alguns alunos, por vingança, furavam, de vez em quando, os pneus da sua bicicleta. 0 Necésio de Morais foi o melhor mestre de contabilidade que conheci. Domingos Bicalho era a organização em pessoa. Mas de bom visual, além de um alentado time de mocinhas, havia uma bonitona, caixa das Casas Pernambucanas, bem vestida, bem pintada, tão elegante que, no primeiro dia de aula, todos nós nos levantamos para recebê-la pensando tratar-se de professora de muito respeito.
.........O Instituto era um caldeirão fervente, com o Júlio Pereira e o Ferreirinha a fazer política; Thiers Penalva, Carlaide Pereira a jogar futebol; Zezinho Evangelista e Waldir Veloso a agitar a política; Sebastião Mateus e Norberto Custódio na seriedade, e Adauto Freire a comandar a jovial anarquia. No meio de tudo, uma figura com absoluta liderança, na violência ou na ternura, como pai e como algoz, como irmão e quase como colega: o velho mestre João Luiz de Almeida, autoridade máxima de uma geração, o mais liberal de todos os ditadores.
JOÃO VALLE MAURÍCIO
.........Chega a Academia Mineira de Letras o menino da Fazenda do Pequi, o mais apaixonado dos sertanejos do mundo montes-clarense do fim de século vinte. Não chega só o homem, chega o rapaz, o garoto, o menino vivedor de banhos do rio Vieira e de vaquejadas da outra banda do Pai João, na velha Fazenda dos Maurícios. Chega já quase velho e saudoso, prenhe de alegrias e de mágoas de um passado bem vivido, humanamente bem aproveitado em todas as horas fruídas da rica existência, sempre cheia de sentimentalismos, paixão ardente sem meias-medidas, amigo ou inimigo, companheiro incondicional ou adversário, toda simpatia ou logo bem votada antipatia a quem não lhe merece o amor. Chega à Academia Mineira de Letras, saudoso por um dos maiores homens das Letras atuais da Língua Portuguesa – o Acadêmico Aires da Mota Machado Filho o – nosso conterrâneo João Valle Maurício.
.........E é com incontida alegria que o saudamos por mais esse encontro com a experiência e com o reconhecimento do mérito, estando onde já deveria estar há mais tempo, pois, excelências no escrever e no narrar nunca lhe faltaram. Contador de estórias de nossa gente, limitadas pelo sabor do nosso viver, João Valle Maurício sempre ganhou a universidade do sentimento do sertão, marcando dramaticamente facetas sensíveis das almas mais simples, com espertezas só encontradas na sabedoria brasileira. Criador de figuras bem nossas, muitas delas esboçadas de ouvido no mourejar do consultório mé-dico ou nas conversas descansadas nos sítios e nas fazendas, é ele um desbravador de consciências, com visão só própria aos que querem tirar todo proveito da vida, como se cada oportunidade fosse uma só. Um sempre apaixonado e aproveitador de belezas.
.........Creio que é mais importante ser membro da Academia Mineira de Letras do que Secretário de Estado. Secretários existem à centenas, nomeados ao sabor da política ou da politicagem, substituídos e sempre substituíveis pelas marés dos interesses nem sempre lícitos. Acadêmicos, ou contrário, vivem em listas fechadas de quarenta, só despedidos quando a vida não quer viver mais. Imortais representam a perenidade da arte das letras, a visão pluridimensional do belo de todos os sentimentos humanos. Não quero dizer que não seja bom e gratificante ser secretário, ter a força do poder, lutar no sobrecomum dos acontecimentos do governo, por e dispor para o bem público. Ser Secretário da Saúde deve ter sido ótimo para Maurício. Melhor, porém, é agora ser membro vitalício e imortal da Academia Mineira de Letras, uma das três mais acreditadas do país, tão importante que tem homens como Afonso Arinos de Melo Franco e Vivaldi Maneira tão seguro de si que recebe figuras exponenciais de estadias como Juscelino e Tancredo, sem dúvida momentos felizes da estrutura do pensamento de nossa raça homens de raciocino raramente encontrados.
.........Quem ganha com a posse de João Valle Maurício em nossa principal Academia de Letras é o Norte de Minas, é Montes Claros. Afinal, só ele, Ciro dos Anjos, e Waldemar Versiane chegaram lá!
JOSÉ COMISSÁRIO FONTES
.........Fontes, o companheiro, o irmão, o amigo, já não se encontra materialmente entre nós. Há poucos dias, em uma grande viagem pela eternidade, deixou este agitado vale de dificuldades, que está sendo o nosso mundo do terceiro quartel do Século XX. Uma viagem de ida ou de retorno, não importa, mas uma saída que marca saudades em todos que lhe queriam muito bem, que no total, são milhares de corações, aqui, em Montes Claros, em Ervália, onde nasceu, em Belo Horizonte... Alhures... Fontes era homem de muitos amigos, de admiração séria, devotada, carinhosa. Criatura de reconhecimento e respeito, pois, mesmo no centro de revolto mundo de armadilhas e problemas, foi sempre pessoa de bem, espírito de escol.
.........Bom brasileiro, bom mineiro, antes e depois de bom montes-clarense. Um devotado à causa do trabalho silencioso, do trabalho constante, mais direcionado para o seu semelhante do que a si mesmo. De esforços multipluralistas, viveu sem descansos, impregnado do melhor sentido da vida,
sem abatimentos desnecessários por tristeza que não podia evitar, sem alegrias desmedidas fora do seu feitio de sisudez. Acredito sinceramente que Fontes, sem ter nascido em Montes Claros, foi, nas quatro últimas décadas, um dos melhores representantes desta terra, comedidamente amado e desmesuradamente amante de tudo que é nosso. Fontes, o trabalhador, o operário do bom serviço, sempre membro ativo da comunidade.
.........Fontes veio para Montes Claros em 1942, algum tempo depois de ter feito do curso ginasial em Juiz de Fora, na Academia de Comércio. Chegou já na profissão que adotaria por toda a vida, a atividade comercial no ramo dos calçados. Antes, havia passado por Ponte Nova, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, num caminho do autodidatismo da vida, aprendendo e praticando, tornando mais rica a cultura, construindo a sabedoria das grandes almas, aprendendo a agir e servir, elegendo como norma o amor, o verdadeiro amor cristão, voltado para a felicidade. Aqui chegou, aqui venceu.
.........Rotariano, a partir de 1951, ainda em companhia de João Souto, nos bons tempos de Niquinho Teixeira, de Nozinho Figueiredo, de Moreira César, pouco tempo depois de Sebastião Sobreira. Um rotariano consciente de lema ‘dar de si antes de pensar em si’, compenetrado nos direitos e obrigações da sociedade. Cursilhista dedicado, organizador de primeira hora, líder, fraternalmente irmão, entusiasta, sindicalista, sempre ligado ao Sindicato do Comércio Varejista, à Federação do Comércio, foi ele o grande herói do SESC, conseguindo trazer para Montes Claros esse trabalho maravilhoso de que todos somos reconhecidos. Foi colaborador direto na criação de empresas e entidades de interesse público, como a Companhia Telefônica, a Companhia de Águas e Esgotos, a Associação Comercial e Industrial. Incentivador do Mobral em nossa região, provedor da Santa Casa, Presidente do Rotary Clube de Montes Claros – Norte e muitas outras atividades de inteligência e do coração.
.........Fontes, um jorrar de trabalho e de esforços para o bem comum, não será esquecido. Cumprindo bem sua missão, em passagem não muito longa pela vida, gravou indelevelmente o bom exemplo. Merece a nossa saudade e o melhor do nosso reconhecimento.
JOSÉ GONÇALVES DE ULHOA
.........Foi na 2ª feira passada, num salão ainda de grande nobreza, em pleno Centro Inter-Escolar de Artes, o Lorenzo Fernandez, que o meu amigo José Gonçalves de Ulhoa tomou posse como membro efetivo da Academia Montes-clarense de Letras. Tomou e está tomando, firme, seguro, solene, numa festa bonita, aconchegante, harmoniosa, onde suas duas filhas, Marta e Rachel foram maravilhosas como artistas e como filhas, e sua mulher, Ceci, em radiante e serena alegria, participou conscientemente da justa homenagem ao marido. Os amigos, que são muitos por sinal, também lá estavam, para o aplauso e para o abraço. O mais intelectual de todos, o Haroldo Lívio, comedido sempre, parece que achava o Ulhoa no caminho certo. Bom e agradável é o viver unido e em união.
.........Ulhoa tem sido um estudioso durante toda a sua vida, nem tão curta, nem tão longa, pois nascido em 1925. Eu diria um moderado devorador de livros, da literatura à filosofia, da técnica à arte pura. Um leitor e um ledor de várias horas por dia, na cidade ou na fazenda, daqueles de livro de cabeceira e de livro de bolso. Mais ainda, daqueles de leitura direta nos livros de Natureza, pois fazendeiro, é mais filósofo que agricultor e pecuarista. Em tudo há de tirar uma lição de vida, um lado poético, um encantamento existencial, um bem-bom de viver.
.........Aluno dos antigos missionários do Sagrado Coração de Jesus, em São Paulo, Ulhoa cursou seis anos intensos de humanidades, estudando oito horas por dia, sem direito a fé-rias por mais de quinze dias em cada período. Sabe tudo ou quase tudo de história grega e romana e ainda não passa vergonha em investidas tradutórias no alemão, no francês, no inglês, assim como no latim e no idioma de Xenofonte. Amante da apologética é também cosmologia e não despreza o desenho e todos os ramos das ciências naturais. Já leu Vergílio, Homero, Cícero, César e outros quejandos, no original. Leu ou ainda lê? Modestamente, não faz compromisso nem prega tão altas virtudes para os dias hoje.
.........Ulhoa, que também foi estudante de engenharia em Juiz de Fora e em Ouro Preto, quase chegou à diplomacia através de concurso no Itamarati, onde só não foi aprovado por perseguição de doença em final de concurso. Não se queixa de tantas voltas e reviravoltas, não se culpa por tantas indecisões, porque se diz apaixonado mesmo é pela agronomia, ciência em que não é formado, mas é doutor no dia-a-dia, amando-amante, vidrado, de beiço preso por tudo que é do campo, uma espécie de homo bucolicus. Talvez tudo isso tenha sido bom, porque, casando-se com Ceci Tupinambá, em 1952, vive e convive em Montes Claros desde então, a trabalhar e filosofar, bom para ele e bom para nós todos, os seus amigos.
.........Cronista deste consciente JMC, defensor principalmente da escologia, educado gladiador das boas causas, Ulhoa mereceu sempre o nosso respeito e admiração. Diplomata, ele tem um jeito especial de tratar a verdade, ferindo macio. Agora acadêmico, nada vai mudar, porque nesta altura da vida, é homem definido, de plano traçado. E nem podia mudar, porque neste Jornal , feliz ou infelizmente, ninguém muda. Mudam os tempos, mas o JMC é sempre o mesmo.
KARLA CELENE CAMPOS
.........É importante começar por Maria Luíza Silveira Teles, a autora do prefácio de “Hisbiscos Molhados”, publicado pela Editora Unimontes, a mesma Maria Luíza que seria, neste momento, a apresentadora do abraço de boas-vindas à nossa nova companheira na Academia Montesclarense de Letras. Cel. Geraldo Tito hospitalizado, família toda em cuidados, nossa colega de letras, de fé, e de amor à vida, aqui não poderia estar, e foi logo me pedindo para substituí-la nesta tão agradável e bela missão. Triste pela ausência física, saudoso pela distância, muito menos poeticamente analista do que luminosa Maria Luíza, sinto-me honrado e feliz porque sei do seu magnífico encantamento pela poesia e pelo charme de Karla Celene Campos.
.........Vejo-me, assim, como um acendedor de madrugadas, um libertador de belezas, um otimizador de primaveras, a um tempo só cronista e poeta, lúcido e em êxtase, muito espiritualmente acordado para dizer à distinta intelectualidade de Montes Claros e do Brejo que esta é uma hora marcante de dourada e acadêmica alegria. E que bom para mim, porque assim desempenho um papel de introdutor e de testemunha num dos mais destacados momentos desta Instituição, ato de muito agradecer a Deus, tanto de minha parte como também de Maria Luíza, assim como da parte da presidente Yvonne Silveira, madrinha acadêmica de Karla, esta Karla que, desde a infância, sabe desnudar e vestir cores e sons, prismas e músicas, ritmos e tempos, mundos de visões e sonhos, tudo nem sempre permitidos à normalidade de humanos mortais. Karla antevê e vê deslumbrantes rasgos de vidas, panoramas lúdicos só possíveis a quem, de cima dos horizontes poéticos, vislumbra matizes e sabe muito de ventos e brisas.
.........Missionária, predestinada e mágica, é arquiteta e operária de mais do que dizem dicionários e textos. Graduada em Letras pela Unimontes, jornalista pela UNI-BH, pós-graduada em Língua e Literaturas Brasileira e Espanhola pela PUC-Minas, cursos em Salamanca, mestra de muitos magistérios, poeta e cronista vencedora de dezenas de concursos, mereceu, com todo louvor, o destaque 2004 do Salão Nacional Psiu Poético e merece honestamente esta noite de posse acadêmica. No dizer de Maria Luíza, que também viveu infância e adolescência no Brejo das Almas, Karla - quem sabe pelos ares brejeiros tocados por tempestades de inspiração - edifica poemas desde que aprendeu a escrever.
.........Inteligente, profética, conspiradora de belezas, é e tem a majestade do imprevisível na tessitura moderna do mundo da comunicação e da expressão linguística. Menina sempre, tem a simplicidade vocabular dos que entendem das coisas. Sabe, como mestra, registrar costumes, repintar entusiasmos, dignificar gestos e jeitos, musicalizar todas as energias que a Criação Divina colocou no mineiríssimo gosto de nossa gente. Karla é uma geminiana mais do que versátil e exerce suas atividades sempre com muito prazer. Faz várias coisas ao mesmo tempo, principalmente quando estas coincidem com a sua filosofia e cultura. Insaciável para saber, de tudo saber, tem na fala e na leitura constantes perguntas. Fascinante no dom da palavra, sua conversa é ágil e estimulante, tanta eloquência que deixa a impressão de domínio completo em muitos campos do conhecimento.
.........Intelectual sempre, acomodada nunca! Importantíssimo – palavras que tiro da sua boca - que Karla tenha tirado da gaveta as páginas que lá envelheciam e ali trancado a própria modéstia, para nada impedir a publicação dos seus livros. Sabe que a vida tem prosseguimentos e que, para ser interessante, nem precisa de históricos acontecimentos, grandes glórias ou tragédias grandes. Basta ser como é, basta ser como este aqui e este agora, aura pura de amizades e considerações. Mesmo passando depressa demais, a vida é sempre ótima, ponta de partida e ponto de chegada. Melhor ainda quando em cada manhã um poema novo, cada hora como fruta madura ao alcance das mãos. Termino com versos lindos de Karla, sentimentos de amor à vida: Orquestra de insetos do mato. Sou o cio! Agora sou caminho, chegadas e partidas. Sou estrela. Sou abismos, precipícios, sou meio, sou inteira. Sou metade, sou avesso, sou tarde e amanheço.
Konstantin Christoff
.........Foi em 1974 que, numa das conversas com Konstantin, surgiu a ideia de uma feira de arte em Montes Claros. Feira ou exposição ao ar livre, numa praça, em dia de sol, todos os artistas juntos, arte e artesanato. Uma associação organizada, mas sem estatuto, sem presidente, sem secretário, sem tesoureiro, sem diretoria. Todos iguais, um ao lado do outro, sem escolha de lugares. Claro que com disciplina, mas a disciplina da amizade, do companheirismo, da consideração, ninguém mandando em ninguém. O que mais Konstantin pediu foi que nunca pensássemos em registro. Tinha que ser uma sociedade livre, para que os artistas pudessem entrar e sair sem pedir licença. Quer expor? Apareça no local e no horário, e tudo bem. Para que inscrição? Um único cargo, nada mais do que um, apenas o coordenador, porque pelo menos para dar informações, precisava de alguém. Discutidos os nomes, acabei sendo este alguém. Mas sem votação. Ele indicou-me.
.........Não é a feira de arte a lembrança mais antiga que tenho de Konstantin, pois amigo ele foi sempre desde os meus tempos de estudante no Instituto Norte Mineiro, estudantes passando na frente da casa dele, na Rua D. João Pimenta, e ele dando conselhos, falando como irmão, uma consideração muito carinhosa com os jovens. Lembro-me dele fazendo ilustrações para revistas de Montes Claros e de Belo Horizonte, lá de vez em quando colaborando com edições comemorativas de alguma coisa pelos jornais da cidade. Lembro-me dele médico sério e famoso na Santa Casa, cirurgião do maior respeito. Lembro-me muito da muita admiração que as moças casadoiras tinham por ele, um rapagão louro, de cabelos compridos sem ser demais, barba européia ariana, olhos claros, perfil de um possível marinheiro viking, financeiramente já bem posto na vida, tipo de genro que toda futura sogra desejaria para a sua filha.
.........A vida continua e Konstantin Christoff também continua na história de Montes Claros. Sempre admirado, sempre amado, um ícone das nossas artes maiores, pintura, escultura, desenho, a cada dia mais competente, a cada temporada com mais estudos teóricos, sabedor de tudo, estimulando jovens, criticando velhos, sugerindo sempre. Uma enciclopédia das artes e dos seus valores. Como era gostoso estar vendo ao mesmo tempo Konstantin e Godofredo Guedes, no estúdio de Godô, na Rua Rui Barbosa. Um completava o outro. Godofredo, um clássico, põe todo academicismo que ainda é pouco, escolha rigorosa de cores, pintura no mesmo movimento da escrita, da esquerda para a direita, de cima para baixo, se hoje como uma moderna impressora colorida de computador. Godô nunca abria mão dos detalhes, mínimos que fosse. Konstantin, não, um revolucionário, um iconoclasta, nada de detalhismo, nada de cores obedientes, traço rápido, um quase simplismo brincalhão, às vezes até puxado para a caricatura. Para Godofredo, Konstantin era um louco genial, um anarquista. Mas quanto o admirava!
.........O tempo passa e sempre Konstantin é um vencedor. Alguém mais do que um mestre. Uma assinatura sua é capaz de fazer uma folha de cartolina, uma tela vazia serem consideradas obras de arte. Um mágico fenomenal. Ontem e hoje bem aceito. Com exposições nas cidades maiores deste e de outros países, tornou-se um bem-visto pela imprensa especializada. Nosso orgulho!
.........Agora, que você se despede de uma multidão de amigos, uma quase infinitude de admiradores, receba o meu abraço, de amigo e de irmão, Konstantin Christoff! Inesquecível Konsta.
KONSTANTIN E SAMUEL
.........Leio o bonito e completo texto do meu amigo e irmão Samuel Figueira sobre o nosso amigo Konstantin Christoff, que acabou nos deixando pela força dos 88 anos de vida, e me lembro perfeitamente da primeira exposição de pintura do
Samuca, no prédio da Rua Justino Câmara com Padre Teixeira, e da apresentação que fiz, com palavras que soam até hoje na minha consciência, como se aquele julgamento fosse eterno. Afinal, era a história de um menino genial, que, adulto, se tornava mais genial ainda. Abaixo, um pouco do que escrevi sobre o artista, a sua vida e a sua arte:
.........Um dia o garoto toma coragem, veste a sua melhor roupinha, põe na cara o melhor dos sorrisos, e corre pressuroso em busca do elogio e do incentivo do já famoso futuro colega Konstantin Christoff. Leva o mais trabalhado dos quadros, aquele mais acadêmico, mais certinho, de pinceladas bem cuidadosas. Pede a opinião e baixa a vista, modesto, temendo, antecipadamente, as palavras de louvor. Mas tudo sai ao contrário, Konstantin, jovem e fogoso, não sabe mascarar a verdade. Não gostando, diz sinceramente ao menino que não gostou. Faz mais: mandou-o ir embora, esquecer o entusiasmo, jogar fora os pincéis e as tintas e tentar fazer outra
coisa mais condizente com a sua vocação, que, de natural, pelo que via, não seria a de pintor. O menino revolta-se, fica com o espírito em brasa, assustado, coça a cabeça e, em princípio, resolve aceitar o conselho, a sugestão por mais terrível que ela seja. Chateado, chateadíssimo, sai e volta para casa.
.........Triste e meditativo, raciocina melhor e conclui que está diante de um grande desafio, o que até pode ter sido o desejo de Konstantin. Analisa o passado, entrevê o futuro, e toma uma decisão: nem Konstantin nem ninguém pode ou vai sufocar o seu destino, sua vontade de ser artista. Se com aquelas palavras Konstantin estava mesmo é querendo despertá-lo, desafiá-lo, provocá-lo, ele iria ver, iria conhecer a sua reação de menino-homem, um grito de luta em busca de novo mérito. E quem sabe, até de elogios!
.........O que fez então o menino? Voltou a sua energia em direção ao próprio Konstantin, crítico ou conselheiro, produzindo, de súbito, a sua primeira e revolucionária composição moderna, uma mescla de variações geométricas e instrumentais, em cores robustas e enérgicas, pinceladas marcantes. Para compor o rosto, desenhou uma chave inglesa, representando todo o conjunto facial; para traduzir o cachimbo, enfiou-lhe um machado bem tosco na boca. Resultado: uma figura chocante, mas de grande efeito. O crítico Konstantin gostou. Gostou tanto, que o aconselhou agora a buscar de novo, e com muito amor, os velhos pincéis baratos. E que o garoto partisse para a realização de novas e muitas tentativas. Procurasse ser menos Godofredo e muito mais Samuel.
.........Data daí a nova fase da vida do artista Samuel. Pouca produção, muito cuidado, mais procura de melhor qualidade. Ideias sobre ideias. Formas sobre formas, transparências e coloridos novos. Entusiasmo comedido, decidida concentração, firmeza no ideal. Sem favor nenhum, pode-se considerar, em face do tempo, que Samuel Figueira, também meu mestre e crítico, é e será sempre um excepcional desenhista e pintor, artista de primeiríssima linha. Graças à inteligência, força de vontade e talento, dos melhores da história de Montes Claros. Sempre ele agradeceu isso ao amigo e colega Konstantin Christoff. Eu também!
LAÉRCIO VITALINO PIMENTA
.........Tem sido Lazinho um feliz montes-clarense, com vinte e cinco anos de festas, bom ambiente, gente bonita em volta, uma eterna e individual agência de notícias dirigida para o lado construtivo da vida. Um quarto de século de bom jornalismo em favor de Montes Claros e de nossa região. Trabalho descontraído, mas revestido da seriedade que só O JORNAL DE MONTES CLAROS sabe ensinar. Aluno aplicado, desde o início, de uma escola de excelentes profissionais.
.........Homem feliz o Lazinho. Ama Montes Claros como pouca gente sabe amar e pode, no dia-a-dia, bater-se em favor de sua terra, falando linguagem direta, limpa e concisa, num tom de quem sabe e conhece sobre o ambiente em que trabalha. Gratificado sentimentalmente, porque tem sido coordenador de uma geração, dentro e fora da imprensa, abrindo fronteiras, formulando desafios, programando tarefas, sempre a orientar os mais novos e menos experientes no ato de viver em sociedade.
.........Lembro-me do Lazinho, quase menino, já trabalhando em Coluna Social, na “Gazeta do Norte”, a estruturar um estilo ameno e agradável, buscando a melhor forma de divulgar e comentar fatos, sem excesso de promoção pessoal, sem dourar por demais as gerações douradas pela beleza ou pelo dinheiro. Houve sempre nele, em todos esses anos de jornalismo, uma busca por melhores valores intelectuais e morais, sem preferências por elitismos falsos ou verdadeiros. Quando um montes-clarense, aqui ou em qualquer parte, obtém uma vitória justa, o Lazinho é sempre o primeiro a vibrar de emoção, sentindo-se feliz pela felicidade de Montes Claros. A cidade sempre em primeiro lugar!
.........Lembro-me do Lazinho, quase menino, chegando ao JMC, ainda novos o jornal e ele, para ocupar a coluna da segunda página, vaga pela ausência de um saudoso colega, o A.R. Peixoto, o famoso Tu Peixoto, desportista e amigo, quase em despedidas da vida. Peixoto, muito querido, tinha de ser substituído por quem gozasse de admiração e prestígio. Além disso, o JMC, pioneiro na modernização da imprensa, precisava ampliar o sistema de comunicação social, não mais apenas com alegria festiva, mas com toda uma gama de notícias formadoras de um momento cultural e histórico.
.........Assim, veio o Lazinho, nesta convivência amiga e fraterna com os que representam a alma da cidade, com a gente que trabalha e diverte, que estuda e produz o brilho da legítima sociedade, uma sociedade aberta para o progresso legítimo. Assim, ele chegou ao JMC para ficar – realista e sonhador – fazendo muito mais para os outros que para si mesmo, um belo desempenho do verdadeiro homem de imprensa. Ao completar vinte e cinco anos de trabalho por Montes Claros – como diria Hermes de Paula, por sua história, sua gente e seus costumes não sei bem a quem dar os parabéns se ao O JORNAL DE MONTES CLAROS, que o tem como patrimônio, à cidade, que o quer como filho amado, ou a ele mesmo, o maior merecedor de nossa muita admiração. Um grande agraço, Laércio Vitalino Pimenta, Amigo Lazinho!
LISBELA ALCÂNTARA
.........Haroldo Lívio pergunta-me se vou escrever sobre D. Lisbela Alcântara. Mais do que o desejo de saber, o que Haroldo faz é uma sugestão, tal o seu modo de dizer, o carinho todo especial, o respeito para com o nome de nossa tão saudosa amiga. Não tenho dúvidas na resposta, não demoro, não penso, nenhuma hesitação. Digo-lhe que não só vou escrever, como quero, preciso e devo escrever.
.........Tenho de fazê-lo logo, um imperativo pessoal, inadiável, algo gostosamente compulsório, de nenhuma tristeza, de nenhuma dor, mas ao contrário até de muita alegria. Vê-la passar como passou, tão lúcida, tão bondosa, tão cheia de vida, lindamente participante de tudo, é para mim um momento de rara felicidade. D. Lisbela deixa-nos a todos bem mais ricos de beleza existencial, com um envolvente perfume de fé e de amor. A saudade que temos dela é uma saudade doce, encantadora, suave como a brisa de beira-mar à madrugada.
.........D. Yvone Silveira escreveu, no JORNAL DE DOMINGO uma crônica antológica sobre D. Lisbela Alcântara: coisa de almas gêmeas, de infinita ternura, tudo na medida certa. Lazinho, um dos bons amigos de D. Lisbela, foi justíssimo na apreciação que fez sobre ela, na sua coluna, mostrando, inclusive, o incentivo que sempre recebeu por parte da homenageada. Outros escreverão ainda, porque há muito que falar de D. Lisbela. Uma vida tão rica permitirá muitas lições, de aprimoramento pessoal, demonstrações de técnica de viver bem, de como muito amar e muito perdoar. De perdoar?
.........Não sei se D. Lisbela precisava perdoar, ela que nunca se ofendia e tinha sempre uma palavra de bondade para com as fraquezas humanas. Ela respeitava por demais as incompreensões e nunca deixava de amparar os incompreendidos. Era uma beleza de mulher!
.........D. Lisbela acreditava na vida como uma longa viagem educativa, uma tarefa a cumprir com desvelo e coragem, uma oportunidade de bem servir, um remontar do ouro da felicidade própria e alheia.
.........Fez luzir sua própria estrela e fez despertar muitas luzes com o amparo de sua inteligência e do seu coração. Acentuou sempre a alegria, ensinou a verdade, deu assistência e ministrou calma e paciência, ponderação e carinho. Imprimiu visões novas através de conselhos certos e saudáveis, endereçou bênçãos, brindou muita gente com suas lembranças, recordou lições de aprimoramento, ofereceu aprovação e estímulo, estendeu simpatia e fraternidade, espalhou compreensão e esperança. Que encanto de pessoa!
.........Assim, espiritualmente bela de inteligência e sentimento, partiu minha amiga, nossa amiga D. Lisbela. Não fico triste com sua partida, fico com saudade. Meu comportamento é mais de estar muito e muito agradecido a Deus por ter estado próximo à sua amizade e por ter compartilhado de suas gratificantes lições de sabedoria e de vida. D. Lisbela não foi, é um adorável momento da criação divina!
LUIZ DE PAULA FERREIRA
.........Luiz de Paula Ferreira é um milagre. Tudo na sua vida deu certo. Tudo: sonhos e realidade, jeito de ser e de viver. Comportamentos, atitudes, hábitos, numa receita sábia, e manhosamente aviada desde os velhos tempos de Roma: “Não basta ser, é preciso parecer”. Luiz – em todos os decênios que marcaram a idade do menino, do jovem e do adulto – foi e pareceu inteligente, intensa e fervorosamente, quase por um dever de fé e destinação. Querendo - quem sabe - até sem querer, jamais pôde fugir das luzes de uma generalizada admiração de próximos e distantes. Conservador e revolucionário, sempre teve como medida o comedimento, coisas de antigo PSD, que não fazia reunião sem antes de tudo estar resolvido. Luiz sabe ver e antever, vestido e revestido de inigualável poder de avaliação. Sabido, tranquilo e limpinho como um gato, no dizer do nosso saudoso João Valle Maurício.
.........Neste livro – conjunto fantástico de retalhos intensamente coloridos da vida interiorana brasileira do Século XX – Luiz de Paula é narrador e personagem, iluminador e fotógrafo, ao mesmo tempo retratista e retratado em cenas que ele próprio sempre se inseriu. Dono de poder material e imaterial, agora produz um texto mais do que vivo - do seu e do nosso agrado – encarnando e reencarnando uma tradição oral de esperteza, que muito será discutida no futuro, quando as máquinas e os chips ocuparem com primazia a diretiva humana. Os relatos, as crônicas, a prosa poética, até os contos que ele - por segurança e sabedoria, diz de ficção - repre-sentam o que a Literatura pode ter de melhor na fixação de imagens e vivências, conteúdo importante porque só possível aos que o viveram com entusiasmo.
.........Li, reli e tresli as três divisões – “NA VENDA DO MEU PAI”, “SANFONA DE OITO BAIXOS” e “ALGUMAS HISTÓRIAS”. E quando lia e revivia cenas da vida de menino do interior, testemunha real e virtual de tudo que acontece, pensei calculadamente em registrar neste Prefácio dezenas ou centenas de nomes de pessoas e de lugares, antecipando para o leitor o cheiro e o gosto de todas as acontecências, assim como as cores e a sensação táctil de cada paisagem.
.........Um pouco mais novo que Luiz, tendo vivido pelo lado de dentro e de fora de uma casa comercial - ouvinte e visualizador atento - bem sei do quanto o relar o umbigo no balcão valeu para nós. Ali nada passava despercebido no universo das pessoas e das coisas, seja ouvindo uma sanfona de oito baixos, seja engraxando sapatos ou controlando os movimentos sinuosos dos bêbedos. Era a vida imitando a vida, para criar memórias que só o livro pode fixar. Com este livro, Luiz eterniza Maria Velha, Maria Suruca, Mariazinha Palpitosa, o lambe-lambe Vitorino, Chico Boa Palavra, João Velho, João Raposa, Gregório Barba à-toa, além – é claro – um amplo universo de situações que marcam a malícia e a esperteza do dia-a-dia de Várzea da Palma, de Montes Claros e deste pedacinho gostoso do sertão mineiro. Resumindo, um musicar e um cantarolar de lembranças que só um narrador bom como o Luiz consegue pôr no papel.
.........Plurissignificativa, a Literatura faz com que certas personagens e situações ofereçam liberdade na interpretação dos textos, poucas vezes os mostrando imutáveis ou ensinando uma aceitação pura e simples. As palavras e o encadeamento de palavras sugerem visões que nunca pertencem somente àqueles que as escrevem. Uma vez materializado, o texto pertence mais ao leitor, à sua forma de pensar e agir, influenciado pela experiência linguística e pela cultura de cada um. Assim, “NA VENDA DE MEU PAI” vem para marcar época, com lembranças e vontades mais do que gratas para quem as viveu e para quem gostaria de as ter vivido. Aqui, não há fotos em preto e branco, não há figuras esmaecidas ou distantes: tudo é colorido, cada movimento tem uma surpresa como se estivesse acontecendo e sendo vivido agora. Luiz é um cinegrafista sortudo – pode-se dizer com efeito Kirlian – que além de gravar o visível e tangível, consegue divisar nuances que só aos privilegiados Deus permite contemplar. Bom para ele, melhor pra nós!
.........Purista corajoso do idioma, Luiz de Paula Ferreira conduz o leitor à excelência da fala brasileira, com todo o condão de quem sabe fazer mágica com a inteligência e o gosto do verdadeiro contador de causos. Alegre, otimista, sinceramente claro nos conceitos, oferece-nos o que há de melhor na vida sua e das outras personagens. Vale realmente ser lido. No meu ponto vista – e aqui não vale a amizade que nos une – “NA VENDA DE MEU PAI” é o melhor de todos os registros regionais que a argúcia literária impõe a um leitor interessado. No que toca à missão do homem no viver e conviver, no amar e no sonhar, Luiz é um cronista indubitavelmente universal.
.........Experimente-o como quem sabe sugar o sumo doce de uma jabuticaba bem madurinha, o andar de bicicleta em tempo de Primavera e o ver e ouvir o sapateado de um cantador de coco.
.........Em MOMENTOS, de Luiz de Paula, é amor e flor da natureza. Em Várzea da Palma, nas beiras do Guaicuí, em Montes Claros, ou em qualquer parte do mundo. Um livro realmente bom, mesmo que em leitura ligeira. Prosa e poesia de verdade, na seca ou nas chuvas. Tem quer ser, porque o autor foi batizado duas vezes, uma pelo ferreiro Bertolino, outra pelo padre da desobriga, e, por isso, virou poeta. MOMENTOS é livro desafio, trabalho em espanto de vida, aceitação de mistério. Suas páginas foram escritas em áureo e doce dealbar de músicas e de sonhos. Tudo plural: douradas iluminuras nas capas e, no interior, coloridos entre o branco e o preto, tudo bem serenado em universo de ideias. Um luxo!
.........Como disse o próprio autor, textos e pretextos de MOMENTOS nasceram como brotos das chuvas de São Miguel, multifacetada confissão entre o sacro e profano. Todo broto de vegetação foi visto em lupa de saudades. Visíveis encanto e filosofia, memória poética e pinceladas de vida. Tudo pintura com acenos de ser em tudo fiel às origens. Escrivão de sonhos, menestrel de doces lembranças, Luiz é compositor de ritmos, sem direito a esquecimento. Que tenham registros os currais de gado, os caminhos entre veredas, os bois de cem oitavas, a arte de navegar e fazer telhas. Imortalizem-se os bandeirantes, os vaqueiros, as partes da cozinheira ladina... Imortalizem-se a grandeza das pequenas coisas e os mínimos pedaços de espaço-tempo.
.........Que bom e agradável foi ler MOMENTOS! Que bom foi conhecer Dona Biló, assadeira de roscas, Neco Meireles, oficial abridor de cisternas, a parteira Siá Clara! Todo respeito para a professora Júlia, sessentona, de régua e taboada, todo respeito para a rezadeira Regina, sacerdotisa de benzeduras para cura de um tudo, palavras e gestos seus como que tirando doença com a mão. Carinhoso desfilar de antigas profissões, com toda a certeza de que o tempo não atravessa duas vezes o mesmo rio.
.........MOMENTOS é o registro fiel de um maravilhoso tempo de pura ternura, trato vivencial de gente parceira de Deus. Só podia ser escrito por Luiz de Paula Ferreira, autor de Montes Claros Vovó Centenária, garimpador do ouro mais puro. Declaro-me feliz, muito feliz, e sinto-me identificado com o Vale do São Francisco, por estar manuscritando estas mal traçadas linhas numa mesinha da Estação das Docas, Belém do Pará, de onde contemplo as infindáveis águas da Amazônia e sinto uma imensa saudade das planícies e dos claros montes do Norte de Minas.
MANOEL QUATROCENTOS
.........Estou no décimo-quarto andar do edifício do Banco do Brasil, no centro de Fortaleza. Aqui dentro a temperatura é de 18 graus, cortinas fechadas em quase todas as janelas, menos em uma que dá visão direta para o mar. Lá fora o calor intenso, um sol que daria gosto se estivesse na praia. O céu de brigadeiro, de um azul que indica não haver igual em nenhuma parte do mundo. Fazendo moldura, abaixo da linha do horizonte, o Oceano Atlântico que mais parece de clorofila que de água salgada: o verde é intenso, quase um verde de esmeralda ou de turquesa, daquele verde tão lindo como a cor dos olhos de uma bonita mulher de olhos verdes. É o mar de Iracema, a virgem criada por José de Alencar, de lábios de mel e cabelos mais negros do que a asa de graúna e a pele mais macia que a pe1úcia de um pêssego maduro em manhã de chuva. É aqui a capital do Estado do Ceará.
.........É aqui nesta festa urbana, onde trabalho e vivo cada minuto, que recebo um telefonema de Olímpia, com notícias de casa, de Montes Claros e da região baiana de Minas. Bebo com a audição cada detalhe, cada ângulo de comentários. Misturo tudo com uma profunda saudade dela e das coisas com sabor mineiro. Quem nasceu? Quem vive ainda? Morreu alguém conhecido? Ela me fala das mortes de dois prefeitos, das passagens súbitas de Caetana Meira, de Afrânio Tempone, da viagem eterna de Manoel Quatrocentos. Sente
profundamente a ausência da Caetana, tão nossa amiga, quase nossa vizinha, companheira da Casa da Amizade, do Elos Clube, do Rotary. Ninguém nasceu para viver definitivamente. Haverá sempre um último dia. Mas acostumar-se com a ausência física de pessoas amigas, mesmo que não estejam sempre próximas de nós, é sempre uma angústia. Não existe alegria na morte. Mesmo de longe, sinto a falta dos bons amigos. Penso em cada um. Vejo méritos em todos. Da alegria de viver de Tempone, por exemplo. Há poucos dias, eu tinha convencido Caetana a ir com Meira a uma convenção do Rotary em Caxambu. Fiz propaganda de maravilhas do encontro rotário. Ela aceitou.
.........Do verde do mar, da imensidão do oceano, da fantasia do céu do Ceará, volto-me inteiramente para a ideia desta crônica, focalizando na memória as muitas vezes que vi e admirei a figura nostálgica e cavalheiresca de Manoel Quatrocentos, um misto romântico de Dom Quixote e de Carlitos, último dos distantes conquistadores da beleza e do charme de mulheres famosas do velho cinema hollywoodiano. Sempre o verde do mar cearense o foco principal da lembrança do velho Manoel? De tudo que ele tinha na vida – e quase não tinha nada além do machado de cortar lenha – o de que mais se orgulhava era do verde dos olhos que herdara da mãe. Pode ser que seja isso, porque nos olhos do Manoel Quatrocentos estavam quase todas as suas maiores qualidades: a gentileza, a alegria, o humanismo, o desejo de conquista, a admiração por Montes Claros, a cerimônia com as mulheres, a ironia com os orgulhosos, a malícia com os velhos, a simpatia com os jovens. Grande Manoel!
.........Lembro-me perfeitamente dos meus primeiros tempos de estudante, lá pelos idos de 1951, quando íamos ouvir, aplaudir e anarquizar o jovem Manoel Quatrocentos, o “maior” cantor de boleros da Rádio Sociedade nos programas de auditório, no Cine Montes Claros e Cine Ipiranga. Chupando cana, comendo pipocas, fazendo bolinhas de papel de caramelos para jogar no animador e nos artistas, que grande alegria era cada manhã de domingo! Manoel Quatrocentos, mais romântico que o eterno romântico Adauto Freire, meu amigo, fazia poses de Gregório Barros, lançava beijos para as belezas invisíveis de Ingrid Bergman, Viven Leigh e Lauren Bacall. Era como se ele estivesse vivendo cenas de Casablanca e de E o Vento Levou, só possíveis de serem descritas pelo companheiro Ângelo Soares Neto, outro fã incondicional do Manoel, que a esta hora deve estar também muito triste, chorando mágoas com Haroldo Lívio. Quantas vezes pedíamos bis, bis só para sentir as impostações de voz de quem se acreditava Tyrone Power, Charles Boyer, Errol
Flinn, ou, nas horas de maior coragem, o próprio Charles Starett ou o Flash Gordon.
.........Lembro-me também da mania do Manoel Quatrocentos em falar línguas estrangeiras, no enrolado dialeto dos gringos; S’il Vous Plait Merci Beaucoup, Yes, Thank You, Buenas Noches, Oh Muchachas, Take it easy, Shut up, tão comuns aos artistas franceses, mexicanos ou de Hollywood. Era um tal de falar em footings e flirts que dava gosto! Lembro-me dos amores de Manoel Quatrocentos com o que parece ter sido seu único amor materializado – a Maria Tostão, lá no alto dos Morrinhos, quem sabe a sua alegria legítima. Perfumado sempre nas horas de folga, nunca sem gravata, castelhano gravado no sotaque, Manoel Quatrocentos foi um homem despojado de orgulho nas horas de trabalho braçal, dono de pouco, mas sempre sagrado dinheirinho para as próprias necessidades.
.........Do Ceará, quero mandar meu último aplauso a Manoel Quatrocentos, o maior candidato ao noivado com as mais lindas mulheres do mundo. Que a manhã de sábado, 23 de abril de 1988, tenha sido para ele – Manoel Nunes da Silva – um fantástico momento de glória, uma contemplação maravilhosa do infinito azul do olhar de todas as belezas femininas da história. Ele muito fez por merecer.
MARIA LUIZA SILVEIRA TELES
.........Foi uma linda festa a de lançamento do livro “As 7 Pontes” de minha amiga, companheira de Academia e de Faculdade, irmã de todo o coração, Maria Luíza Silveira Teles. Salão cheio no Centro Cultural. Rostos de muita simpatia para com a autora, aquela sensação de grata amizade por um passado e presente de bons entendimentos, fruto que só o amor pode realmente construir. Coisa interessante: Maria Luíza tem muitos amigos, sincera gente que mora na sua alegria e no seu viver, tudo muito lindo de se apreciar. É bom que ainda exista gratidão neste mundo, pois a autora de “As 7 Pontes” só tem tido na vida o trabalho sincero em favor de todos que participam de sua existência como professora, escritora, poeta, psicóloga, intelectual e espiritualista de tempo integral, sempre indicada ao extremo tanto na alegria como na tristeza de cada um ou de todos.
.........Estou falando de Maria Luíza, porque falar dela é o mesmo que falar de “As 7 Pontes”, já que seu romance, excelente do princípio ao fim, é reflexo perfeito do seu modo de ser, da sua fé, do seu racionalismo, de sua visão particularíssima, das fraquezas e virtudes do homem e da mulher, juntos ou separados. Realmente, “As 7 Pontes” é um livro de sabor universalista, repertório de experiências vividas e ouvidas, sentidas e presenciadas, já que Maria Luíza, como confidente de muitos, sempre atenta a humanas idiossincrasias, nunca perde ou esquece um detalhe existencial, um desenho perfeito ou simples caricatura a “vol d’oiseau” Pintora de caracteres, observadora de feições, afeita aos mais simples movimentos da alma jovem ou adulta, nova ou envelhecida, Maria Luíza sabe tecer a trama interessante e policromia de que o leitor não pode se afastar enquanto não obtém a catarse esperada.
.........Luiz de Paula no prefácio muito feliz, afirmou ter lido “de um só fôlego todo o romance, amarrando-se ao destino vivencial de cada uma das personagens, que se buscam e se atropelam numa ficção-realidade”, num cadinho de sonhos, contradições, amores e desenganos. Diz ele que “todos nós nos reencontramos em episódios diversos da história, pois o tempo jovem dos homens e das mulheres se escreve, de certo modo, com os mesmos arranjos e iguais trajetos, sobretudo no plano das idealizações”. Livro de personagens modernas, afeitas as peripécias da vida atual, com o mundo centrado em Montes Claros, Francisco Sá ou na Amazônia, oferece, num balanço sincero, o peso devido às influências do espírito e da matéria. Selva ou cidade, civilização primitiva ou a caminho de evoluir, a pessoa humana será sempre um laboratório de reações previsíveis para quem conheça a vida e dela participa com amor.
.........Zoraide Vasconcelos Teixeira, minha amiga belo-horizontina de Brejo das Almas, alma sensível como Maria Luíza disse também uma verdade sobre “As 7 Pontes”, que nenhum leitor poderá desfazer: “o livro restituiu-nos um bem precioso que é a fé na vida, a possibilidade de sonhar e acreditar nos próprios sonhos”, um feito de podermos idealizar um mundo novo, incessante busca de perfeição. “É filosofia, é religião, é purificação, e vida transbordando em plenitude. É Maria Maria Luíza com toda sua feminilidade, com toda sua espiritualidade. Há nele uma infatigável confiança nos princípios básicos sobre os quais deveriam se alicerçar o destino dos homens”. Não se pode arredar a ideia de que “As 7 Pontes”, de Maria Luíza tenha nascido em parte na sua infância de Francisco Sá, menina-moça que viveu ao lado de Zoraide, duas intelectuais desde os tempos de criança. É por isso que Zoraide não só gostou do livro: amou-o como se ama a um filho ou a um irmão muito querido.
Maria Luíza e Zoraide são realmente boas irmãs, assim como eu também me sinto com relação às duas, sempre muito perto do coração.
.........Voltarei ao assunto, minha senhora, o que espero não demorar. Afinal, farei hoje quase que só aproveitando das ideias alheias, justas e bonitas, pois partidas de duas grandes inteligências, Zoraide e Luiz de Paula. Concorde com eles, saberei também, como disse o poeta, ouvir estrelas, e fazer as minhas confissões de ouro que pude minerar.
MARIA OLIVEIRA
.........Desde que Haroldo Lívio publicou a crônica LIRA DOS OITENT’ANOS, em setembro de 1986, que coloquei também na minha intenção o nome de Comadre Maria Oliveira para um escrito laudatório em que pudesse deixar patente e documentada toda a minha amizade e admiração que sempre tive por ela, desde os nossos dias de JORNAL DE MONTES CLAROS, em torno de 54 e 55. Não sei de outra pessoa que tenha trabalhado em jornal – em todos esses anos que ando pelas redações – em que eu possa reconhecer mais mérito do que reconhecia na figura e no jeitão de ser de Maria, sempre amiga e conselheira, eterno pensamento positivo, astral de cosmonauta com olhos no céu e pés firmes no chão. Para falar a verdade, sempre guardei a coluna do Haroldo, com os elementos nacionais sublinhados em vermelho, de modo a nunca me faltar os dados mais importantes, já que ele, parente dela, tinha de conhecê-la mais do que eu, principalmente nos assuntos de família.
.........De dois meses para cá, estive sempre com o arcabouço do que seria esta crônica dentro da minha pasta de trabalho, para, a qualquer hora, fazer a redação final e mandar para o JMC. Oito semanas, quase sessenta dias, e nada de dar certo, de materializar a vontade, o velho desejo de falar de Maria, e outros temas sempre passando na frente, alguns até a exigir atualidade, que jornal tem muito dessas coisas. O tema MARIA OLIVEIRA sempre acabou esperando. Na minha chegada de viagem a São Luis do Maranhão, passando a limpo todas as novidades, folheando correspondências, vendo papéis diversos, lendo os jornais, vi no JMC, primeira página, retrato e notícia da morte de Maria, aos 82 anos de idade, depois de longa vida de dever cumprido. E o jornal era do dia seguinte, com tempo ainda de assistir ao sepultamento, uma derradeira despedida. O meu espanto foi que, nas últimas
horas, eu havia tentado escrever sobre ela pelo menos quatro vezes, mas o tempo sempre me traindo em todas as oportunidades. Esta crônica continuava sempre um projeto, embora permanentemente presente na consciência, pronta para sair.
.........Como diz o Eclesiastes, há tempo para tudo, para todo propósito debaixo do céu, tempo de amar, tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de rir, tempo de chorar, e, enfim chega o tempo da saudade por Maria Oliveira, amiga e companheira de imprensa, mestra de boas maneiras, orientadora de vida e de postura diante do mundo, diplomata da afeição, velhice jovem e arejada, rara de se ver nas almas quase solitárias como foi ela nos últimos tempos, em sua amada casa da rua Tiradentes, pertinho da Praça Coronel Ribeiro.
.........Hoje, lembro-me com profundo amor das muitas horas que passávamos conversando na sala de endereçamento e distribuição do JMC, no vetusto prédio da rua Doutor Santos, salinha de uma só janela e pouca luz, mas cheia, cheíssima de entusiasmo pelas notícias e pelas personagens do dia-a-dia, um laboratório de idealismo em que José Prates, A.R. Peixoto e eu escrevíamos praticamente tudo que era publicado. Dona Maria Oliveira fazia a coluna dos aniversários, onde colocava datas, nomes e profissões, dando mais ênfase, é claro, às pessoas de quem ela gostava mais. Cada dia, uma aventura nova, uma eterna tentativa de fazer da cidade um mundo mais civilizado e mais agradável de se viver.
.........Maria de Oliveira tinha a firmeza das mulheres bíblicas, a decisão de uma heroína, a beleza transcendental de uma verdadeira mãe, nunca se excedendo em nada, em tudo na medida certa, doce e harmoniosa, alegre, sorridente, sempre pronta para um gesto de boa vontade, uma suave admoestação quando necessária, principalmente diante do arrebatamento de jovens jornalistas, que, muitas vezes queriam reformar tudo.
.........Quantas e quantas reportagens sobre a violência política ou mesmo sobre assuntos de política foram por ela reorientadas, evitando aflorar velhas feridas ou justificar arbitrariedades tão comuns naquela época. Maria era sempre uma palavra de ponderação e entendimento!
.........Correndo, apressados, ansiosos, Olímpia e eu ainda conseguimos chegar a tempo para presenciar a entrada de Maria para o seu último refúgio de descanso na terra dos Montes Claros, terra para ela mais do que sagrada, santo campo de eternidade.
.........Era uma manhã de muito sol, clara, vistosa, a brisa balançando as folhas das árvores e fazendo esvoaçar os cabelos de parentes e amigos, atmosfera muito mais de respeito do que de tristeza, coisa assim como um arco-íris de lindo envolvimento emocional. De jornalistas e velhos companheiros de imprensa, Haroldo Lívio, Ângelo Soares Neto, Tião Camurça e Zé Branco. Poucos, mas muito representativos para a amizade maravilhosa de Maria!
MARINA LORENZO FERNANDEZ
.........Desculpe-me estar escrevendo tão tarde, considerando já passados tantos dias das comemorações dos vinte anos de Conservatório Lorenzo Fernandez, sem favor nenhum, uma grande festa de amor. Desculpe-me e também a todos, D. Marina, a todos que, só, no silêncio, curtimos a admiração votada e devotada pelo seu trabalho de tantos anos, de tanto tempo. Não foi por esquecimento, nem meu, nem de ninguém, pois todos, cada um em particular, e juntos, formando uma grande corrente, todos nós, gostamos da Senhora, numa admiração e ternura, que mesmo para os sentimentais, é bastante incomum. Deixamos de escrever, mas, não deixamos de nos manifestar, pois coração não faltou na hora de vibrar, no olhar de longe a alegria de todos que trabalham e vivem no dia-a-dia de sua Escola. Aliás, a vibração foi tanta, que naquela noite da Catedral, da orquestra do Professor Magnani, quase balançaram o coreto de tanto barulho e de entra-e-sai.
.........É assim, D. Marina, é assim a vida de trabalho. Estamos juntos e estamos separados, cada um lutando para o seu lado, que a cidade cresceu e tem tarefas por todos os cantos, com muitas reuniões todos os dias, problemas remontando problemas, vidas marcando vidas em encontros e desencontros, numa luta sem tréguas. A Senhora mesma faz milagres em conseguir o quase impossível, vivendo para o mundo de jovens de todas as idades - dos dez aos sessenta - que buscam diariamente o Conservatório . E como vive, D. Marina! Com que desprendimento! Feliz, feliz, sempre confiante, bem humorada, desenvolta e envolvida num suave manto de juvenil interesse por tudo que respira cultura.
.........É lindo o mundo com gente assim como a Senhora, D. Marina. E lindo ter amigos, amigas, colegas, que trabalham ao seu lado, absorvendo em todos os momentos o seu entusiasmo, o seu amor à arte, o seu amor como professora, o seu amor com gente que sabe amar de verdade. E bom, D. Marina, é bom ! O nosso tempo precisa de afeição, de suavidade, de terna beleza. Sobretudo, dos valores eternos da arte e da meiguice do bem viver, do aprender e do ensinar.
.........Muito obrigado, D. Marina, pelos vinte anos de mudanças de mentalidade desse povo tão sofrido da cidade dos Montes Claros, desse povo que sempre foi bom, mas que precisava de uma tessitura de compreensão que só a arte pode oferecer. Não quero dizer que não houvesse, aqui, sutilezas de inteligências, antes da Senhora; não houvesse sensibilidade. Sempre houve. E ai para garantir, está o nosso folclore, a história, a literatura, a imprensa, marcos de humanismo e de interesse pelas coisas do espírito e do coração. Mas, o que quero afirmar, D. Marina, é que sua suave teimosia, sua encantada e mágica disposição de trabalhar e amar mudaram as consciências e, hoje, Montes Claros é uma cidade muito mais rica, rica de beleza.
.........Obrigado, D. Marina. Os que vão viver a saúdam e pedem passagem.
MARY FIGUEIREDO
.........Maria da Consolação, Mary Figueiredo, Mary Figueiredo Cowen é para mim a moça mais importante do mundo. Sempre eu disse, desde que conheci Mary, que ela poderia ser professora de francês na França e de inglês na Inglaterra. Com a mesma eficiência que é professora de português-brasileiro no Brasil. Se Algum dia Mary resolver ensinar japonês no Japão, resolver, estudar alguns meses e – pimba – falará o melhor japonês e o melhor chinês! Mary Figueiredo é fogo! Uma garota inteligente desde que nasceu e de muito antes do nascimento. Inteligência eterna, audível e visível, destas que avassalam os séculos, contribuindo para a melhoria da inteligência dos outros! Inteligência. Uma pessoa muito feliz e que muito sabe o que quer.
.........Mary é sempre minha querida professora de francês e de literatura francesa, minha cara professora para toda sabedoria que existe no mundo antigo e moderno. Sempre aprendi muito com Mary, assim como um número incontável de outros alunos seus daqui do sertão de Montes Claros e de muitas outras partes do planeta Terra. Mary Figueiredo Cowen é um sucesso como mestra e como ente humano. Alguém assim um tanto especial, que só de tempo em tempo pode aparecer na história. Acho que Mary pode ser diretora da Universidade do Cairo, programadora da NASA, chefe da Base de Baikonur, presidente da ONU, governadora de Minas, leitora notável da Universidade de Londres. Ou pode ser simplesmente uma perita em churrasco na gostosa mansão de Baby e João Carlos Sobreira. Presidente do Banco do Brasil acho que Mary pode ser, porque presidir o Brasil muita gente boa pode estar fazendo. Para Mary isso seria barbada, fichinha, nem dava para ficar no sério.
.........Hoje que esta Academia de Letras faz uma homenagem a Mary, numa hora que – mercê de Deus – devo estar na cidade do Salvador, Bahia de Todos os Santos, quase em início de tarefa, fico triste em não poder estar com os seus amigos neste momento de abraçá-la. Se aqui estivesse, ficaria de longe, olhando, admirado em êxtase, sua gratificante fase de beleza interior e exterior. Até parece que o clima de Londres e os tratos do Bob Cowen só fizeram bem a essa charmosa mulher! Parece também que até disso a sua inteligência sabe aproveitar e assumir. Mary é sabida até para se apaixonar. Sabe que o amor faz bem! Mas como a minha cunhada Laury Cunha diz que quando a gente quer elogiar uma mulher o bom é nunca adjetivá-la de inteligente – devendo-se, por outro lado – dizer que ela apenas é bonita, eu digo, então, para todo mundo ouvir, saber e concordar: MARY FIGUEIREDO COWEN é linda, formosa, lindona como ela só! Uma estrela de sexta grandeza!
.........Se eu fosse o Rei de Roma, no tempo que Roma mandava, fazia e desfazia, o que eu iria fazer com MARY era coroá-la rainha da Inglaterra. Ou então princesa do Brasil! Se ela não aceitasse a minha homenagem, não tinha nem coré-coré, nomearia, nomeá-la-ia, à força, episcopisa de Caruaru ou prefeita do Rio de Janeiro. Não dando certo ainda, faria dela a mais importante coronela do exército de Katmandu!
MONSENHOR OSMAR
.........Não me canso de ter saudades do tempo bom e gostoso das aulas do Colégio Diocesano, de quando podíamos, todos os dias, sentir e ouvir a alegria do Monsenhor Osmar Novais de Lima, a braveza do Padre Agostinho e a terna amizade de Monsenhor Gustavo. É de fato um momento inesquecível, de quando cada gesto era uma lição, cada atitude uma experiência de seres em luta e em paz com a vida. Os três juntos, ou cada um em particular, eram para nós, meninos-rapazes, o grau mais alto da sabedoria, a fonte inesgotável de conhecimento, os degraus por onde alcançar a segurança do futuro. É claro que, particularmente, um por um tinha o seu séquito de seguidores, dependendo da esperteza ou do grau de inteligência de cada aluno, ou mesmo da maturidade ou falta de juízo, como podíamos encontrar nos mais sérios como Geraldo Miranda e Nivaldo Neves, ou nos mais afoitos como Pai da Mata e João Doido. Em órbita havia gente de todo jeito, tipo Tereziano Dupin, Renato Pobre, Renato Almeida, Dezinho Dias, Ivan Guedes, Lazinho Pimenta, Raimundo Santana, José Maravilha, personalidades marcantes que iam do folclore à poesia, do trabalho sério à justa compenetração.
.........Cada dia era um novo esquema de novidades, de surpresas, uma sensação de estarmos construindo o mundo, preparando-o para a nossa geração e para todas as outras que poderiam vir depois de nós. Ninguém fugia da luta, tirar o corpo de banda, em qualquer tarefa, era um sacrilégio. Matar aulas era pecado capital. Durante a semana não valia nem cinema nem namoro. A ordem era estudar! Uma única transgressão era permitida e só ao Miranda, porque ele havia inovado o sistema, inventado uma saída, namorando com a professora Lourdes, inteligentão que era. O Dezinho Dias, já mais velho um pouco, falava de fazendas, de vez em quando. O Raimundo Santana era um importante, pois tinha bicicleta e tomava uísque antes das provas de matemática. Ivan impunha grande respeito: de vez em quando jantava em restaurante, sábado à noite depois do grêmio. A maioria, como eu, não tinha dinheiro nem para picolé ou quebra-queixo, e quando muito, bebíamos caldo de cana. Cafezinho era luxo!
.........Professor bom mesmo era o Pedro Santana, vibrante, granfino, dominante nas cadeiras de História, Ciências e Inglês, um terror par quem não tivesse as matérias na ponta da língua, a capacidade de responder, falando ou escrevendo, sem gírias. Pedro era tão imponente, que não repetia ternos e gravatas durante um mês, cada dia uma nova cor, hoje um três-botões, amanhã um jaquetão, tudo dentro do melhor figurino de Vavá ou Wilson Drumond. O cabelo, ah! O cabelo era que merecia o maior cuidado! A barba, de um barbear diário na barbearia de Antônio Guedes, com massagem facial, na mesma hora em que também estavam sentados os granfinos Júlio de Melo Franco e Nelson Vianna, fregueses de manhã cedinho. Errar com Pedro ou com o Padre Agostinho – outro elegante – era imperdoável. A nota menor que um bom aluno podia tirar era dez. O nove era um feito vergonhoso!
.........Havia outros professores famosos e entre eles o Tabajara, a Terezinha Pimenta, Doutor Carlyle, a Maria Inês, D. Rosita Aquino e o Belizário, que falava latim e tinha o cabelo parecido com o de Castro Alves. Em certas ocasiões, o Bispo D. Antônio chegava a assistir a algumas aulas, sentado conosco, perguntando e participando, como se não soubesse de tudo! Foi a maior inteligência que conheci, uma cultura universal, um poder oratório que Montes Claros nunca teve igual, nem com o Simeão Ribeiro... Era um admirável mundo novo, principalmente para mim, que sem ternos e sem paletós – o primeiro foi o Vadiolando Moreira que me deu - achava tudo aquilo um sonho em realização. Maravilhosamente encantado, sedento de aprender, nunca cedendo o primeiro lugar a ninguém, uma coisa marcou-me profundamente a diretiva na vida e me tem servido constantemente de bom exemplo: a alegria de viver de Monsenhor Osmar Novais de Lima, nosso diretor!
NATHÉRCIO FRANÇA
.........Sou dos que acreditam que a finalidade da vida é o praticar o bem, o ser feliz, o estar sempre em paz com o passado e em confiança com o futuro. Sou dos que acreditam que o melhor dia da nossa vida é o dia de hoje, a hora em que estamos vivendo.
.........O bom proceder, no presente, redime as frestas que já se foram e prepara um porvir que, de alguma forma, nos garanta uma normalidade de mente e de coração, afastando possíveis e desnecessárias preocupações antecipadas. Assim, cada dia constituir-se-á de novas oportunidades de trabalho e aprendizagem, novos meios de consolidar amizades, um tempo positivo de deixarmos a marca de nossa passagem pela caminhada na Terra. E parece que não estou sozinho no meu modo de pensar e de agir. Ainda existem muitas criaturas que se preocupam na alegre busca da felicidade, na afirmação de valores afetivos, no consubstanciar das riquezas eternas do amor. Gente que, convivendo com o mundo da máquina e recebendo os impulsos da moderna eletrônica, ainda não se desvinculou de qualidades que só dizem respeito ao bem-estar da alma das pessoas e das coisas. Gente que se sente feliz com a felicidade alheia, que se emociona com a alegria, que reparte sinceramente o bem com todos os semelhantes. Conversando, ontem, no Centro Cultural, com o Padre Aderbal Murta de Almeida, procuramos repassar antigos assuntos, reviver antigas lembranças, apontar fatos marcantes que engrandecem o patrimônio ideológico de Montes Claros, no cognitivo e no emocional da história. Ele citou inúmeros exemplos do grandioso, da bondade e da fé, do amor de espontânea dedicação ao bem, daquele halo de luz que acompanha a escalada evolutiva de figuras que marcaram o nosso humanismo e a nossa cultura. Para resumir, ele propôs dois nomes, que, pessoalmente, consideraria os mais importantes na galeria do bem, no amar e no perdoar, na sabedoria do ser e do viver. Expôs o primeiro, destacando o trabalho do Padre Marcos e, quando eu ia interrompê-lo, tentando apontar o segundo, ele adiantou o nome que já estava na minha boca, lembrando-se clara e alegremente de Nathércio França, o nosso grande Nathércio. Olhei para Nivaldo Maciel, que conversava conosco, e vi que, pelo seu consentimento, se demorássemos mais um pouquinho, ele teria pronunciado as mesmas palavras antes de nós. De fato, considerando o ponto de vista da capacidade do bem viver, do existir com sabedoria e majestade, do ser irmão e ser amigo, do companheirismo e da fraternidade, é Nathércio França a maior figura da história de Montes Claros. Ninguém, ninguém mesmo, pôde deixar de admirá-lo, de sentir a elevação do seu amor, de compartilhar com justo orgulho a sua sempre visível simpatia e o apreço com que ele tratava cada momento da existência, numa fé inquebrantável que só as grandes almas sabem ter. Não estivesse a sua passagem tão perto no tempo e no espaço, pois há tão pouco tempo nos deixou, creio que a nossa consideração ainda seria maior. Nathércio França foi, sem dúvida, um momento inesquecível de nossa vida.
NECO SANTAMARIA
.........Se o assunto está espichando muito, a culpa pode ser debitada ao leitor. A culpa ou o mérito, porque o leitor, em primeira e última análise é quem determina o caminho que deve ser seguido pelo cronista. Quando escrevemos em jornal, nosso maior prêmio é a leitura imediata, a apreciação do conteúdo,
os comentários que fazem amigos e adversários, conhecedores, doutores ou simplesmente curiosos. Não adianta escrever para não ser lido. Quem escreve para si mesmo não deve publicar o que produz e os escritos poderão continuar guardados, em gavetas ou dentro de folha de livros, embora esse ato possa prejudicar a um virtual leitor, muitas vezes necessitando de uma talvez preciosa informação.
.........Mas qual é mesmo o assunto que eu estou espichando? Nomes de ruas, uai!... Esse manancial que Montes Claros oferece a mancheias, rico, quase folclórico, divertido, de certo modo até com características históricas, o que poderá ser útil, no futuro, a alguém que deseje inventariar ou associar fatos da vida da cidade.
.........Combinei com Haroldo Lívio para ele escrever o que sabia, já que ele foi o puxador do samba, mas o meu caro amigo e colega, num terrível silêncio, bateu asas e voou para um congresso de oficiais de cartórios em plena realização na bela Fortaleza do Ceará. Pode sr que, de lá, o Haroldo mande
pelo menos um postal para o Lazinho, dizendo não ter se esquecido dos tão saudosos Montes Claros dessa iniciante primavera.
.........Minha história de hora é ainda do bairro Todos os San-tos, pedaço de terra que o Simeão Ribeiro Pires santificou desde o papel vegetal do projeto-piloto, quando ele tinha escritório ao lado do Colégio Imaculada, naquele velho prédio da fábrica de tecidos de sua família. Digo minha história, porque nesta eu tomei parte, parte ativa. Foi uma pacata sessão de nossa Câmara Municipal, com todos os senhores vereadores presentes, num dia em que alguém disse não poder o bairro Todos os Santos ter uma rua com o nome de Antônio Narciso, não sendo ele santo de papel passado, embora membro de uma tradicional e respeitável família, a mesma do colega Paulo Narciso, o homem da FM. Haveríamos, então, de achar um nome de santo, para a rua que hoje é chamada de São Tomé.
.........A primeira sugestão de projeto partiu de Jonas Almeida, que propôs o nome de São Judas Tadeu. Neco Santamaría não gostou da ideia e protestou na hora: São Judas não podia ser, porque é nome de traidor, que tinha vendido o chefe para os judeus. Não sei se foi o Humberto Souto que tentou um conserto de situação, indicando o nome de São João Nepomuceno. Ainda aí, Neco não concordou, dizendo que esse nome também era suspeito, muito complicado. Explicado tudo muito bem explica, que S. Judas Tadeu era outro que não os Iscariotes, que São João Nepomuceno era até nome de cidade, tão bom que era, o Neco continuou irredutível. Além disso, havia muita rua com o nome de São João, inclusive no bairro. Que arranjássemos um outro.
.........Foi nessa hora que me lembrei de um velho amigo que, antes da abertura da rua, já morava naquele local, atrás do campo do Cassimiro de Abreu. Era um servente de pedreiro muito bom, alegre, trabalhador, casado com uma senhora muito distinta, boa lavadeira, boa doceira, prestativa. D. Pedrelina. Nunca ninguém jamais havia ouvido falar mal dele, era bom companheiro e bom vizinho, e tinha um nome muito sugestivo, de santo muito conhecido: chamava-se Tomé. Tomé de que, não sei. Tomé, nome de santo. Neco protestou, ainda, dizendo que esse santo não tinha fé, e precisou de colocar o dedo na ferida de Jesus Cristo para acreditar na verdade. Não teve jeito, a Câmara estava decidida Convencemos o Neco, que esse São Tomé era muito bom, tinha até os méritos das ciências exatas, porque queria ver e tocar para crer. A decisão não demorou e foi unânime. Hoje a rua chama-se RUA SÃO TOMÉ, e tem moradores muito importantes...
NELSON VIANNA
.........Tenho, como patrono da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, um notável homem de letras da nossa região, um regionalista e sério pesquisador de costumes, literato de fôlego, um sentimental homem do sertão, sempre vestido com roupagens de sério trato: Nelson Washington Vianna, o curvelano montes-clarense.
.........Escolhi-o com o desejo de marcar de modo definido minha admiração pela obra diretamente ligada às gentes do grande sertão do Norte, ao agricultor, ao caboclo, ao vaqueiro, ao frequentador de feiras, ao fazendeiro, ao contador de “causos”, ao tocador de viola, ao solitário das madrugadas e das bocas de noites e aos que, cansados das tarefas do dia, sentavam se ou se sentam nos calcanhares para ouvir ou falar com a maior sabedoria do mundo. Nelson Vianna, com a sinceridade do cientista, contou muito da esperteza do interiorano de Minas, homo rusticus ou homo urbanus, sempre com a alma aberta à criação de tipos, caracteres e personalidades de rara beleza para nossa literatura. Ele despertou um sentido novo de humor, uma figuração de inteligência e perspicácia, um savoir vivre e savoir faire difíceis de se encontrar em outra literatura.
.........Perscrutador impenitente, incansável olheiro da fraqueza humana, quase libidinoso no modo de ver e interpretar, Nelson Vianna foi imaculadamente o grande repórter de uma vasta reportagem do homem sertanejo desse lado de cá do mundo mineiro, que vem de Curvelo até os Montes Claros. Ele sempre viveu acompanhando vertentes e serrarias, capões de mato e serrados, veredas e gerais, cenários de vida e de literatura tão gratos aos nossos corações. E pena que eu não tenha conhecido tão bem Nelson Vianna como o conheceu Cândido Canela, Olyntho da Silveira, Vianna de Góes, como o estudou Haroldo Lívio. Homem distante, severo, de poucos amigos, não dava muita oportunidade aos mais novos para conversas e troca de ideias.
.........Lembro me de ter conversado com Nelson Vianna apenas uma vez, no vestíbulo da casa de Osmani Barbosa. Estava eu naquela ocasião interessado em fazer uma pesquisa sobre a literatura do Grande Sertão, exatamente no pedaço de terra que fica entre o centro de Minas, a Serra das Araras e o Carinhanha. Precisava de dados comparativos de dois estilos que dissessem diretamente sobre o elemento humano, fruto telúrico da paisagem sofrida, ponto de ligação entre a natureza e a vida do passado e do presente. Propus, então, a ele uma entrevista, do homem e do literato, para que eu pudesse, depois, compará-lo com Guimarães Rosa, o outro lado do trato com o comportamento sertanejo. Nelson Vianna espantou-se, olhou-me de frente, franziu o semblante, parece até que tremeu e, considerou minha atitude uma audácia: fazer comparação dele com Guimarães Rosa não tinha propósito, não havia paralelos; Guimarães, o grande escritor, ele um joão-ninguém. É isso o que pensava. Não, não era possível, era um absurdo, não me daria entrevista alguma. Insisti, mostrei que a diferença de estilos não desmanchava a beleza nem a precisão descritivas da relação humana e humanística do tema e que, embora divergentes, eram um só. De nada adiantou, foi irredutível, iria pensar, poderia ser ou não ser... mais para o não ser.
.........O encontro de frente e direto na casa de Osmani Barbosa com Nelson Vianna foi o último, como também estava sendo o primeiro. Mudou-se o escritor, logo em seguida, para Belo Horizonte. Quando o vi de novo, foi andando lá pelo quarteirão montes-clarense das ruas Tupis e Rio de Janeiro, mas aparentemente distraído e, senhor ou não da vida, nunca me reconheceu. E até parece que a Montes Claros nunca mais voltou. Coisas que só o Haroldo Lívio, o seu biógrafo, deve entender...
OSMAR CUNHA
.........A lembrança mais antiga que tenho de Osmar Cunha é de Taiobeiras, ano de 1948, quando ele, estudante de contabilidade em São Paulo, veio passear por um período de férias. Sério e alegre ao mesmo tempo, mais novo do que a idade exigia, era a elegância em pessoa, com ternos e gravatas da última moda, tecidos caros, cortes perfeitos. A qualidade estava numa distância enorme para a de uso de qualquer outro vivente comum, inclusive a de seu irmão Dudu Cunha, que também sempre foi muito granfino. Ninguém vestia ou calçava como Osmar, porque, de São Paulo, ele sempre escolhia o melhor, uma vez que dinheiro e bom gosto nunca lhe foram problemas. Invejado por nós, pobres mortais de Taiobeiras? Não, não creio. Na verdade, Osmar Cunha era é respeitado, admirado, elevado a um patamar, algo assim como se fosse herdeiro do trono do Brasil. O melhor a quem de direito!
.........Também não me lembro de Osmar namorador como Dudu, ou como qualquer outro de nós, mesmo os meninos, que normalmente tinham mais de um flirt Osmar era comedido, calmo, mais ligado às pessoas de idade, para conversas de assuntos mais importantes. Mesmo para uma cidadezinha culta como era Taiobeiras em 1949, quando se discutia literatura, acontecimentos mundiais, artes, esportes, concursos de misses, quando existia uma meia dúzia com algum domínio do inglês, Osmar ainda era considerado de padrão superior, principalmente por morar e estudar no centro da cidade de São Paulo, como filho de família rica. Mas, no meio de toda importância, Osmar fazia algumas concessões ao jogar futebol, nadar na barragem, jogar pôquer, dançar, dar voltas em torno da feira de sábado, ir à missa na antiga igreja perto de sua casa. Namorar, namorar, que era o esporte mais gostoso era só com a Laury, a moça mais culta e mais bonita, também viajada e lida como ele. Ou mais que ele!
.........Não me lembro de Osmar político, candidato a prefeito de Taiobeiras, porque aí, eu já morava em Montes Claros. Talvez por uns dois passeios rápidos por lá, quando eu ia ver Olímpia e a minha família, tenho lembranças poucas, “flashes” dos acontecimentos, com um quadro mergulhado de paixões, a situação batendo duro, furtando escandalosamente para não perder o mando, não respeitando nem a elegância de Osmar. Lembro-me de Laury lutando com todas as forças, até pegando em armas, como um dia em que ela espantou uma multidão de adversários, fazendo todos correrem sob a mira de uma carabina. Mas de Osmar, não me lembro! Sua capacidade só diplomática, elevada, acima das efervescências maledicentes, não pôde o conduzir à vitória. Votos comprados, urnas fraudadas, todo tipo de astúcias e tramóias dos adversários tiraram a sua vez. Triste e desiludido mudou-se para Montes Claros. Secretamente, caladão, nunca cicatrizou a paixão da derrota. Com amargo sorriso era que falava da política de Taiobeiras. Acredito que esperava, se mais vivesse, dar um elegante troco àquela gente de sua terra.
.........Em Montes Claros, sempre comerciante, ao lado de Dudu ou sozinho, Osmar talvez tenha sido o empresário mais amado e querido por seus clientes e fornecedores. Não sei e talvez ninguém saiba de alguém que não gostasse dele. As pessoas o adoravam e nele confiavam sem limitações. Nenhum documento valia mais que a palavra de Osmar. Nenhum prazo era tão rígido no comércio que ele não pudesse ceder em favor de um devedor mais apertado. Quantas vezes Dudu não ficou com o coração nas mãos diante da bondade de Osmar, sempre ajustando vencimentos, sempre ajudando alguém! Osmar era uma espécie de pai dos pobres e deserdados, que o digam os pequenos comerciantes de Montes Claros e de todas as cidades do Norte de Minas e Sul da Bahia. Até hoje vejo-os chorar de saudades!
.........Osmar Cunha, elista, rotariano, marido, pai, irmão, companheiro e professor de muitos, nunca foi um homem comum, nem só um homem elegante. A estrela de ouro que, por nobreza, deixou no mundo, por muito tempo ainda brilhará e abrirará caminhos de luz, de amizade e de admiração!
PADRE ADHERBAL MURTA
.........A primeira vez que vi o Padre Murta foi no sobradão da Rua Coronel Celestino, corredores da Faculdade de Filosofia, em noite de muita movimentação e barulho por ser início de ano letivo. Ele andava e conversava, olhava diretamente nos olhos dos e das colegas e batia-lhes nas costas, nos ombros e nas cabeças, em carinhosos gestos de coleguismo e amizade. Com os professores, um sorriso amigo, cumprimentos e até abraços. Parecia que conhecia a todos, de todos fosse um velho camarada, um companheiro de anos e anos de lealdade. O Padre Adherbal Murta estava chegando para ser aluno do curso de Pedagogia, mais um calouro da nossa querida Fafil. Um dos melhores ou o melhor que passou por lá.
.........Alguns anos mais tarde, tenho a honra de receber Padre Murta como confrade da Academia Montesclarense de Letras. Foram momentos de inusitado deleite intelectual, com discurso erudito e importante, pleno de sabedoria de um dos homens mais cultos deste País e do mundo. De formação humanística da maior e melhor qualidade, ele foi sempre um clássico por excelência, conhecedor de pleno domínio do latim e do grego como poucos ainda podem saber. A Eneida, de Vergílio, para ele, era texto do dia-a-dia, pronto para recitá-lo a quem pudesse interessar, na mais perfeita memória, de cor e na ponta da língua, fosse num salão, fosse durante uma viagem. Padre Murta dominava a lógica, a teologia, a história, a filosofia, a pedagogia, o mais vasto universo de cultura e conhecimentos. Não foi sem motivo que passou brilhantemente por tão importantes centros de cultura no Brasil e na Europa.
.........Mais tarde, vejo-me seu padrinho no Rotary Clube de Montes Claros - Norte, noite de muita emoção para todos os mais de cinquenta companheiros. Tive a honra de colocar em sua lapela o distintivo de uma das mais importantes organizações do mundo atual, com certeza a mais prestigiada pelo trabalho internacional de erradicação da pólio, pelos intercâmbios de cultura, pelos serviços comunitários em 208 países e regiões geográficas. Em dezembro de 2006, foi Padre Murta um dos primeiros que convidei para participar da fundação do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros quando, pela nossa mútua confiança, aceitou na hora, escolhendo como patrono Waldemar Versiani dos Anjos. Na noite de inauguração, era ele um dos mais entusiasmados e conscientes do dever de fazer e registrar a história.
.........Onde estivesse – no púlpito, na cátedra universitária ou de qualquer escola, na tribuna acadêmica, em qualquer encontro de amigos – Padre Murta sempre mostrava a que veio em passagem pela vida: sua oratória era realmente brilhante, com uma capacidade de amar o próximo em verdadeiro marco de grandeza. Seu dinamismo e capacidade de trabalho sempre encantaram a todos. O Criador concedeu ao Padre Murta qualidades – que eu creio ele nem pediu tantas. Sobrou-lhe, acima de tudo, talento e simpatia, fé nos destinos da humanidade.
.........Agradeço muitíssimo a Deus por ter sido contemporâneo dele, por ter convivido muito com ele. Sinto, porém, por demais, estar escrevendo esta crônica com os verbos no passado. São muitas as lágrimas, muitas, fruto de uma imensa e amiga saudade!
PEDRO MARTINS SANT’ANA
.........Em primeiro lugar, eu gostaria de saber se já houve um professor de História melhor que Pedro Martins de Sant’Ana. Sempre foi ele uma pessoa notável, metódica, eficiente, capaz de despertar grande interesse nos alunos. Ninguém encaminharia tanto saber a um discípulo se realmente não o tivesse. Não se transmite gosto e amor, simpatia ou paixão, quando não se tem essas qualidades. Pedro, como fruto, tinha de originar-se de árvore de primeira cepa. Era realmente um homem de grande saber histórico, mestre da didática, capaz de ensinar até a estátuas de gelo que estivessem sentadas em sala de aula. Aliás, ele não só ensinava, vivia como artista cada página da história.
.........Pedro Sant’Ana, nos velhos idos do Colégio Diocesano, fim da década de quarenta, início da de cinquenta, era um árbitro da elegância, no vestir e no falar. Seus ternos eram mais bem talhados do que os das pessoas granfinas da Rua Quinze, de tecidos mais caros do que os da gente rica do Clube Montes Claros. Tinha-os tantos, que não os repetia durante um mês de aulas. Famosas gravatas de seda pura, camisas de colarinhos trubenizados, engomadas com esmero, sapatos Scatamákia de cromo alemão com tonalidades que iam do marrom claro até o escuro-preto.
.........Era uma época de ouro das alfaiatarias e das lojas de luxo, quando cada par de meias era escolhido como se o freguês estivesse bateando ouro ou faiscando diamantes. Aí, Pedro Martins de Sant’Ana era o mestre do bom gosto.
.........Lembro-me de que o professor Pedro Sant’Ana era bom, humilde quase nunca, algumas vezes arrogante, consciente do seu próprio valor durante todo o tempo. Jamais concedia a si mesmo uma dúvida por menor que fosse. Era um monumento de saber, na História, nas Ciências Naturais, no Inglês. Primeiramente na História. Aí era inesgotável sua eficiência. Falava dos Césaros e dos Antoninos, de Aníbal e de Alexandre, de Ramsés ou de Napoleão, de Gêngis Kan onde César Bórgia como se fosse ele, Pedro, colega de campanha ou vizinho deles. Como percorríamos as ruas de Atenas e de Esparta, de Roma e de Alexandria, de Tebas ou Jerusalém, vivendo suas palavras! Com Pedro Sant’Ana, lutamos em Dardanelos, corremos em Maratona, navegamos no Rio Nilo, atravessamos o Mar Vermelho, fizemos nossa a Mesopotâmia!
.........Pedro Sant’Ana, que grande professor! Não me consta que jamais tenha trabalhado pelo salário, pelo vil dinheiro, somente pelo pão de cada dia. Trabalhava muito mais pelo entusiasmo, pela visão multissecular dos heróis da História, pela experiência milenar dos sábios. Alimentava-se, parece, pela retórica, tendo, como material da vida, a palavra, a palavra viva, sonora, marcante nas consciências jovens. Para nós, seus alunos, o verdadeiro descobridor do Brasil, o homem que abria as selvas, rasgava estradas, construía escolas, levantava templos, era ele Pedro Sant’Ana, o grande Pedro. O mestre com carinho de um velho guerreiro!
.........Pedro Sant’Ana, sem favor nenhum, teve outro mérito: culto, vibrante, polêmico, destemido, desaforado, foi um dos dez melhores oradores da história de Montes Claros. Merece um lugar importante em nossa galeria de personagens!
PETRÔNIO BRAZ
.........É sempre no emotivo-racional que o meu amigo, irmão, colega, companheiro e confrade Petrônio Braz encontra a razão de ser e a razão de viver. Exatamente isso: Petrônio tem um coração inteligente e um cérebro afetivo com incríveis nuances de amor – amor a Deus, amor à pátria, amor à família, amor aos amigos, até o amor que povoa o mundo e as vidas do mundo. Desde os dias do seu curso primário no Grupo Coelho Neto até este momento de posse na Academia Montesclarense de Letras, cérebro e coração de Petrônio andam mais do que juntos. Até na hora da escrita de tratados de Direito - território de exigências de precisão acadêmica – ele pluraliza teorias e conceitua humana gestualidade. Homem de trilhas, de veredas, de caminhos, jamais adotou a paralelística dos trilhos. Nunca as formalidades fatalistas de destinos imutáveis, como se existências fossem semelhantes a traçados de estradas de ferro. Petrônio é um ser de livre arbítrio, acima de tudo, ser de liberdade, alma em constante evolução, eternamente aluno na escola do viver e progredir. Determinado, nunca abriu mão de construir o próprio destino e arquitetar a própria vida. Ser social, mesmo estando só, trabalha para construir e reconstruir a história e a geografia onde acontecimentos se impõem.
.........Difícil para mim o compor a estrutura desta fala, porque há muito pouco tempo , aqui mesmo na Academia Montesclarense de Letras – na apresentação do livro Serrano de Pilão Arcado – delineei traços completos da biografia de Petrônio Braz, dizendo dos seus sólidos saberes, floreando sobre seus feitos políticos, jurídicos, históricos e literários, aplicando-me em dialética sobre suas vivências, convivências e conveniências. Não quero, não devo, não posso duplicar ou multiplicar informações, muitas das quais este público já conhece à exaustão. Naquele momento, falei da multidão de seus títulos em rica escolaridade no Brasil e no exterior, da participação continuada de inúmeras instituições em Belo Horizonte, São Paulo, Brasília e outras capitais, da elogiável plataforma de publicações no Direito e na Literatura, até com razoável riqueza em direitos autorais. Falei também da sua constante atuação política, a partir dos 23 anos de verde juventude, quando foi prefeito de São Francisco, cidade natal, onde também exerceu vários mandatos como legislador. Disse também de sua atuação como administrador e professor em Belo Horizonte, Montes Claros, Várzea da Palma, Coração de Jesus e João Pinheiro. Citei quase um mapa da região norte-mineira, onde atuou como conselheiro político e consultor jurídico, vasto currículo em municípios como Espinosa, Ibiaí, Ibiracatu, Indaiabira, Matias Cardoso, Montezuma, Novorizonte, Patis, Riachinho, Rio Pardo de Minas, Santo Antônio do Retiro, Taiobeiras, Ubaí, Urucuia. Vargem Grande, Chapada Gaúcha, Jaíba, Mirabela, Monte Azul, Pirapora, Santa Fé de Minas, São João da Ponte, São Romão, Fruta de Leite e por último, mas não por derradeiro, a cidade de Montes Claros, capital da região. Preciso aumentar latitudes e longitudes nesta geografia.
.........Fundador e presidente da Aclecia – Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco, fundador e Diretor-secretário do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, fundador e membro da Aclav – Academia de Ciências e Letras de Várzea da Palma, Petrônio Braz atua diligentemente no Instituto Brasileiro de Estudos Monárquicos, na Associação Brasileira de Escritores, na União Brasileira de Escritores, na Academia Petropolitana de Poesia, na Academia de Letras de Uruguaiana, na Casa do Poeta Brasileiro e na Sociedade de Escritores Lationoamericanos y Europeos, esta na Itália. Muitos os prêmios literários, títulos de cidadania, muitas as medalhas e comendas recebidas por Petrônio, incluindo aí a Medalha Santos Dumont, do Governo de Minas Gerais.
.........São tantos os certificados, tantos os diplomas, que muitas paredes seriam necessárias para uma exposição justa e meritória.
.........Treze obras jurídicas, algumas em coleção, sete obras literárias e participação em dezenas de antologias e revistas, publicação quase diária em jornais, Petrônio é realmente um homem de letras mais do que presente ao agrado de milhares de leitores. Trabalha agora em precioso livro sobre a Conjuração do São Francisco, primeiro momento na tentativa de independência, revisão histórica importante para o prestígio de Minas Gerais, esta Minas sempre incentivadora da autonomia pátria e da liberdade. Petrônio Braz, nos seus oitenta anos de vida, também hoje comemorados, é homem que muito realizou e que muito ainda tem a realizar. Sempre prático, trabalha por prazer e sabe que pode tornar reais metas traçadas ou sonhadas. Nunca temendo mudanças, tem coragem para abrir caminhos, enfrentar desafios, criar soluções, correr riscos. Intelectual completo, de cultura multifacetada, bom de serviço, sabe que tudo que faz sempre dá certo, principalmente quando conta com a ajuda da esposa Fátima, ainda mais determinada do que ele. Muito bom tudo isso, porque, no final, o lucro é nosso.
.........Neste momento de glória em que trinta e nove componentes da Academia Montesclarense de Letras abrem braços e corações para receber Petrônio Braz, agradecemos a Deus por tê-lo a completar o nosso quadro social. Juntos – ombreando academicamente – agora que somos quarenta como na velha Academia Francesa, muito mais poderemos realizar. O nosso mais fraterno abraço, meu jovem oitentão, Petrônio Braz. Os que vão viver e continuar contigo, te saúdam. Calorosamente, sim Senhor!
REIVALDO CANELA
.........A maior e mais verdadeira prova de seu amor, Reivaldo, esteve sempre delineada e aplicada no ato diário de seu viver e conviver. Uma linda viagem terrena em que você doou, recebeu, compreendeu, compartilhou, apoiou, aceitou e foi aceito, olhou em torno e dentro de si mesmo. Sua existência, Reivaldo, foi uma lembrança sempre presente da infinitude do amor de Deus perante cada manifestação da natureza: nas flores, nas águas, na dança das folhas, nos vôos e nos cantos dos passarinhos, nas presenças e nas manifestações de carinho dentro de casa e no brilho dos olhos de seus amigos. Sua vida, Reivaldo, foi uma colheita de esperanças e alegrias, tudo positivo, ambição só a necessária para as despesas de cada dia. Sua vida, Reivaldo foi construída nos sonhos e concretizada no amor. Afinal, a fé sem obras é morta. Qual o proveito em dizer que tem fé, mas não tem obras? Seu pensamento, religiosamente ou não, foi o mesmo do apóstolo Tiago. Não bastava crer, era preciso realizar.
.........Você nem imagina como foi sempre a minha alegria e o sentimento da riqueza do amor sempre que visitei você em manhãs de domingo, casa cheia de olhares vibrantes de toda a sua família, às vezes do Reinine e até de um ou outro amigo mais próximo. Todos, mesmo parecendo com os pés na terra, tinham as cabeças nos sonhos. Quanta dignidade, quanta coerência no exercício de amor e na certeza de que a vida só é válida quando vem condimentada com os sabores da felicidade. Sabe o que foi sempre o mais bonito em você? Nunca se empolgou com o próprio brilho, nunca se envaideceu da maravilhosa inteligência que lhe dourou palavras e ideias, ações e realizações. Ser humano justo, em todas as horas você inspirou, estimulou, energizou, pessoas e coisas, proporcionou conforto a tudo que a natureza o rodeou e pôs no seu contato.
.........Pensando em você com saudade, lembro-me da Parábola do Bom Samaritano, daquele viajante que tendo saído de Jerusalém para Jericó, fora assaltado por ladrões no meio do caminho, ficando ferido e desfalecido, à beira da estrada, o que não sensibilizou os dois religiosos que, mesmo vendo a cena, desfilaram pela outra margem, sem preocupação ou vocação para o bem servir ou para a fraternidade. O atendimento foi feito por um passante originário da Samaria, uma região pobre e nunca considerada pelos importantes da época. O samaritano limpou-lhe as feridas, aplicou os remédios de que dispunha, colocou na alimária e seguiu viagem com ele até um ponto de apoio. Lá, hospedou-o, pagando as despesas, deu o atendimento complementar e, tendo de logo viajar, recomendou ao estalajadeiro bem cuidasse dele, prometendo, caso houvesse novas despesas, pagar-lhe-ia na volta. Neste episódio há três filosofias: para os ladrões (partidários da distribuição social), a ideia é de que “o que é seu é meu”; para os religiosos (não responsáveis diretos pela violência ocorrida), “o que é meu é meu e o que é seu é seu”, o problema é do dono do problema; para o samaritano, entretanto, sofredor do dia-a-dia, só vale uma decisão de amor, “o que é meu é seu”. Cito este relato bíblico, Reivaldo, para lhe dizer que a sua vida foi efetivamente a de bom samaritano, três quartos de século de eterna doação. Sua alegria, sua gentileza, seu conhecimento, seu amor, todos os seus sentimentos de cidadania e de fraternidade sempre pertenceram às outras pessoas. Nobre Reivaldo Canela, os que viveram próximo a você e todos nós, companheiros e amigos, continuaremos por aqui vivendo e saudando-o mais do que calorosamente. Você foi sempre amado e admirado. E árvore plantada com amor nenhum vento derruba. Nem mesmo num grave momento de despedida.
ROQUE FERREIRA BARRETO
.........Podia ter sido uma reunião como qualquer outra, mas não foi. Era a noite de uma sexta-feira dezessete, com apenas um assunto na pauta, sem presença obrigatória. A ordem-do-dia era a entrega de um diploma de cidadania como já fora feito às centenas nos últimos anos, a todo tipo de gente de muito ou de algum mérito, mas nunca de nenhum. Presentes uma maioria pequena de vereadores, toda administração e bom número de funcionários do Banco do Brasil, o secretário da administração municipal, o presidente do Sindicato dos Bancários, o padre Murta, uma boa vizinhança da Rua Cairo, filhos e genros do cidadão empossado, Roque Ferreira Barreto. Um auditório, para bem da verdade, lotado, todas as cadeiras ocupadas, muita assistência de pé. De jornalistas só dois: o muito ilustre Haroldo Lívio de Oliveira e eu. Um bom cenário para um grande acontecimento.
.........E entrega de diploma de cidadão honorário de Montes Claros dá sessão importante? A resposta lógica é que não, tantas vezes a cerimônia foi repetida, tantos foram os discursos de agradecimento, sempre a mesma retórica, tantas as saudações de autores dos projetos, constantes os mesmos argumentos biográficos. A imprensa nem mais dá atenção, não vai lá, não noticia, parece até num pacto de esquecimento deliberado. Será que ser cidadão de Montes Claros já nada mais acrescenta? Será que o honorário não mais é uma questão de muita honra? É uma incógnita para os matemáticos das pesquisas de opinião, pois quando um assunto não mais dá ibope é preciso pesquisá-lo mesmo que seja por curiosidade. Ou há uma campanha surda e silenciosa contra as homenagens da Câmara?
.........Veja o leitor que tenho razão de estar escrevendo, aqui sobre o assunto. É que a reunião do diploma do Roque Barreto não foi uma sessão comum, foi uma apoteose, a que esteve presente até o meu amigo Jair Caldeira, por sinal um dos mais entusiasmados. Tudo preparado em matéria de promoção - louve-se mais uma vez o Roque como o relações-públicas do ano - não faltou um só detalhe da parte do público, já que a Câmara nem poderia suspeitar do banquete cívico que convocara. É que os amigos e colegas do novo cidadão não foram lá de brincadeira, levaram o assunto a sério, começando pela pontualidade. Na hora marcada, a casa já estava cheia, com Roque sem saber se ficava sentado ou de pé, tanto convidado havia para receber, para dar tapinhas nas costas.
.........Do lado pessoal, é bom explicar que o discurso do Roque eu, como colega, já preparara há dois meses, datilografado em espaço três, fita nova na máquina para ficar mais visível, letra grande, vocabulário escolhido, frases curtas, pontuação equilibrada, lugares marcados para gesticulação, tempo cronometrado, tudo planejado como se fosse a fala do trono da Inglaterra. A indumentária do dono da festa foi o nosso assunto mais importante do último mês: a cor do terno, um azul entre o cinza e o chumbo, a camisa, a gravata de crochê com matizes de ultramar, as meias com baguetes em relevo, os sapatos de pelica negra novinhos e bem polidos, tudo novo até o lenço e a cueca... O nó da gravata e o colarinho foram objeto de muito cuidado até à última hora, segundos antes de ser recebido pela comissão introdutória composta dos vereadores Cláudio e Pimentel.
.........As presenças do padre Murta, representante do poder espiritual; de Luiz Modesto e José Lúcio, do poder econômico; de José Maria, do poder executivo; de Juarez Antunes, do poder sindical; dos vizinhos e familiares, do poder do amor; da própria Câmara, como poder legislativo; e nossa - falo em nome de quase uma centena de funcionários do Banco do Brasil - o maior poder de apoio e de aplausos que um baiano de Amargosa pode receber na vida. Nada faltou, ou quase nada, notada apenas a ausência de Ildeu Gonzaga, que poderia ter dado um show à parte. Foi uma noite de glória, de emoção nunca vista, nunca ouvida ou apalpada. Foi como se cada um estivesse ligado a uma antena de sensibilidade.
.........Só para terminar, sem exagero: da tribuna, até o lugar que lhe foi destinado, Roque Barreto levou dez minutos para chegar, pois Câmara e Mesa se derramaram em cima dele de abraços que nunca acabavam. O Haroldo quase chorou, ele é o descobridor do Roque como carnavalesco dos anos sessenta (Carnaval em Moc só na base do Roque). Do plenário até a porta da rua, vinte minutos. Já ia me esquecendo: o Roque foi levado à Câmara pelo Jadir Colares Duarte, melhor motorista e dono do mais lindo e rico automóvel da classe bancária: um Del-Rey metálico prateado, novinho, zero e pouco! A Globo não sabe o que perdeu: já pensou se ela tivesse televisionado tudo, assim com quatro ou cinco câmaras, buscando cada detalhe?
.........Parabéns ao Vereador Milton Cruz por ter inventado o projeto.
RUFINO COELHO
.........Quase carioca, mas diamantinense, sincero homem de Montes Claros, Rufino Coelho viveu bem vividos quase setenta anos. Vida discreta, de alegria cometida, mas, de constante e sincera amizade com seus muitos amigos. De Montes Claros, Rufino foi quase quarenta anos, pois, desde os idos de quarenta e cinco já estava no centro da cidade com a Joalheria Pádua e Coelho, com vitrines e oficina cheinhas de ouro e coco de pratas e cristais e, com eles, retratos de artistas bonitas do cinema americano, olhos claros e cabelos cacheados... Nesse tempo, Rufino era sócio de um joalheiro famoso de Diamantina, o Sóter Pádua, filho de outro ainda mais famoso, o Antoninho.
É que o nosso Rufino havia trabalhado lá, na terra do Juscelino, durante os anos da mocidade, onde se tornou um habilidoso artesão na arte do coco-e-ouro, interessado, criativo em muitos tipos de jóias e enfeites. De lá para cá, foi um passo, o que acredito foi muito melhor para nós...
.........Nascido em Silva Jardim (quem se lembra da Silva Jardim, um nome muito conhecido, de um grande brasileiro que morreu em erupção do Vesúvio, na Itália?), no Rio de Janeiro, dois anos antes de terminar a Primeira Grande Guerra, mais precisamente em 1916, e é por isso que é quase carioca. Caçula
de uma família de 21 filhos, criado em fazenda, cresceu aprendendo o rigor de quem, no meio de família numerosa, vive sem privilégios, onde os pais chegaram a esquecer momentaneamente os nomes dos seus descendentes. Deve ser por essa razão que se tornou muito independente, pouco dividindo dores ou alegrias, mesmo com os mais íntimos, jamais gostando que as pessoas tomassem conhecimento dos seus problemas. Teimoso, arredio, nunca soube desistir daquilo que achava justo e correto. Nascido em 21 de abril, tinha como companheiro de aniversário um seu companheiro de Rotary Clube, ainda mais cheio de vontades do que ele: Antônio Lafetá Rebelo.
.........Rufino era artista não só dos metais de alta nobreza, a platina, o ouro, a prata, ligas tão raras nos dias de hoje, era sincero amante da música clássica, conhecendo muito bem os melhores autores, e entre eles, o que havia de melhor nas suas composições. Ouvia-os sempre, na cidade ou na fazenda e, nessa doce atividade, soube aproveitar cativantes momentos de descontração. Rufino era também excelente fotógrafo, de cliques e de laboratório, no que sempre demonstrou engenho e arte, técnica e satisfação. Adorava fotografar e se encantava à espera das imagens.
.........De luxo nenhum, simples, metódico, cuidou de ser sempre um homem muito cuidadoso. Em casa, no trabalho, nas viagens – e como Rufino sabia apreciar as viagens – estava sempre bem vestido, daquele tipo de apronto que tanto serve estar na varanda da própria casa como num jantar do Rotary ou do Elos, ou mesmo saindo ou chegando no Quarteirão do Povo, onde ficava seu trabalho. Rufino soube viver bem, vida sem pressa, bonita, admirada, de bom profissional , bom chefe de família, de colega membro de clubes e de sindicatos e de associações, pois, sempre ligado aos interesses da comunidade. Vida útil e exemplar. Vida que merece nota de destaque.
.........Deve ser por todo um mundo de qualidades que Rufino deixou-nos muitas saudades. Agradáveis saudades!
RUTH TUPINAMBÁ GRAÇA
.........Não faz muito tempo, num comentário que fiz, no Elos Clube, sobre Hermes de Paula, falando em continuidade dos registros históricos de Montes Claros, apontei a acadêmica Ruth Tupinambá Graça como a pessoa indicada para essa tarefa. Sei que alguns ouvintes devem ter julgado minha opinião como fruto de entusiasmo de orador de momento, um arroubo de amigo e companheiro. A própria Ruth Tupinambá deve ter pensado o mesmo, pois sorriu descrente, nunca se colocando como continuadora da obra do nosso mais famoso historiador. A memória remota e recente sobre Hermes de Paula ainda é muito viva a admiração por ele é incontestável, a visão de sua luta diária com os acontecimentos o coloca como insubstituível e, por isso, ainda não se firmou o pensamento de que a história não pára e exige outro acompanhante. Continuo, pois, dizendo que depois de Hermes de Paula deverá vir Ruth Tupinambá Graça, como eu disse a ela mesma hoje numa reunião conjunta da Academia Montesclarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Não só deve, como precisa que venha. Precisamos de alguém que conheça a cidade e sua gente, alguém que goste do trabalho de registrar acontecimentos e de marcar as presenças das personagens nesses acontecimentos. Alguém que tenha amor suficiente à cidade e que saiba como manusear as palavras para pintar e descrever os momentos dignos de registros. Precisamos, sobretudo, de uma pessoa que seja, ao mesmo tempo, repórter, cronista e contadora de histórias e estórias. E estas qualidades a autora de “Montes Claros Era Assim...” tem de sobra.
.........Sem nenhuma intenção de fazer trocadilhos, posso dizer que Ruth Tupinambá tem muita graça para isso. Escreve com a suavidade de quem toma banho em cachoeira, com limpidez e transparência. Ressalte-se também o fato de ela conhecer muito bem o passado de Montes Claros, desde quando se entendeu por gente. Menina curiosa, versátil, muito inteligente e perspicaz, ela observou tudo e, às vezes, até acompanhou e viveu muitos episódios, principalmente a atuação das pessoas, as visões de cortes sociais, os ambientes, as mudanças físicas e psicológicas. Analista da alma humana, Ruth Tupinambá alcança cada gesto, cada piscar de alegria, cada remoer de tristezas. Em tudo ela vê cores, sons, dimensões, o amor ou o desamor, as crendices, o folclórico. Ruth tem imensa saudade de todas as horas, e isso lhe dá condições de sempre refrescar as lembranças da memória e do coração. Parece-me um bom passaporte para a posição de historiadora, pelo menos para a criação de história apaixonada como sempre o fez Hermes de Paula.
.........Já quase sem espaço nesta crônica, quero dizer que o livro “Montes Claros Era Assim...” é uma boa oportunidade de conhecermos o passado da cidade, esse conjunto de gente sertaneja e vivedora que soube crescer e multiplicar. É bom e importante ler depressa (ou devagar, conforme o gosto) todas as crônicas do livro de Ruth Tupinambá para saber tudo ou, pelo menos, o lado mais interessante das coisas e das gentes. Nelas estarão os cometas, os tropeiros, os bruaqueiros, o velho Christoff (pai de Konstantin), o velho João Maurício, o primo Luís, o Sinval e seu bar, a Euterpe Montes-clarense, o Cine Montes Claros, São Luiz e Coronel Ribeiro, o footing da Rua Quinze, as boiadas, os carros de bois, os circos, os primeiros carros de praça, a seresta, as modinhas, a brincadeira da argolinha e a de fazer a gata parir, a matriz, a catedral em construção, as ruas das mulheres de vida livre, as publicações da Gazeta do Norte, um grande universo de assuntos que marcam saudades. Depois da leitura, pode vir o julgamento se Ruth Tupinambá é ou não nossa futura historiadora. De minha parte tenho mais que certeza disso!
SEBASTIÃO MENDES - DUCHO
.........Poderia demorar o tempo que demorasse, mas a primeira crônica, depois de longo período de ausência, teria de ser sobre o meu amigo Ducho, pai de Glacira e Tháis, de Lúcia e Fátima de Tarcísio e Expedito, de Tiãozinho e Raimundo, pai de Miguel e marido de Dona Geralda, claro que esta crônica era para ser escrita por ocasião das homenagens que lhe foram prestadas por alunos e professores do Conservatório Lorenzo Fernandez. Deveria fazer parte do momento vivo de amor e admiração, na festa cantada em prosa e verso numa noite de maior alegria do amigo Sebastião Ducho, mestre da arte de ser feliz. Passado o momento, não passou a ocasião. Eis-me aqui falando dele.
.........Realmente, para falar de Ducho não precisa de pressa. Ele é o homem da calma constante, da boa disposição íntima, da alegria bem comportada, do sorriso sério, um desfilar de completa felicidade. Homem lúcido, realista, racional e equilibradamente místico, é o filósofo elegante e de bom trato, sempre portador de uma palavra amiga, sem qualquer sina de ostentação. Ducho é um homem, sobretudo, interessante, sóbrio e limpo, parece estar sempre saindo do banho; amigo de todos, é equidistante, não se apega nem se afasta de ninguém; um quase silencioso e respeitado companheiro, pois fala comedido como um velho marinheiro, voz suave de um vitorioso embaixador. Não creio que Ducho guarde no coração qualquer traço de ressentimento; pois seu olhar é de completa paz, um misto de Sócrates e de Gandhi, parece co-nhecedor dos mistérios de Eleusis, um tipo de viajante feliz do Nirvana, com passagem pela Terra.
.........Falando com Ducho, certa vez, sobre religião, perscrutando profundamente seu pensamento, perguntei-lhe sobre seu conhecimento espírita e até aonde ia sua convicção nos postulados da codificação de Kardec, tal sua harmonia de ideias, um tanto de Buda e muito Krishnamurti. Ele sorriu com o mais amistoso dos sorrisos e, sem qualquer atitude crítica, disse-me que era um fiel respeitador de todas as opiniões religiosas, mas que, por questão até de inteligência, procurava situar-se sempre acima delas, jamais as tocando diretamente. Para se viver bem com todas; respeita-as, aproveita de cada uma o melhor. É preciso sobre pairar do alto, não se envolver não tomar partido, ler de tudo, e retirar a essência como aconselhou o sábio Paulo de Tarso. Aí está o segredo obtido das suas observações e de muita leitura que sempre fez, porque muitos são os caminhos que levam a Deus.
.........Para Ducho, o purgatório que o homem tem construído poderia transformar-se em céu, se o estado geral das consciências fosse melhor, se houvesse menos ambição, menos pressa, esse eterno jogo em busca do poder e da riqueza. Cada criatura deveria legislar o próprio bem com a busca do equilíbrio, da tolerância, confiando na sabedoria divina, cuidando de não se ferir e não ofender os companheiros de romagem da vida. A felicidade pode ser encontrada, e ele sempre a encontrou. Afinal se não fosse assim, como estaria diante dos seus milhares de amigos?...
.........Bem mais de oitenta anos, saúde perfeita, prática diária de longas caminhadas, Sebastião Mendes, o nosso Ducho, comerciante e artista, intelectual e exemplo de família, é o melhor exemplo de companheirismo, é o melhor exemplo vivo da soberania e da sóbria distinção do sertanejo dos Montes Claros. Um maravilhoso exemplo!
WAGNER DURÃES
.........Por mais que eu procure explicação para mim mesmo, não compreendo porque demorei tanto na análise e revisão da produção poética de Wagner Durães. Há mais de dois anos, tenho praticamente sobre a mesa do escritório os originais dos seus poemas, vejo-os e revejo-os, gosto muito de todos eles, mas nunca coloco a profundidade de exame, a ponto de dar a tarefa por terminada. Quantas vezes não ensaiei explicações a Juvenal e a Rosa, desculpando-me pelo atraso, e acabei não falando nada! Quantas vezes tentei iniciar este comentário e não me foi possível! Não sei e não sei, são as incógnitas do destino ou da própria vida. Mas não choremos o leite derramado, que choro nenhum devolve o leite à leiteira. Vamos em frente.
.........Wagner foi um jovem de muita fé, muita segurança íntima, um crente fiel na sua destinação de pregar a si mesmo e aos outros as maravilhas da existência de Deus. Um Deus bem justo. Era dele uma filosofia que nasce à beira do caminho mescladas de interrogações, no geral, sempre afirmativa, concludente da onipotência, da onisciência e, sobretudo, da onipresença do Criador dos mundos.
.........“Às vezes, penso que o Senhor errou. Por isso lhe peço perdão. Mas que eu, antes de entender, confio no Senhor e no amor que me faz pensar assim. Sou muito feliz, Deus! Entendo tudo agora. E que em todos os meus erros, eu esteja tentando acertar”.
.........De grande riqueza temática, inclusive nas composições musicais de parceria com Luciano, Chico e Claudionor, Wagner quase sempre se apresentou otimista, numa solidão poética muito próxima de uma espécie de paraíso perdido, assim como que um saudade atávica e uma busca constante da felicidade ao mesmo tempo distante e à mão. A Deus pedia na constância da humildade o pão da alegria, a pureza de sentimentos, estivesse falando da fé religiosa ou da namorada. “Eu não gosto de ficar triste. Sempre fui enganado pela claridade da lua. Agora aparece o sol. Não vejo direito, meu entusiasmo me cega. Que eu esteja certo, e que toda a sabedoria do mundo ouse me condenar. E que ela esteja errada. E mais, que as luzes do sol e da lua juntas, esse amor ilumine, e me mostre o caminho, para que eu chegue até você, Deus”.
.........Veja você um bilhete que ele intitula de “Meu Amor”. A poesia existe. Ela sempre existiu. Nunca foi perdida, nunca foi tirada, sempre existiu. Talvez, os corações impuros pensem ao contrário. Talvez, as almas vazias acreditem no contrário. Mas, eles estão errados. Você me ama, eles são insensíveis a isto. Eu a amo, eles continuam insensíveis. Se você sonha me ter a vida toda e também pela eternidade a fora, eles não conseguem perceber e então não devemos nos entristecer. Isto não pode nos afetar, senão, seria uma prova de que nós não somos evoluídos ainda. Meu amor, a poesia existe, pois o amor existe entre nós e o amor é a única poesia possível. As outras são falsas, não existem”. (15.01.81)
.........Não deve demorar muito a publicação de todos os escritos de Wagner Durães, que passou para o Mundo Maior aos vinte anos, deixando muita saudade e um importante ideário de crença em Deus. Em tudo há poesia, desde que começou a escrever com intenções de escritor de treze anos. Sua vida, nem precisa dizer, foi um hino de amor à família, aos amigos, à namorada e à humanidade. Viveu pouco em termos de calendário, mas cumpriu um destino. O destino de deixar palavras de conforto e sabedoria.
ALGUNS DOS CONSTRUTORES DE MONTES CLAROS
.........Uma cidade é construída por muitas pessoas, com muitas ideias, muito planejamento e um trabalho praticamente infinito. Da primeira casa, primeira igreja, primeiro largo ou arruamento até a limpeza pública dos bairros mais distantes muita energia administrativa e política teve que ser utilizada. Em múltiplos setores, pessoas e grupos exercitaram o dia-a-dia e o processo histórico, uns mais do que outros, dependendo – é claro – do amor à cidade e da visão de progresso. Poderes executivo, legislativo, judiciário, cada qual no seu papel.
.........Quais os momentos e quais os destaques mais marcantes na vida de Montes Claros? Quando, quem, o quê, quanto, como e por quê? Importantíssimo a decisão de construir a catedral bem depois do Largo de Cima, que é hoje a Praça Doutor Carlos, não só pela ousadia do empreendimento – igreja para três mil fieis - exatamente o mesmo número de habitantes da pequena cidade, isso lá pelos dias de mudança do século XIX para o XX. Pouco mais de duas décadas depois – 1926 - a chegada da Central do Brasil e a fundação do Rotary Clube, primeiro de Montes Claros, terceiro do Brasil. A partir de 1939, a continuação da linha de ferro para ligar Sul e Norte, encontro de trilhos com a Nordeste do Brasil em Monte Azul. Entre os diversos prefeitos, palmas para o bom trabalho do dr. Alpheu Gonçalves de Quadros.
.........A partir de 1951, o Capitão Enéas Mineiro de Souza, fundador de cidades, administrador notável, a cidade que tinha apenas duas ruas calçadas de paralelepídos: a Presidente Vargas e a Simeão Ribeiro – teve todo o seu centro vital pavimentado, poeira acabada até a Rua Barão do Branco. Comemoração do Centenário, a cidade ganha alma nova, respondendo ao chamado do historiador Hermes de Paula, prefeitura, industriais, comerciantes, fazendeiros, gente do povo – todo mundo trabalhando a todo vapor. Calçamentos de blocret, abertura da Avenida Geraldo Athayde, trabalho para inaugurar o Parque João Athayde com o grande formato da exposição agropecuária, que perdura até hoje. A partir de 1966, a maior revolução administrativa, quando assumiu o prefeito Antônio Lafetá Rebelo, candidato único e sem compromissos políticos partidários, o que lhe oportunidade de expandir a cidade em todas as dimensões, com a construção do Parque Municipal, da Rodoviária, da Avenida Plínio Ribeiro, Avenida João XXIII, e mais do que tudo da Avenida Esteves Rodrigues, a espinha dorsal do novo projeto urbano. Com Toninho (dois mandatos), tivemos o incentivo à inteligência e à arte, com o que ele considerava um presente, o até hoje moderno Centro Cultural, na Praça da Matriz.
.........Joao F. Pimenta, Simeão Ribeiro Pires, Pedro Santos, Moacir Lopes, Luiz Tadeu Leite, Mário Ribeiro, Athos Avelino Pereira e até os substitutos de curta duração, José Maia Sobrinho, João Melo, Ivany Pereira, Iran Rego, Cristina Pereira, como presidentes da Câmara ou como vice-prefeitos, todos tiveram os seus momentos de considerável trabalho para o desenvolvimento da cidade. Simeão merece louvor pela visão cultural, pela ajuda à fundação do Conservatório Lorenzo Fernandes, pela fixação de normas para a construções de casas e de prédios, a melhor delas o afastamento de três metros do alinhamento das ruas e as distâncias entre uma construção e outra. Luiz Tadeu Leite com a cobertura de grande parte da Avenida Esteves Rodrigues, de grande efeito urbanístico, a construção do prédio da prefeitura, o ginásio poliesportivo, muito de pavimentação dos bairros. Mário Ribeiro com a construção da maior parte da Avenida Sidney Chaves e a abertura para o que hoje é chamada de administração solidária. Notável a administração de Jairo Athayde, com grandes feitos, entre os mais importantes a Avenida José Correia Machado. Athos Avelino Pereira realizou muito e muito no centro da cidade e deixou em grande parte implantada um bom número de avenidas sanitárias, embora passíveis ainda de acabamento. Uma marca especialíssima é a de Ivany Pereira: foi ele que assinou o convênio para a vinda da Copasa, em substituição a Caemc e a Caene, já defasadas para a situação da sua época. Ele atendeu a uma reivindicação de representantes da Loja Maçônica Deus e Liberdade e dos Rotary Clubs de Montes Claros, de que eu tenho uma lembrança perfeita, porque dela fiz parte.
.........Mas nem só de prefeitos vive uma cidade. Com o pedido de perdão por algum esquecimento e omissões, temos que agradecer muito às lideranças culturais e sociais de Plínio Ribeiro, Joaquim Costa, José Prudêncio de Macêdo, Jair Amintas, José Esteves Rodrigues, Dulce Sarmento, Artur Jardim de Castro Gomes, Sebastião Sobreira, João Chaves, Athos Braga, José Gomes de Oliveira, Geraldo, João Alencar e Antônio Augusto Athayde, Osmani e Neném Barbosa, Nozinho Figueiredo, Francolino Santos, Georgino Jorge de Souza, Arthur e Antônio Loureiro Ramos, João Valle Maurício, Júlio de Melo e Franco, Carlos Gomes da Mota, Valdeir Correia, Olyntho e Yvonne Silveira, Luiz de Paula Ferreira, Maria Luiza Silveira, Fábio Lafetá Rebello, Marina Lorenzo Fernandez, Arlen Santiago, João Bosco Martins de Abreu, Jamil Cury, Petrônio
Braz, Alexandre Pires Ramos, Raimundo Avelar, Mauro Carvalho Lafetá, José Carlos de Lima, Marcelo Furtado, Isabel Rebelo de Paula, Baby Figueiredo Sobreira, Irmã Beata, Dário Teixeira Cotrim, José Geraldo de Freitas Drumond, Paulo César G. Almeida, Raimundo Nonato de Freitas Júnior, Sérgio Quadros, Gilson Caldeira, entre muitos. Permita-me terminar dando um parecer muito pessoal, porque sempre achei que a melhor apresentação da sociedade montes-clarense é devida ao trabalho da imprensa, entre os redatores Waldir Sena Batista e Décio Gonçalves, e entre colunistas o trabalho magnificamente iniciado por Lazinho Pimenta, Theodomiro Paulino e Magnus Medeiros, de todos os mais antigos no jornalismo. E que Deus nos proteja!
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